Aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados na semana passada por 18 votos a 1, a PEC 181/2015, uma proposta de emenda constitucional que impacta na interpretação de leis e portarias que amparam os serviços de abortamento legal no Brasil, está motivando uma série de protestos pelo país. Pelo menos dez capitais tiveram manifestações organizadas por movimentos feministas, entre elas Florianópolis, onde 300 pessoas, segundo a organização, foram às ruas do Centro no final da tarde de segunda-feira, dia 13, para pressionar a derrubada da matéria. A maioria dos deputados federais de Santa Catarina está indecisa a respeito da votação, que deve entrar na pauta do Plenário comum nos próximos dias.

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Inicialmente, o texto tratava apenas da ampliação da licença-maternidade para 240 dias em caso de bebê prematuro, mas a inclusão de dois trechos ameaçam direitos conquistados anteriormente. No artigo 1º da Constituição, que aborda os princípios fundamentais da República, foi adicionada a frase: “dignidade da pessoa humana desde a concepção”. Já no artigo 5º, que garante a igualdade de todos perante a lei e a inviolabilidade do direito à vida, acrescentou-se a máxima “a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”.

O conceito de proteção da vida a partir da concepção faz parte do parecer do relator da PEC, deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM). O parlamentar sugeriu, em Brasília, que os direitos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da inviolabilidade da vida e igualdade de todos perante a lei devem ser considerados “desde a concepção”. Ao projeto, Mudalen ainda apresenta argumentos de juristas que seguem na mesma linha da “proteção à vida” e cita ainda direitos de nascituro previstos no Código Civil e o aborto como crime contra a pessoa, descrito no Código Penal.

A pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina, Grazielly Baggenstoss, que atua em defesa dos direitos das mulheres, avalia que a mudança afeta, principalmente, a interpretação infraconstitucional.

— Com a aprovação e consequente inclusão da expressão “desde a concepção” na Constituição Federal, podem ser questionados muitos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres, tais como os direitos afetos ao planejamento familiar, o direito de aborto em caso de estupro e risco de morte à gestante e o direito à interrupção da gestação no caso de anencefalia. Por extensão, será questionada, também, a possibilidade de utilização das células-tronco embrionárias em pesquisas científicas, atingindo a Lei da Biossegurança — contextualiza.

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Nesse contexto, a representante da Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres pela Legalização do Aborto, Paula Guimarães, afirma que a marcha foi organizada para dar uma resposta aos deputados. Segundo a ativista, os representantes legislativos, especialmente ligados à bancada religiosa, tentam cercear o acesso à interrupção legal da gestação não só por meio da PEC 181, mas também por outras matérias, tais como o Estatuto do Nascituro. Por meio da formação de uma frente estadual, a intenção é garantir a manutenção da legalidade do aborto em três situações: gravidez originada de estupro, anencefalia do feto e risco à vida da gestante.

— Nesse momento, vamos recuar nessa questão direta da ampla legalização para falar da violência. Do quanto a criminalização está ligada à violência do estupro. Eles [deputados] falam da dignidade humana ao embrião, mas retiram da mulher. A dignidade da mulher só se fortalece na autonomia. A preocupação [do legislativo] não é com o feto, mas com capitalizar o controle das mulheres — acusa.

Saúde sexual e reprodutiva é questão de direitos humanos

Em agosto deste ano, a advogada Ana Paula Nunes Chaves conquistou uma decisão inédita no Sul do Brasil. Por meio de sua atuação, a Justiça Federal concedeu a uma mãe de Joinville o direito de ficar mais tempo em casa com o filho, que nascera prematuro e teve de ficar hospitalizado por longo período. Na argumentação jurídica, Ana Paula utilizou a PEC 181 que, agora, lamenta a modificação do conteúdo.

— A ideia da PEC era essa, e havia um avanço com base num direito. Se aprovada com o texto inicial, nós não precisaríamos mais de medidas judiciais. Mas o que houve foi uma manobra de homens religiosos para incluir, na verdade barrar, uma pauta tão discutida pelos movimentos feministas, como é o aborto. Agora, é torcer para que exista mobilização que possa barrá-la ou alterá-la — comenta a profissional, que é sócia do primeiro escritório de advocacia feminista em Santa Catarina.

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No Estado, há seis hospitais ou maternidades que são referência na oferta do serviço de abortamento legal. Entre 2014 e 2015, que são os dados mais recentes do Ministério da Saúde, 82 mulheres interromperam a gestação de forma prevista em lei no Estado. Em razão da discussão da emenda, a coordenadora das Políticas de Saúde da Mulher da Secretaria de Estado da Saúde, Maria Simone Pan, teme a descontinuidade do atendimento, mesmo que a PEC seja derrubada. A médica de família e comunidade acredita que tanto mulher, quanto profissionais de saúde podem sentir-se inseguros mesmo em situações atualmente previstas em lei.

— As questões de saúde sexual e saúde reprodutiva são consideradas pela OMS [Organização Mundial da Saúde] como questões de direitos humanos, portanto, manter esse direito é um direito fundamental para as mulheres brasileiras, além de uma importante questão de saúde pública. Esperamos que essa discussão se reverta positivamente contribuindo para que a sociedade garanta esse direito e seja informada sobre ele — opina.

Colaborou Larissa Neumann

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