A atual temporada de verão trouxe uma legião de argentinos para as praias de Florianópolis e de outras cidades do litoral catarinense. Incentivados pela valorização do dólar, os turistas estrangeiros têm “feito a festa” com compras em supermercados, lojas de departamentos e artigos esportivos. A nova “invasão argentina” faz a Capital de SC voltar às origens e remonta aos primeiros anos com a presença dos hermanos.

Continua depois da publicidade

Clique aqui para receber as notícias do NSC Total pelo Canal do WhatsApp

A praia de Canasvieiras, no Norte da Ilha, tornou-se o território mais argentino do litoral catarinense. Na faixa de areia recentemente alargada é comum ver turistas com garrafas de mate, camisas da seleção argentina ou de clubes como River Plate e Boca Junior. Nas placas em frente aos imóveis, aluguel vira “alquiler” e no comércio o espanhol vira um segundo idioma oficial nos meses de verão. Os dados de migração do Censo 2022 ainda não foram divulgados, mas segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ao menos 1 mil argentinos moravam em Florianópolis, conforme dados o Censo 2010. 

O encanto entre argentinos e Canasvieiras não vem de hoje. A origem do bairro tem relação com uma praia ainda inexplorada e a construção de um hotel que não prosperou, ainda na primeira metade do século passado.

O empresário Antônio Pereira Oliveira, autor do livro A História do Turismo em Florianópolis e fundador da primeira agência de viagens da Capital, conta que os primeiros gestos que atraíram argentinos para conhecer as praias de Florianópolis ocorreram ainda na década de 1950. 

Continua depois da publicidade

Ele explica que o empresário Luiz Fiuza Lima, representante de uma companhia aérea que atuava no Estado, a Transportes Aéreos Catarinenses (TAC), passou a fazer uma espécie de circuito em países da América do Sul, especialmente a Argentina. Além de divulgar a empresa aérea, a ideia era também atrair investidores para um projeto ousado, mas promissor para o turismo: um hotel luxuoso no atual Centrinho da Lagoa da Conceição, na região Leste da Ilha. 

O projeto do hotel não deu certo. A companhia aérea fechou, mas a propaganda positiva da cidade deu resultado. Atraídos pelas águas quentes, pelo mar tranquilo a apenas duas horas de voo e pelo câmbio favorável, que permitia um consumo maior do que no país de origem, os primeiros argentinos começaram a descobrir e se encantar com Canasvieiras e outras praias do Norte da Ilha. 

Veja fotos de Canasvieiras antigamente

Empresário alugava sala e anunciava na Argentina 

Um nome familiar para quem hoje frequenta o Norte da Ilha também teve papel determinante na divulgação do destino de Canasvieiras e região para turistas argentinos. José Carlos Daux, empresário que hoje dá nome à rodovia SC-401, caminho para as praias do Norte, viu no país vizinho uma oportunidade de desenvolver o turismo e a economia de Florianópolis. 

Continua depois da publicidade

O engenheiro e empresário José Augusto Daux, neto de José Carlos, ouve as histórias desde pequeno na família. Ele conta que na década de 1960, o avô começou a frequentar Canasvieiras e as praias do Norte em busca de refúgios mais calmos. Os tempos eram outros, não havia um acesso direto à região e a viagem levava até duas horas. Em algumas praias, a passagem dependia da variação da maré e não havia nem energia elétrica. 

José Augusto lembra que o avô percebeu que alguns argentinos já viajavam para a região e se hospedavam em casas de pescadores ou ranchos de pesca. De origem libanesa e com vocação empreendedora, José Carlos Daux percebeu a oportunidade e passou a investir. Comprou terrenos e construiu um hotel formado por casinhas de madeira de frente para o mar. E se envolveu pessoalmente na divulgação do destino para os hermanos. 

— Nos anos 1980 e 1990, durante o inverno, ele ia para Buenos Aires, alugava um escritório dentro de um hotel na área central e anunciava nos jornais Clarín e La Nación ofertas de imóveis para alugar em Canasvieiras. Isso começou a incentivar, e quase que criou essa vida toda para a região — conta o neto. 

A família seguiu investindo na rede hoteleira da região e ainda hoje tem sete empreendimentos do ramo. José Augusto conta que cresceu indo para a Argentina e tem familiares do país vizinho. Em 2023, ele inaugurou o Largo José Daux, espaço de acesso à praia com opções de gastronomia e atrações culturais em Canasvieiras. 

Continua depois da publicidade

— O Largo foi uma ideia de criar um espaço de convívio, fazer uma melhoria e também retribuir para a cidade — conta José Augusto. 

“Invasão portenha” 

Na primeira metade da década de 1970, os argentinos descobriram de vez o litoral de SC. O livro “A História do Turismo de Florianópolis” narra que eles vinham em especial em voos charter (fretados) da companhia aérea Austral. Em janeiro de 1974, a “invasão portenha” trouxe argentinos de carro para destinos como Balneário Camboriú e Florianópolis. 

Programas e propagandas de rádio na emissora Diário da Manhã começaram a ser veiculados também em espanhol. O jornal Clarín era encontrado nas bancas e até missas em espanhol eram celebradas na região de Ponta das Canas. A imprensa nacional começou a noticiar a capital catarinense como destino de turistas estrangeiros. 

A dificuldade para lojistas aceitarem dólar começou a ser driblada com câmbio paralelo negociado em ruas da Capital. Surgiram o asfalto, hotéis, casas de aluguel, bares e restaurantes erguidos por empreendedores locais e de cidades como São Paulo e Porto Alegre. 

Continua depois da publicidade

O ex-presidente da associação de moradores de Canasvieiras, José Luiz Sardá, conta que nesse período começaram a surgir casas de moradia de servidores e advogados, que passaram a ser alugadas no verão, com o surgimento das primeiras imobiliárias. Centrais telefônicas também surgiram, permitindo ligações com o país vizinho. 

Boom de argentinos e a época do “dá-me dos” 

A partir da década de 1980, Florianópolis tornou-se destino consolidado para os argentinos. O escritor e pioneiro do turismo da Capital, Antônio Pereira Oliveira, conta que a crise financeira brasileira valorizou o câmbio para os turistas e fez o consumo explodir de vez. 

Era a época do “dá-me dos”. Surpresos com os preços acessíveis para os padrões argentinos, os hermanos pediam tudo em dobro para aproveitar. Uma fase que está parecendo familiar a quem acompanha a onda de consumo dos argentinos no verão deste ano em Florianópolis. 

— Tenho comentado com amigos que a temporada deste ano está parecendo os anos 1990, com todo esse consumo — conta o geógrafo José Luiz Sardá, ex-presidente da associação de moradores de Canasvieiras. 

Continua depois da publicidade

Desde produtos de praia até móveis embutidos entravam nas compras de famílias argentinas, chegando a fazer com que fabricantes de Florianópolis se unissem para enviar caminhões e entregar os produtos no país vizinho. 

— Minha família tinha uma loja de eletrodomésticos. Quando foi lançada a TV colorida, lembro de um casal que veio de motor home e encheu o veículo de aparelhos de televisão — conta o escritor Antônio Pereira Oliveira, citando que na época havia pouco controle sobre o trânsito de mercadorias entre os países. 

As décadas de 1980 e 1990 foram consideradas as de maior explosão de argentinos em Canasvieiras. Desde então, a oscilação do dólar alternou momentos em que argentinos vinham em maior número com outros em que os brasileiros aproveitavam a moeda forte para passear por Buenos Aires. 

— Desde então ocorre uma espécie de vento Sul e vento Norte. Se o câmbio está bom para eles, era como se fosse um vento Sul que os trazia, se o câmbio estava bom para nós, era um vento Norte que levava os brasileiros para lá — brinca o escritor. 

Continua depois da publicidade

Leia também

Argentinos “fazem a festa” em lojas de Florianópolis e gastam quase 40% a mais na temporada

De comida a pneus: “onda argentina” esvazia estoques de comércios em Florianópolis

Dólar em alta cria invasão de turistas argentinos em Florianópolis durante temporada de verão