O primeiro gole de bebida alcoólica foi aos 12 anos, os porres e as ressacas vieram em seguida, mas aos 18 anos a situação piorou. Antônio* diz que quando saiu da casa dos pais se sentiu “dono do próprio nariz” e a partir daí tudo desandou. O álcool virou rotina, se tornou diário e trouxe dívidas. Até os 33 anos, ele teve uma vida repleta de ausências e mentiras com a família, e em um sábado chegou ao limite. Ele conta que decidiu beber para morrer e ao despertar domingo chegou ao fundo do poço:
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– Eu acordei e falei “vou me suicidar”. Era minha única saída, eu não acreditava em Deus, não acreditava em nada, nem religião ou medicina. Para o bêbado nada funciona, só ele que entende. Daí Deus soprou, vai falar com fulano que eu sabia que estava no AA (Alcoólicos Anônimos). Depois disso eu lembro que eu não bebi, fui atrás do meu colega e fui no primeiro encontro – conta Antônio ao citar o dia, há 38 anos, em que decidiu mudar de vida.
Relatos como o de Antônio não são compartilhados apenas no grupo Benvindo, o primeiro do Sul do Brasil que comemora este mês 50 anos de fundação, mas também em outras quatro unidades do AA na cidade que neste fim de semana sedia o 37º Encontro Catarinense de AAs. A programação do evento começa no sábado com palestras no Colégio Sagrada Família e se estende até o domingo, com bate-papo e ações que vão destacar o trabalho da instituição no Estado. É a quarta vez que Blumenau recebe o encontro, organizado desde 1980. Nesta edição a presidente nacional do AA também estará no encontro.
– Ter companheiros nessa trajetória é muito importante, saber que há pessoas há 5, 10, 20 anos sem álcool é um incentivo para quem está começando. É preciso falar sobre o AA, contar histórias para que as pessoas se identifiquem e busquem por ajuda. A força e o trabalho em grupo também é importante para a recuperação, pois cria responsabilidade e gratidão, coisas que são esquecidas quando não se está sóbrio – cita o representante de serviços gerais (RSG) do AA Blumenau, José Carlos (o sobrenome é preservado pelos companheiros para resguardar a identidade).
Compartilhar vivência ajuda na recuperação
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No AA Benvindo, na Água Verde, os participantes encontram outros pares. Não há um número contabilizado de pessoas que já passaram pelos encontros, mas cada reunião de um dos cinco grupos costuma ter em média 15 pessoas. Uma delas, que há cinco anos incluiu na rotina as reuniões do AA, é Vitória*, 54 anos.
Foi também em um momento de lucidez, após seis anos de vício em álcool motivada pela morte do marido, em 2006, que ela decidiu procurar ajuda. Pesquisou na internet, foi atrás de informação até encontrar o AA. Antes de ingressar no grupo Benvindo, em abril de 2012, participou de algumas reuniões para entender como funcionava e finalmente reconhecer a doença, o alcoolismo.
– Passei pelo momento de abstinência e no começo é horrível. Hoje eu ainda tenho vontade, mas não tenho a compulsão que eu tinha. A gente pensa que não consegue, mas quem quer consegue sair do vício. É preciso entender que o alcoolismo é uma doença – incentiva Vitória ao ressaltar que mulheres também sofrem com o vício e não precisam se envergonhar ao pedir ajudar, como ela fez com o apoio das duas filhas.
Há cinco anos sóbria, ela conta que não pode deixar de participar das reuniões, pois foi ao lado de outros companheiros que ela ganhou a sobriedade. Vitória admite que se deixar de participar dos encontros certamente irá voltar ao vício e por isso escolhe evitar o primeiro gole – como está escrito na placa fixada na parede do AA na Água Verde.
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Vitória, Antônio e José Carlos contam que o apoio e a conversa com outras pessoas que passam pela mesma situação fazem a diferença na hora de optar pela sobriedade. O primeiro passo é admitir o problema e conquistar o apoio da família. Antônio conta que a mulher e os filhos tiveram papel importante na recuperação:
– No começo eu vinha escondido para as reuniões até minha mulher descobrir que eu estava no AA. Ela me apoiou completamente e abraçou a família de outros alcoólatras também. Aqui eu fui acolhido, quando ninguém me dava valor e é por isso que hoje eu acolho as pessoas e devolvo de graça o que eu ganhei sem pagar nada – conclui.
*Os nomes são fictícios e foram suprimidos da reportagem para garantir o anonimato dos participantes do AA.