Um ano após a reintrodução dos bugios-ruivos, pesquisadoras identificaram a possibilidade de trazer de volta a Florianópolis pequenos felinos, como o Gato-maracajá (Leopardus wiedii) e o Gato-do-mato-do-sul (Leopardus guttulus). A ausência desses predadores afeta o equilíbrio natural, impactando o controle de espécies nativas e invasoras, como os saguis, de acordo com o Projeto Fauna Floripa. A Ilha de Santa Catarina é a maior ilha continental coberta por Mata Atlântica, mas ao longo dos anos, sofreu uma redução significativa em sua biodiversidade, incluindo a perda de grandes e pequenos felinos.

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A avaliação e a viabilidade de trazer os felinos de volta à Ilha de Santa Catarina é uma ação promovida pelo Programa Silvestres SC, com o apoio da Panthera Brasil, conhecida pelo trabalho com Pequenos Gatos. As duas potenciais espécies a serem reintroduzidas são as localmente extintas, como o gato-do-mato-do-sul (Leopardus guttulus) e gato-maracajá (Leopardus wiedii).

Reintrodução de espécies nativas

A presidente do Instituto Fauna Brasil e pós-doutora em Ecologia, Vanessa Kanaan, explica que apesar do munícipio ter mais da metade do território representado por áreas de preservação, o isolamento geográfico e fatores trazidos pela ocupação humana “dificultam a migração de animais entre a ilha e o continente”.

— Para restaurar esse equilíbrio, uma solução promissora é a reintrodução de espécies nativas — diz Kanaan.

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Ainda, de acordo com o professor do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Maurício E. Graipel, o retorno de predadores especialistas pode contribuir para um maior equilíbrio ecológico, seja em função da predação ou do medo que as presas possuem desses animais.

Na ausência de predadores algumas espécies se tornaram mais abundantes, utilizando muito mais recursos do que deveriam. Assim, algumas das espécies que hoje são dominantes em certos ambientes, talvez deixem de ser, permitindo o uso desses ambientes por espécies mais sensíveis.

— Talvez a reintrodução desses felinos ajude na redução de populações de animais exóticos invasores, como é o caso dos saguis, reduzindo assim os impactos promovidos por essa espécie na Ilha.

Projeto está em desenvolvimento

Esse processo só é possível através da avaliação de alguns eixos, como a avaliação de áreas para reintrodução, como o Refúgio de Vida Silvestre Municipal Meiembipe (maior unidade de conservação municipal em extensão) considerando a disponibilidade de presas e ausência de ameaças diretas; levantamento sobre as espécies nativas e possíveis fontes de indivíduos para soltura; e a consulta a biólogos, ecologistas e gestores, para validar critérios técnicos.

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Segundo a bióloga e chefe do Departamento de Unidades de Conservação da Floram, Mariana Coutinho Hennemann, as equipes do Instituto, com o apoio do corpo técnico, para além dos trabalhos em campo, têm realizado também encontros de divulgação e esclarecimentos sobre o projeto, especialmente com os conselhos consultivos das Unidades de Conservação e para comunidades. De acordo com a bióloga, o apoio da comunidade ajuda no desenvolvimento e na monitoração dos animais dentro das áreas de preservação.

— Apresentar a proposta para as comunidades e outras entidades envolvidas é essencial para o sucesso das reintroduções de fauna no futuro, pois permite que informações corretas e de qualidade sejam passadas, além de sanar dúvidas e despertar o interesse, tornando-as multiplicadoras dessas informações e parceiras do projeto — pontua Hennemann.

Vanessa Kanaan complementa explicando que o projeto de reintrodução, que ainda está em desenvolvimento, é pioneiro no Brasil e, portanto, serve não só para fortalecer o ecossistema local, mas pode também servir de aprendizado e exemplo.

— Cada vez mais ações como essa de refaunação devem ser estudadas e implementadas. É uma aposta mundial para recuperar a biodiversidade e restaurar relações ecológicas por meio da própria natureza, com resultados de médio e longo prazo — finaliza Kanaan.

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Conheça as espécies alvo

O Gato-maracajá e o Gato-do-mato-do-sul são nativos da Mata Atlântica e desempenham papéis cruciais no equilíbrio ecológico, especialmente no controle de populações de presas e na manutenção da saúde dos ecossistemas.

O Gato-do-mato-do-sul (Leopardus guttulus) é uma espécie enigmática, reconhecida como distinta há apenas 10 anos, em um estudo que destacou sua singularidade genética. O pequeno felino é adaptado a florestas densas e tem papel essencial no controle de roedores e outras presas.

Já o Gato-maracajá (Leopardus wiedii) é ágil e arborícola. Este felino é um excelente caçador, capaz de equilibrar populações de aves e pequenos mamíferos. Tem uma presença que fortalece as cadeias alimentares em áreas florestais e uma ampla distribuição pelas Américas, ocorrendo desde o México até a região norte da Argentina e norte do Uruguai.

Gato-maracajá é um dos felinos que podem voltar a Florianópolis

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No Brasil ocorre em quase todos os biomas e regiões, exceto em alguns locais do Nordeste. Ele é encontrado em uma ampla variedade de habitats, mas com foco em ambientes florestais e não utilização de ambientes campestres, o que inclui as florestas da Mata Atlântica, do Cerrado e da Caatinga e áreas pantanosas no Pantanal.

Bugios-ruivos foram pioneiros na reintrodução de animais

A ideia de reintroduzir esses pequenos felinos veio após o sucesso da reintrodução dos bugios-ruivos (Alouatta guariba). O retorno dos animais ocorreu em março de 2024. O Monumento Natural Municipal da Lagoa do Peri, no Sul da Ilha, foi o local escolhido para receber uma família de bugios-ruivos para habitar suas matas, depois de mais de dois séculos de extinção local da espécie.

Bugio-ruivo é reintroduzido na Ilha de SC após 260 anos de extinção

A devolução dos animais à fauna passou por um trabalho cuidadoso, com estudo dos locais de soltura e adaptação nos viveiros.

Ao longo dos últimos 12 meses, o registro dos animais soltos se deu com a combinação de metodologias como: o uso de armadilhas fotográficas instaladas em locais estratégicos da floresta, drone termal, gravadores de voz, busca direta e ciência cidadã. Todas as modalidades buscaram acompanhar os passos dos animais que, até então, não conheciam a vida em liberdade no ecossistema.

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Veja fotos da família de bugios sendo solta na Ilha

*Sob supervisão de Andréa da Luz

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