Um ano e um mês após a chacina em que cinco pessoas foram mortas em Florianópolis e que chocou Canasvieiras, no Norte da Ilha de SC, os três acusados continuam presos, mas não foram a julgamento. Enquanto isso, a vizinhança precisa lidar com a saudade.
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Um dia antes do crime, a dona do apart-hotel onde tudo ocorreu e uma das vítimas, Katya Gaspar Lemos, juntou uma sacola com artesanatos decorativos que havia feito e presenteou a vizinha com quem mais convivia, Bibi Martins. Chocada, ela se desfez de quase todos utensílios após a chacina, guardando apenas um, cor de rosa, como recordação.
O cachorro de Bibi, Cacau, ainda espera pela visita rotineira de Katya aos finais de tarde, sobre um banco de concreto revestido com madeira, no limite do terreno da imobiliária, a 30 metros do local do crime. Ela passava pelo estabelecimento todos os dias para brincar com o animal de estimação.
Katya costumava sair de casa antes do cair da noite. Ela se dirigia a uma padaria próxima para comprar pão e pudim de leite condensado para o pai, Paulo Gaspar Lemos, outra vítima da chacina. Assim que pisava na calçada em frente ao apart-hotel, ela gritava para o cachorro: “cadê meu namorado?”. Cacau já sabia que era hora de receber carinho.
Bibi e o marido, Edmilson Morais, proprietários de uma imobiliária em Canasvieiras, eram amigos da família há anos e ainda lembram do momento em que receberam a notícia.
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– Nós ficamos fechados uma semana sem saber o que realmente tinha acontecido. Nos deixou assustados, não sabíamos se aquilo era um assalto ou outra coisa. Aqui é um lugar tão tranquilo, que realmente nos marcou – conta Edmilson.
O crime aconteceu em 5 de julho de 2018 e repercutiu pela brutalidade das mortes da proprietária do apart-hotel, o pai e dois irmãos dela, além do sócio. Em 21 de maio, a Justiça despachou sentença de pronúncia, com decisão em 1º grau para que os réus sejam julgados por júri popular. A defesa recorreu e o processo aguarda manifestação pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
O imóvel fechou à época, por pouco tempo. Herdado pela madrinha da única proprietária legal, o hotel foi arrendado meses após o massacre. Com outro nome na fachada, também mudou a cor das paredes externas: de vermelho para azul. Em novembro, o silêncio que pairava nas instalações começou a ser substituído pelo barulho de turistas.
Casal relembra o dia do crime
Era uma tarde cinza de inverno, segundo Bibi Martins e Edmilson Morais. Estava frio e a imobiliária do casal não foi aberta naquela tarde. Os dois também não estavam no bairro quando os suspeitos chegaram ao hotel. Uma hora depois, entraram em casa. Foi quando Cacau adoeceu.
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– Ele estava sentindo. Ficou doente, achávamos que ele iria morrer de tão mole que estava. Não ficava em pé – relembra Bibi Martins.
Naquele momento ninguém sabia, ainda, sobre o terror que a família era submetida dentro do apart-hotel. Até quase meia-noite, uma funcionária ficou amarrada dentro do estabelecimento. Nesse tempo, o empresário Paulo Gaspar Lemos, 78 anos, e os três filhos dele, Leandro Gaspar Lemos, 44, Paulo Gaspar Lemos Junior, 51, e Katya Gaspar Lemos, 50, além do sócio, Ricardo Lora, 39, foram torturados e mortos por asfixia.
A funcionária conseguiu se desvencilhar das amarras nos braços e pernas e fugir. Foi ela quem avisou a polícia. Quando as viaturas chegaram ao prédio, os suspeitos já haviam fugido. Antes de sair, entretanto, o grupo deixou um recado em uma das paredes, indicando que o delito se tratava de uma vingança: “Minha família foi justiçada. Enrolaram muita gente. Chegou a hora deles”. O número 171, artigo do Código Penal sobre estelionato, foi pichado em outra parede.
No mês seguinte, os suspeitos foram encontrados e presos. O primeiro foi capturado em 10 de agosto do ano passado em Santana do Livramento (RS), fronteira com o Uruguai. Ele foi identificado como Michelangelo Alves Lopes, 21 anos, natural de Florianópolis.
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No dia seguinte, ocorreu a prisão do segundo envolvido. Ivan Gregory Barbosa de Oliveira, 21, foi localizado em um apartamento do bairro Potecas, em São José, na Grande Florianópolis. Por último, foi preso Francisco José da Silva Neto, 22, comerciante e ex-funcionário de uma das vítimas, Leandro Gaspar Lemos, o Magal.
O último a ser preso é o suspeito que convidou os dois amigos para participarem do crime. Ele confessou à Polícia Civil sobre o plano, deu detalhes de como ocorreu a chacina e alegou ter cometido o delito por medo do ex-chefe, além de alegar que não aceitava ter sofrido um suposto calote financeiro.
Promotor acredita que julgamento deve ocorrer neste ano
Segundo o promotor de Justiça que cuida do caso, Andrey Cunha Amorim, o crime pode ser julgado ainda neste ano, já que foi cometido com requintes de crueldade, não só por vitimar uma família, mas pela forma como foi praticado.
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– Mataram as vítimas amarradas, asfixiadas com gasolina. Foi um caso de repercussão em Santa Catarina e os réus estão presos. Calculo que o caso será julgado neste ano – justifica Amorim.
A promotoria denunciou o trio por homicídio qualificado, por motivo torpe, entre outros delitos de roubo e furto. Segundo Amorim, se condenados pelos delitos citados, podem receber pena de 12 a 30 anos de reclusão para cada uma das vítimas.
Presos em momentos e lugares diferentes, os três acusados de planejar e executar a chacina de Canasvieiras respondem por crimes de homicídio triplamente qualificado, furto qualificado, roubo e fraude processual. Os três eram moradores do Norte da Ilha de SC quando o fato ocorreu.
Na época, o juiz da Vara do Tribunal do Júri que aceitou a denúncia do Ministério Público, Marcelo Volpato de Souza, transformou a prisão temporária de 30 dias para preventiva (sem prazo determinado) e tornou os três réus.
No despacho, o magistrado narrou que a materialidade dos “crimes dolosos contra a vida restou evidenciada pelas declarações de óbito, relatório de levantamento em local de homicídio, laudos periciais cadavéricos das vítimas, atestando que elas vieram a óbito em decorrência de asfixia, por energia de ordem físico-química” e menciona que os réus confirmaram participação no crime ao serem interrogados pelos policiais.
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Volpato justificou a manutenção das prisões pela “evidente periculosidade dos acusados e a brutalidade” com que agiram e acrescentou que “as vítimas foram separadas umas das outras, amarradas, torturadas e mortas por asfixia, o que torna a prisão necessária para assegurar a ordem pública, absolutamente amedrontada diante dos fatos criminosos narrados”.
CONTRAPONTO
O que dizem as defesas dos três réus:
Segundo o advogado de Francisco José da Silva Neto, Jackson José Schneider Seilonski, o recurso em sentido estrito busca a reforma da decisão de pronúncia. A defesa alega que o juiz fez um julgamento antecipado sobre os fatos, inclusive separando as condutas de cada acusado.
– Considerando que em última análise não é ele o destinatário final da prova e o julgador do processo, e sim os jurados, que são aqueles sorteados entre os membros da sociedade, não caberia ao juiz fazer qualquer manifestação sobre o mérito do processo, com a atribuição de culpa, a qual será analisada, se for o caso, no plenário do júri – disse o advogado.
O advogado Marcos Aurélio de Melo, que defende Michelangelo Alves Lopes, informou que tenta excluir o réu do júri popular, com base na tese inicial, de que ele não teria participado do crime:
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– (A tese) Segue a mesma linha, a da verdade. As únicas pessoas que apontam ele por envolvimento são o delegado (Polícia Civil) e o Ministério Público. Então, tentamos ver o afastamento das qualificadoras e mostrar que não há elementos que o incriminem.
A reportagem fez contato, mas não obteve retorno até ontem da defensora pública Fernanda Mambrini Rudolfo, que representa Ivan Gregory Barbosa de Oliveira.