Um projeto de lei para incluir a obrigatoriedade da comemoração do “Dia das Mães” e “Dia dos Pais” nas escolas municipais foi aprovado pela Câmara de Vereadores de Joinville, no Norte de Santa Catarina. A medida, que passou pela sessão de terça-feira (21) com votos favoráveis, ainda precisa ser sancionada pelo prefeito.
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Em contrapartida, especialistas apontam que obrigar uma data comemorativa não amplia, ou até mesmo fortalece, vínculos familiares com a escola.
Entenda a proposta
O Projeto de Lei Ordinária Nº 145/2025 foi proposto pelo vereador Brandel Júnior (PL). Conforme consta na justificativa, o projeto visa “reforçar a valorização da figura materna e paterna no ambiente escolar”.
Ainda, a justificativa diz que, além de garantir o cumprimento da legislação municipal, a medida assegura “previsibilidade, organização e efetividade às ações comemorativas, contribuindo para o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no ambiente educacional”.
Ao NSC Total, o vereador explicou qual motivo o incentivou a sugerir o projeto de lei.
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— Vários pais entraram em contato conosco, falando que na unidade onde o filho estuda não era comemorado o Dia dos Pais e nem o Dia das Mães, somente o Dia da Família. E que esse pai e essa mãe ficavam sem ter esse dia que para eles é tão importante comemorar — afirma.
O que dizem especialistas
Psicóloga escolar e doutora em Educação, Rosânia Campos afirma que o debate é antigo no Brasil. Para ela, a celebração de Dia dos Pais e Dia das Mães tem apelo comercial, o que vai “contra os princípios da educação, a qual tem por objetivo a vivência coletiva, o respeito as diferenças, combate ao consumo dentre outros.”
— Pensar que uma data irá fazer aproximação entre família e escola é uma ideia de quem não vive e não conhece o cotidiano escolar — afirma Rosânia, que também é professora do departamento de psicologia da Universidade da Região de Joinville (Univille).
A profissional relembra que as datas comemorativas já organizaram o currículo escolar no Brasil, principalmente na educação infantil. Porém, pesquisas já indicaram que, ao considerar o aprendizado e as próprias relações entre famílias e escolas, os resultados foram insignificantes.
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— O que garante a relação entre família e escola é o diálogo constante e a valorização social do professor e da professora, além da constante valorização da escola. Ou seja, não é uma data que fará a essa relação se tornar mais forte — garante.
Caroline Duarte de Souza, doutora e professora do departamento de psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ainda aponta que é preciso considerar outros fatores para determinar as datas mais favoráveis de serem comemoradas dentro de um ambiente escolar.
— Porque a gente tem outras configurações de famílias, desde as que são homoafetivas, ou seja, que são formadas por dois pais ou por duas mães, até muitas configurações de mãe solo. É uma exceção, mas existem também configurações de pai solo. E mesmo configurações em que a criança é criada pelos avós ou por outros parentes. Sem contar as situações em que crianças estão em situação de acolhimento. Então, trocar pelo Dia da Família é reconhecer e incluir todas as crianças, todas as configurações — afirma a especialista.
Rosânia Campos ainda salienta que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é grande o número de famílias que possuem apenas a mãe.
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— Negar as diferentes configurações familiares é um ato de discriminação tanto da criança quanto de suas famílias. Além disso, no Dia da Família a participação acaba oportunizando a vinda da escola da família estendida. Nesse sentido, eu já participei de Dia na Família na escola em que a avó foi junto com os pais e a criança, e a avó tinha sido aluna da escola. Ou seja, era um encontro de diferentes gerações com a escola. Isso sim fortalece vínculos — diz.
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Como nova lei pode afetar crianças
Caroline Duarte de Souza, que também atua como terapeuta familiar, afirma que os prejuízos da obrigatoriedade da celebrações dessas datas já são vistos em ambientes terapêuticos.
— Muitas vezes por insistência do ambiente escolar em criar e comemorar essas datas vem uma pergunta, uma indagação da criança de: “por que o meu pai não está aqui?”. Ou: “por que a minha mãe não está?”. A gente sabe que, em geral, as histórias por trás dessa ausência também têm situações de violência. E aí a gente tá retraumatizando crianças e adolescentes nessa situação — esclarece a profissional, que também atua como terapeuta de família.
Para Caroline, mesmo com um trabalho de ressignificação de traumas em sessões de terapia, o sofrimento psíquico é desnecessário para essas crianças.
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— A gente, como cultura, a gente não tá promovendo saúde mental das crianças e dos adolescentes que não estão contemplados nesse padrão normativo de família quando a gente coloca o Dia das Mães e Dia dos Pais — afirma.
A professora da Univille, Rosânia Campos, ainda afirma que não vê benefícios no projeto de lei aprovado em Joinville.
— Não entendo o porquê da proposição, até porque nossa cidade tem outras emergências, outras necessidades que precisam ser pensadas. Nossas escolas, como toda instituição tem muito a melhorar, mas fazem muito, fazem a diferença em muitas vidas. Atualmente, penso que a melhor campanha para aproximar família e escola é um processo educativo social para lembrar que escola é um ambiente coletivo, que irá existir conflitos, que as crianças precisam ser escutadas, mas também precisam ter frustrações, que professor, é a figura de referência, e precisa ser respeitado — diz.
Como as datas são celebradas na rede municipal
A Secretaria de Educação de Joinville informou que incentiva as unidades escolares da rede municipal de ensino a realizarem ações de fomento ao Dia das Mães e Dia dos Pais, mas elas não são obrigatórias. Inclusive, as duas datas comemorativas já estão incluídas no calendário oficial escolar de 2026.
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No entanto, a programação de atividades de cada escola ou Centro de Educação Infantil (CEI) é definida de forma individualizada por cada unidade.
Além disso, as escolas e CEIs da rede municipal também realizam o Dia da Família dentro do programa Viva a Escola, que incentiva o desenvolvimento de eventos direcionados às famílias durante o ano letivo. O objetivo, segundo a prefeitura, é promover a integração entre a comunidade e a unidade escolar, garantindo a sensação de pertencimento da população com as escolas e CEIs.
Lei estadual
Em janeiro deste ano, o governador Jorginho Mello sancionou o projeto que institui a obrigatoriedade do fomento pelo Estado de Santa Catarina à celebração e prestação de homenagens de Dia dos Pais e Dia das Mães.
O projeto se estende às escolas de ensino básico e fundamental da rede estadual de ensino.
“O incentivo e fomento se estendem ao reconhecimento dos valores das figuras dos pais e das mães dentro do contexto familiar e social, cumprindo ainda ao Estado, na qualidade de regulamentador das instituições de ensino, incentivar a interação familiar dentro do ambiente escolar, com atividades que incluam a participação do grupo familiar como um todo”, diz o texto.
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