Foi aos 22 anos, ao tentar entender mais sobre si mesma e sua forma de ver o mundo que a estudante Ísis Leites recebeu o diagnóstico de autismo. Pouco tempo depois, a mãe dela, a professora Amália Cardona Leites, também se descobriu com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

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A situação foi semelhante com a psicóloga Agnes Oliveira, de 28 anos, e com o delegado da Polícia Civil Aderlan Camargo, de 48 anos, que foram diagnosticados com autismo já na idade adulta. Nesta terça-feira (2), é celebrado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Pessoas como Ísis, Amália, Agnes e Aderlan contam como foi receber o diagnóstico e o que mudou desde então.

Ísis, estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é gaúcha, e se mudou com a mãe para Florianópolis em 2017. Já a mãe mora atualmente em Brusque, e leciona no Instituto Federal Catarinense (IFC) no campus de Ibirama.

A busca por uma avaliação veio a partir do diagnóstico de um primo de 8 anos com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Ísis se identificava com alguns dos sinais, e buscou um especialista. O diagnóstico do TEA veio quando ela tinha de 20 para 21 anos.

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A profissional consultada pela estudante foi quem explicou sobre o Transtorno do Espectro Autista para ela.

— Falei todos os meus relatos, questões sensoriais também e, no final da sessão, ela falou: ‘Ah, eu acho que tu não tens TDAH. Tu já ouviste falar sobre TEA?’. E aí ela me explicou um pouco e eu fiquei meio em choque. Eu nunca tinha parado para pensar sobre isso — contou Ísis.

Na sequência da consulta, ela foi encaminhada para fazer uma avaliação neuropsicológica. Ela conta que também buscou se encontrar fora dos modelos e características tradicionalmente associados aos autistas.

— Eu tinha aquele estereótipo do Sheldon do [série de TV] Big Bang Theory e de crianças não-verbais. Eu fiquei bem em choque, foi um processo de conscientização — relata.

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Por conta do diagnóstico da filha, Amália começou a ler sobre o assunto. No teste, ela foi questionada se já havia sido avaliada. Ela decidiu buscar outro profissional e também realizar o teste para saber se tinha o mesmo diagnóstico. A partir daí, a professora passou a se lembrar de comportamentos que foram assuntos de sessões, como um cronograma que ela fazia para a filha quando ela era pequena.

— Eu colocava na porta do quarto dela o sol de manhã e desenho de escova de dente, que ela tinha que fazer em cada horário. Eu nunca pensei que esse tipo de coisa tinha a ver com alguma neurodivergência. Até hoje me custa entender que não é todo mundo que chega numa loja e vai direto ficar tocando no cobertor. Porque, se é bom, por que não é todo mundo que faz isso, né? Para mim, foi um choque pensar que o mundo não era da maneira como eu vivia — relembra.

A filha, Ísis, descreve o momento em que recebeu o resultado como “libertador”.

— É tipo dar um respiro e ficar ‘eu não era só diferente, tinha um motivo, uma explicação. O processo do laudo em si eu acho bem libertador. Não sei explicar, mas é muito boa a sensação de ler — afirma a estudante.

Já a mãe relata que passou por uma espécie de luto, ainda que já tenha deixado esse processo para trás e que reconheça que ainda há tempo para se descobrir.

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— Para mim, teve um processo de luto. No sentido de olhar para trás e pensar o quanto a minha vida podia ter sido diferente se eu soubesse que era autista e se eu tivesse me respeitado mais. Eu acho que junta, né, com as questões da socialização, da gente querer agradar. Eu estou feliz porque pelo menos eu estou na metade da minha vida útil, ainda tenho tempo para me descobrir, mas é como se eu tivesse que descobrir tudo. É tudo muito novo — afirma.

Psicóloga relata alívio ao descobrir diagnóstico de autismo

Formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a psicóloga Agnes Oliveira hoje atende pacientes autistas em Florianópolis. Ela foi diagnosticada aos 27 anos, depois de encontrar alguns indícios do autismo em si mesma.

— Comecei a desconfiar que estivesse no espectro em 2020, desde a primeira vez que tive contato com outra mulher autista. Até realmente fazer a avaliação psicológica, em 2023, foram anos de muita dúvida e questionamentos por parte de mim mesma e dos outros — conta.

— Eu fechava vários critérios para Transtorno do Espectro Autista, mas o que mais me chamou a atenção e me fez ver a mim mesma de maneira diferente foram as crises sensoriais. Eu passei anos achando que tudo era ansiedade até compreender como se dá a sobrecarga sensorial no autismo e reconhecer os sinais em mim — continua.

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Ela explica que pessoas neuroatípicas, como TEA e TDAH, processam os estímulos como barulhos, luzes e até texturas de maneira diferente. A psicóloga conta que ela mesma aprendeu a criar estratégias de autorregulação para lidar com os diversos estímulos. O diagnóstico veio como um alívio.

— Acho que mudei principalmente a forma de me comunicar e colocar meus limites nas interações. Encontrei mais legitimidade para ser quem eu sou. As pessoas acham que todo autista é igual, que todo autista vai ser como a criança autista que você conheceu. E não é assim. Somos seres múltiplos — resumiu.

Depois de entender que o que ela sentia tinha um diagnóstico, Agnes afirma que passou a respeitar mais os próprios sinais do corpo.

— Eu dei legitimidade aos sinais que o meu corpo dá de que está entrando em crise. Assim eu sinalizo os meus limites com mais firmeza e os tenho mais respeitados. Eu também uso dos meus direitos para fazer coisas quando está muito difícil, como direito a atendimento prioritário por exemplo. Sinalizo as pessoas ao meu redor se estou bem ou se estou usando a reserva da minha bateria para finalizar tarefas e não engajo em novas coisas que me soam como um desafio se já sinto que estou no limite — explica.

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Delegado recebeu diagnóstico aos 47 anos

O delegado Aderlan Camargo, atualmente na Central de Plantão Policial de Balneário Camboriú, no Litoral Norte de Santa Catarina, recebeu o diagnóstico aos 47 anos. Ele foi atrás da avaliação por conta do filho, que também é autista.

— Já tinha rompido muitas barreiras, mas eu busquei porque eu tenho um filho autista — conta.

A partir disso, ele pode entender episódios da juventude, como dificuldades de aprendizagem, problemas de dicção e timidez extrema. O delegado conta que a leitura foi a sua estratégia de “fuga” dos desafios.

— Eu consegui evoluir como pessoa, até porque é uma é um hábito solitário, né? Você não precisa de interagir com muitas pessoas, com ninguém aliás — afirm Aderlan.

A carreira jurídica veio a partir de um trabalho como office boy em um escritório de advocacia. Incentivado por um advogado, ingressou na área, seguiu na profissão por 13 anos e depois foi aprovado no concurso para delegado de polícia, com 10 mil candidatos.

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Aderlan relata que começou a ver características semelhantes ao do filho, e que os terapeutas do menino estimularam que o pai buscasse a avaliação.

— Foi mais com o objetivo de entender algumas coisas no meu passado. A partir da confirmação dessa minha condição, eu me senti mais na obrigação ainda de ajudar, de auxiliar meu filho. Porque se eu cheguei nessa condição que eu estou hoje, meu filho também pode talvez chegar próximo ou, pelo menos, criar independência, autonomia, que é o sonho de todo pai de autista: que o filho tenha autonomia — destaca.

Sinais do autismo

Os entrevistados relataram alguns sinais que os fizeram sentir que eram, de alguma forma, diferentes das outras pessoas. São eles:

  • falar e entender de forma mais direta
  • gostar de tocar em toalhas e cobertores
  • incômodo com barulhos como do ônibus ou lugares muito cheios
  • necessidade de regras e clareza
  • incômodo com luzes e textura
  • dificuldades de aprendizagem
  • dificuldades de dicção
  • timidez extrema

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A psicóloga Giovanna Nicolau ainda cita:

  • forma diferente de entender as interações sociais
  • muita sensibilidade
  • seletividade alimentar
  • dificuldade para entender o que foi dito nas entrelinhas

Contudo, ela destacou que “cada autismo é um autismo”. 

— Cada pessoa é singular. É o cuidado para a gente não generalizar as características do autismo para todo mundo, e o quanto atende um critério ou não atende, mas para entender como que é o autismo de cada pessoa — pontuou.

Avaliação psicológica

Segundo o Conselho Regional de Psicologia da 12ª Região (CRP-12), de Santa Catarina, a avaliação psicológica é o procedimento utilizado em psicologia para a emissão de diagnósticos psicológicos, entre eles o de Transtorno do Espectro Autista. 

A Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 31/2022 estabelece as diretrizes técnicas para a avaliação psicológica. A princípio, todos os psicólogas inscritos no CRP são legalmente habilitados para realizar este tipo de avaliação. 

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Há testes psicológicos com aplicação remota, porém como o CRP-12 não orienta a respeito da metodologia aplicada a cada caso, o Conselho não pode responder se há testes com aplicação remota voltados ao diagnóstico de autismo. É possível consultar profissionais com registro de especialista no site do Conselho.

*Com informações do g1 SC

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