O presidente Jair Bolsonaro (PL) fez uma reunião, nesta segunda-feira (18), com dezenas de embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada para repetir teorias da conspiração sobre urnas eletrônicas, desacreditar o sistema eleitoral e atacar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

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O chefe do Executivo concentrou suas críticas nos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.

Fachin é o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Barroso presidiu a Corte eleitoral e Moraes deve comandar o tribunal durante as eleições.

O mandatário acusou o grupo de querer trazer instabilidade ao país, por desconsiderar as sugestões das Forças Armadas para modificações no sistema, a menos de três meses da disputa.

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— Por que que um grupo de três pessoas apenas quer trazer instabilidade para o nosso país, não aceita nada das sugestões das Forças Armadas, que foram convidadas? — disse.

Em mais de um momento, Bolsonaro tentou desacreditar os ministros, relacionando especialmente Fachin e Barroso ao PT e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O petista lidera as pesquisas de intenção de voto, a menos de 80 dias do pleito. Bolsonaro está em segundo lugar, com 19 pontos de diferença, segundo o Datafolha.

Apenas o chefe do Executivo falou no encontro. Ele levou aos representantes diplomáticos críticas e ataques que já vem repetindo internamente desde o ano passado.

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No início do encontro, Bolsonaro disse que basearia a apresentação em um inquérito da PF (Polícia Federal) sobre o suposto ataque hacker ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) durante as eleições de 2018.

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Trata-se do mesmo inquérito divulgado pelo presidente em entrevista à rádio Jovem Pan, em 4 agosto de 2021, quando ele leu trechos da investigação da PF. Um outro inquérito foi aberto pelo STF para investigar o vazamento da apuração, com Bolsonaro e o deputado bolsonarista Filipe Barros (PL-PR) entre os alvos.

— Segundo o TSE, os hackers ficaram por oito meses dentro do computador do TSE, com código-fonte, senhas -muito à vontade dentro do TSE. E [a Polícia Federal] diz, ao longo do inquérito, que eles poderiam alterar nome de candidatos, tirar voto de um e mandar para o outro — disse Bolsonaro.

Na fala aos embaixadores, Bolsonaro adotou um tom manso em sua fala, como se buscasse dar um verniz de seriedade a mais um punhado de ilações sem provas ou indícios ao sistema eleitoral, no momento em que aparece distante do ex-presidente Lula nas pesquisas de intenção de voto. No Brasil, nunca houve registro de fraude nas urnas eletrônicas, em uso desde 1996.

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Bolsonaro também voltou a atacar os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, presidente do TSE, e Alexandre de Moraes, que assumirá o comando da corte Eleitoral em 16 de agosto:

— O senhor Barroso, também como o senhor Fachin, começaram a andar pelo mundo me criticando, como se eu estivesse preparando um golpe por ocasião das eleições. É o contrário o que está acontecendo.

O presidente ainda sugeriu que os ministros atuariam no TSE para barrar medidas de transparência. O objetivo, segundo Bolsonaro, seria eleger “o outro lado”.

— Eu ando o Brasil todo, sou bem recebido em qualquer lugar. Ando no meio do povo. O outro lado, não. Sequer come no restaurante do hotel, porque não tem aceitação. Pessoas que devem favores a eles não querem um sistema eleitoral transparente. Pregam o tempo todo que, após anunciar o resultado das eleições, os chefes de Estado dos senhores devem reconhecer o resultado das eleições — disse.

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Durante o discurso, Bolsonaro fez novas insinuações golpistas e disse que o Brasil só terá “paz” caso o TSE adote medidas para alterar o funcionamento das urnas eletrônicas. O presidente também se utilizou das Forças Armadas, que sugeriram mudanças no sistema eleitoral ao TSE, para se contrapor ao TSE.

— Nem um sistema informatizado pode dar garantia de 100% de segurança. As Forças Armadas, das quais sou comandante supremo: ninguém mais do que nos quer estabilidade em nosso país — afirmou.

As declarações de Bolsonaro, em ataque ao sistema eleitoral e a ministros do TSE e STF, foram transmitidas pela TV Brasil. Apesar de o encontro ter sido anunciado como uma reunião, nenhum embaixador ou ministro do governo teve oportunidade de discursar.

Estiveram presentes os ministros Augusto Heleno (GSI), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral), Ciro Nogueira (Casa Civil), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Célio Faria (Secretaria de Governo) e Wagner Rosário (CGU).

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Aos embaixadores Bolsonaro voltou a reproduzir teorias contadas sobre o funcionamento das urnas em 2018. Ele citou que muitas pessoas queriam votar no 17, mas as urnas indicavam voto no 13, número de seu adversário, Fernando Haddad (PT).

O TSE demonstrou que o problema apontado nos vídeos ocorreu por causa de um erro cometido pelos eleitores que gravaram as imagens, e não por causa da urna. Eles usaram o número de Bolsonaro para votar para governador, num estado em que o partido de Bolsonaro não tinha candidato, antes de votar para presidente.

As declarações de Bolsonaro sobre a não confiabilidade das urnas têm sido contestadas pelo TSE desde o ano passado.

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A corte já disse que o inquérito a que o presidente se refere não concluiu que houve fraude no sistema eleitoral em 2018 ou que poderia ter havido adulteração dos resultados, ao contrário do que disse o mandatário.

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De acordo com nota do tribunal de agosto do ano passado, “o próprio TSE encaminhou à Polícia Federal as informações necessárias à apuração dos fatos e prestou as informações disponíveis. A investigação corre de forma sigilosa e nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude”.

O texto disse ainda que o episódio da invasão do hacker, que ocorreu em 2018, “foi divulgado à época em veículos de comunicação diversos. Embora objeto de inquérito sigiloso, não se trata de informação nova”. 

O TSE disse que o acesso dos hackers “não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018”, porque o código fonte dos programas passa por sucessivas verificações e testes, identificando possíveis manipulações.

— Nada de anormal ocorreu — disse à época.

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Bolsonaro nunca apresentou provas ou indícios sobre as urnas, mas repete o discurso golpista como uma forma de esconder os problemas de seu governo, a alta reprovação e as recentes pesquisas.

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Por meio de uma profusão de mentiras, Bolsonaro vem fomentando a descrença nas urnas. No entanto, ao invés de ser barrado por aqueles ao seu redor, o mandatário tem contado com o respaldo de militares, membros do alto escalão do governo e seu partido em sua cruzada contra a Justiça Eleitoral.

As Forças Armadas têm repetido o discurso de Bolsonaro. Em ofício recente, solicitaram ao TSE todos os arquivos das eleições de 2014 e 2018, justamente os anos que fazem parte da retórica de fraude do presidente. Antes de ser eleito em 2018, Bolsonaro já dizia que só não ganharia se houvesse fraude.

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O discurso aparenta assim funcionar como um plano B para o caso de perder o pleito. Também funcionou como uma tentativa de pressionar o Congresso pela aprovação do voto impresso.

No ano passado, veio a mais forte ameaça golpista ligada ao tema. Em conversa com apoiadores, Bolsonaro disse que “a fraude está no TSE” e ainda atacou o então presidente da corte eleitoral e ministro do STF, Luís Roberto Barroso, a quem chamou de “idiota” e “imbecil”.

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— Não tenho medo de eleições, entrego a faixa para quem ganhar, no voto auditável e confiável. Dessa forma [atual], corremos o risco de não termos eleição no ano que vem — disse.

A fala ocorreu após uma sequência. No dia anterior, também ao falar com apoiadores, o mandatário fez outra ameaça semelhante: 

— Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições.

Pesquisa Datafolha mostrou que, em meio à ofensiva feita por Bolsonaro, o percentual de eleitores que confiam nas urnas eletrônicas passou de 82%, em março, para 73%, em maio.

*Reportagem de Cézar Feitoza, Marianna Holanda e Matheus Teixeira

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