A divulgação dos novos dados do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que abordam nupcialidade e estrutura familiar, chamou atenção ao destacar que mais de 34 mil crianças e adolescentes de 10 a 14 anos viviam em uniões conjugais no Brasil. Um recorte mais específico mostra que, somente na região intermediária de Blumenau — que também engloba Itajaí, Brusque, Rio do Sul, Ibirama, Presidente Getúlio e Ituporanga, ou seja, o Vale do Itajaí —, 232 crianças e adolescentes com menos de 15 anos já viviam em um relacionamento. Para especialistas, o dado deve ser visto com “profunda preocupação”.

Continua depois da publicidade

Em 2022, ano da coleta do último Censo, essa região intermediária tinha um total de 127.874 crianças e adolescentes com idades entre 10 a 14 anos. Entre eles, 232 já viviam em uma união conjugal — 129 sendo meninos e 103 meninas. Todas as relações eram uniões consensuais, e não casamentos civis ou religiosos. Nenhum jovem indígena nesta faixa de idade vivia em uma união, conforme mostrou o IBGE.

A pesquisa também abrange a religião dos participantes e mostra que 97 dos jovens entre 10 a 14 anos que estavam em uma união eram da religião Católica Apostólica Romana, 86 eram evangélicos, 16 pertenciam a outras religiões não especificadas pelo estudo e 32 não pertenciam a nenhuma religião.

De um total de 132.812 jovens com idades entre 15 a 19 anos no Vale do Itajaí, 9,7% (12.935) deles estavam em uma união. Aqui, as estatísticas já mudam e mostram que havia mais meninas em relacionamentos conjugais (9.570) do que meninos (3.365). A pesquisa apontou que 38 jovens indígenas nesta mesma faixa de idade estavam em uma união, sendo 35 homens e três mulheres.

Dados de Blumenau

Somente a cidade de Blumenau tinha 30 crianças e adolescentes de 10 a 14 anos em uma união conjugal, sendo 20 meninas e 10 meninos. Gaspar registrou 17, sendo todos do sexo masculino. Não houve registros em Pomerode, Indaial e Timbó.

Continua depois da publicidade

Tatiana Conceição dos Reis Filagrana, advogada e presidente da Comissão de Direito da Criança e do Adolescente da OAB de Blumenau, destaca que esses dados revelam uma realidade que fere o princípio da proteção contra toda forma de violência e violação de direitos, inclusive no ambiente doméstico e nas relações afetivas.

— A Comissão da Criança e do Adolescente da OAB Blumenau observa com profunda preocupação esses números. Essas uniões precoces estão geralmente associadas a contextos de vulnerabilidade social, abandono escolar e violência de gênero, e configuram casos de violação de direitos, devendo ser enfrentados por meio de políticas públicas intersetoriais de educação, saúde, assistência social e sistema de justiça — explica a advogada.

Santa Catarina tem a maior taxa do país, com 58,3% da população vivendo em união de todo o país, que é de 7,1 pontos percentuais acima da média nacional (51,3%). Em 2022, o Vale do Itajaí tinha um total de 1.829.076 pessoas com mais de 10 anos, conforme revelaram os dados do IBGE. Destes moradores:

  • 58,9% (1.077.856) viviam em união
  • 41% (751.220) não viviam em união
  • 15,8% (288.961) não viviam, mas já viveram em união
  • 25,3% (462.258) nunca viveram em união

Continua depois da publicidade

Entenda o que a legislação diz

O código civil brasileiro, conforme consta no artigo 1.517, só permite casamentos e uniões conjugais a partir de 16 anos e com autorizações dos pais ou responsável, enquanto não atingida a maioridade civil. Além disso, a Lei nº 13.811/2019 também proíbe de forma absoluta o casamento de menores de 16 anos, mesmo com autorização, eliminando qualquer exceção antes prevista por gravidez ou para evitar imposição de pena criminal.

— Portanto, qualquer união envolvendo pessoa menor de 16 anos não tem validade jurídica, sendo considerada nula. Além disso, tal situação pode configurar violação de direitos fundamentais da criança e do adolescente, ensejando responsabilização civil e criminal dos responsáveis legais, com base no art. 70 e 232 do ECA, que tratam do dever de proteção e da punição por submeter menores a situações contrárias ao seu desenvolvimento integral — elabora Tatiana.

“Alertas sociais que demandam políticas de prevenção”

Portanto, juridicamente, todas as uniões envolvendo menores de 16 anos são ilegais, independentemente de serem classificadas como consensuais, civis ou religiosas. A presidente da Comissão de Direito da Criança e do Adolescente da OAB de Blumenau explica que, conforme o art. 1.517 do Código Civil, o casamento de menores de 16 anos é terminantemente proibido mesmo com cerimônia religiosa ou convivência “consensual”. Ou seja, isso não produz efeitos jurídicos e pode caracterizar abuso, exploração sexual ou violação de direitos, exigindo atuação imediata do Conselho Tutelar, do Ministério Público e dos órgãos de proteção.

— A Comissão reafirma que nenhuma união com menores de 16 anos tem amparo legal, devendo ser tratada como violação de direitos fundamentais. Esses dados estatísticos não representam legitimidade jurídica, mas sim alertas sociais que demandam políticas públicas de prevenção, educação sexual, empoderamento de meninas e fortalecimento da rede de proteção — conclui a advogada.

Continua depois da publicidade

Conforme explica a advogada, união conjugal é um termo “guarda-chuva” no campo jurídico. De forma genérica, ele abrange tanto o casamento (civil, religioso com efeitos civis ou ambos) quanto a união estável, desde que haja o reconhecimento da convivência pública, contínua e duradoura com intenção de constituição familiar. Já união consensual, que é uma expressão mais vista em levantamentos estatísticos e sociológicos, indica relacionamentos informais, sem registro civil ou religioso, mas em que há coabitação e reconhecimento social da convivência.

O IBGE destaca que não é sua função verificar a legalidade dessas relações, já que o Censo não solicita certidões ou documentos para comprovar as afirmações dos moradores que participam da pesquisa. Além disso, explica que os números das pesquisas se baseiam nas informações fornecidas pelos próprios moradores e não representam uma comprovação legal das uniões. O instituto explica que as respostas podem refletir percepções pessoais e incluir interpretações equivocadas ou até erros de preenchimento.

Confira outros dados da pesquisa

Os dados de 2022 revelaram que, em todo o Brasil, 34.202 crianças e adolescentes de 10 a 14 anos estavam em união. Desse grupo, mais de 77% (26.399) eram do sexo feminino, enquanto 23% (7.804) eram do sexo masculino. Do total, 86,6% (29.619) eram uma união consensual, 7% (2.386) eram um casamento civil e religioso, 4,9% (1.675) eram somente um casamento civil, e 1,5% (522) eram somente um casamento religioso.

Neste mesmo período, em toda Santa Catarina, havia um total de 927 crianças e adolescentes de 10 a 14 anos em uma união. Entre elas, 77% (715) estavam em uma união consensual, 10% (93) em um casamento civil, 8% (75) em um casamento civil e religioso, e 4,7% (44) somente em um casamento religioso.

Continua depois da publicidade

A pesquisa, também a nível nacional, mostrou que 700 jovens indígenas com idades entre 10 a 14 anos estavam em uma união consensual, enquanto 11 tinham um casamento somente religioso, sem ter registro civil. Não há registros desses dados em Santa Catarina.

No Brasil, os jovens indígenas com idades entre 15 a 19 anos, 92% (13.067) estavam em uma união consensual, 2% (283) estavam em um casamento civil e religioso, 3,7% (522) se casaram somente civilmente e 2% (281) estavam somente em um casamento religioso. Em Santa Catarina, 145 jovens destas mesmas idades estavam em uma união consensual — 20 deles não tinha instrução e o ensino fundamental estava incompleto —, enquanto quatro se casaram, tanto religiosa quanto civilmente, e nenhum deles tinha instrução e ensino fundamental completo.