Imerso em uma sociedade preconceituosa quanto as diferenças raciais, nascia um clube como forma de defesa contra a exclusão. Hoje, a tonalidade de pele já não é a principal motivação para a existência do clube joinvilense.

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O que embala os últimos anos, dos 50 vividos pela Sociedade Kênia Clube, além da paixão pelo samba, também corre pela veia. O objetivo agora é preservar e valorizar a cultura afro dentro da própria etnia.

Conta Ideraldo Luiz Marcos, o Neco, presidente da diretoria do clube por dois mandatos seguidos e atual conselheiro fiscal, que até a década de 1960 Joinville mantinha o hábito de consagrar os descendentes de imigrantes e ignorar a existência afrodescendente, o que acontecia também, infelizmente, em outras cidades do Sul do País.

Em Joinville, a população negra era quase insignificante, se comparado ao grande número de louros de olhos azuis que por aqui fixaram residência. O resultado foi a criação de sociedades próprias para as descendências. Os clubes de bailes e atividades desportivas eram uma tendência, até porque não havia muitos atrativos até meados do século 20.

– O negro não tinha lugar de diversão. Podiam até ir nas domingueiras das sociedades, mas não podiam dançar, só ficar sentado -, relata Ideraldo.

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Um dia antes das comemorações da independência do Brasil do ano de 1960, este gueto resolveu fundar um espaço próprio para lazer, onde tocasse o ritmo musical preferido e onde eles pudessem, enfim, dançar sem a preocupação de serem barrados.

Hélio Cardoso Veríssimo, José Francisco Ramos, Rubens Martins, Marcelino Rocha, Luis Paulo do Rosário, José Domingos Cardoso e Oziel Silva, levaram a ideia adiante e a batizaram com o nome do país que idealizavam para eles.

Paralelo ao clube, surgia também time de futebol, o Senegal.

– Essas pessoas queriam garantir qualidade de vida aos negros, inserindo-os em um contexto social -, explica o conselheiro que passou grande parte da juventude ali.

BERÇO DE FAMÍLIAS, LUTAS E VITÓRIAS

O clube também uniu a comunidade. Das festas dominicais, muitos casamentos saíram e famílias se formaram. Completando 50 anos, o clube atualmente cumpre uma função ainda mais complexa. Com o crescimento da cidade, há negros que não sabem da existência do Kênia.

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– Nosso desafio é mostrar para a juventude que, se hoje ela pode frequentar qualquer espaço, é porque alguém precisou lutar por este direito -, afirma Neco.

O “clube da resistência”, como a diretoria presidida por Everaldo José Pereira intitulou os que permanecem levando a comunidade em meio a muita dificuldade, foi palco de muitas festas que trouxeram nomes da música como Agnaldo Timoteo, Almir Guineto, Marquinho Diniz, Reinaldo e Toninho Geraes.

Mas nem só de glória viveu a Sociedade Kênia Clube. Nestas cinco décadas, o salão já fechou e reabriu por diversas vezes.

– É a única sociedade que não tem sócios -, diz Ideraldo ao relatar a dificuldade de arrecadar recursos.

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Por conta do caixa vazio, a diretoria precisou arrendar o salão na década de 90.

– Quando tomamos o clube de volta, não tinha mesas e cadeiras, e a água e luz estavam cortadas -, conta.

O resgate foi questão de honra para os poucos membros que ainda queriam levar a diante o clube. O Kênia não possui alvará para receber grandes eventos, portanto, promove pequenos encontros regados a samba e pagode, o que restringe a única fonte financeira.

A própria essência do clube mudou nos últimos anos. Como o preconceito já não é a motivação maior para a existência do Kênia, o objetivo é divulgar a cultura afro.

– Às vezes tem mais branco do que negro aqui. Não tem mais diferença -, brinca Zelândia Custório da Costa, a Fioca, que acompanhou o clube desde a fundação e hoje é a presidente de honra.

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O reconhecimento da importância do Kênia para a sociedade joinvilense se refletiu na aprovação pelo Simdec do projeto para a comemoração do cinquentenário. A diretoria recebeu R$ 7,5 mil para organizar três dias de festa.

– O Kênia está começando a engatinhar para ser referência no Estado, já que é o único clube afro em atividade -, comemora Neco.

PRECURSORA DO CARNAVAL DE JOINVILLE

O Sociedade Kênia Clube foi a primeira a formar uma escola de samba em Joinville. A Escola de Samba Amigos do Kênia brincou o Carnaval pela primeira vez em 1968, com apenas 20 participantes e hoje volta para a data festiva com mais de 400 integrantes.

Apesar de ficar alguns anos sem entrar na avenida, a escola, agora chamada de Príncipes do Samba, neste ano retornou aos desfiles depois de 19 anos sem colocar suas alas na avenida.

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A história do grupo carnavalesco começou quando Adelmo Braz, integrante do clube, juntou alguns jovens moradores e formou um bloco para o Carnaval de 1967. O bloco cresceu, passou a ser chamado de Escola de Samba do Clube Kênia e a competir com as escolas Unidos do Boa Vista e Acadêmicos do Serrinha, sendo campeã por 13 vezes.

Com o incentivo da construção de uma nova sede do clube, e com o apoio da Secretaria de Turismo de Joinville, formou-se uma comissão que resolveu batizar a escola com um nome que homenageasse o popular apelido da cidade.

O nome Príncipes do Samba ecoou na rua do Príncipe por mais quatro anos até que, a partir da década de 90, o Carnaval perdeu forças, período em que o clube também passou por crise.

Os integrantes mais antigos lembram que um dos desfiles mais marcantes foi justamente o primeiro. Em 1986, a escola fez uma homenagem a Joinville. Apesar de pequeno, na época Joinville tinha o terceiro maior Carnaval de Santa Catarina, perdendo apenas para Florianópolis e Laguna.

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A ideia é de que todos os anos o salão se transforme em galpão para os preparativos da escola. Com incentivo de editais, a Príncipes do Samba já se prepara para fevereiro do próximo ano.

O samba-enredo ainda é surpresa, mas a expectativa é de que a participação da escola seja ainda mais gloriosa. No dia 18, haverá um ritual de batismo, onde a Príncipes do Samba se tornará oficialmente uma afilhada da Portela, com a presença de Monarco e Marquinhos Diniz, principais representantes da escola de samba carioca.

A FESTA JÁ VAI COMEÇAR NESTE SÁBADO

O meio século será comemorado com três dias de festa. Sábado, 12 ex-presidentes e ex-diretores da sociedade serão homenageados. Para animar o encontro, haverá a apresentação do Grupo Fundo do Baú, conhecido na região pelo repertório de sambas que marcaram época e enredos de escolas de samba. O evento inicia às 20 horas, com entrada gratuita e aberta ao público.

No domingo, a sociedade promove o Encontro do Samba com o grupo Tempero da Cor e convidados: Sandro (Grupo Samba por Inteiro), Paulão (Imperadores do Samba), Marcelão (Bera Samba), Paulista (Fundo do Baú), Pepinho (Artifício), Rogério (Grupo por Acaso), Pia (Cor do Samba) e Richard (Novo Sonhar). O samba inicia às 14 horas. A entrada custa R$ 5.

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No dia em que completa 50 anos, na segunda-feira, o clube promove um baile com a Pop Band. O evento inicia às 23 horas. Os interessados podem reservar a mesa para quatro pessoas no valor de R$ 80, ou na hora com entrada individual por R$ 25.

SERVIÇO

O QUÊ: aniversário de 50 anos da Sociedade Kênia Clube.

QUANDO: Sábado, às 20 horas; domingo, às 14 horas; e segunda-feira, às 23 horas.

ONDE: na sede do clube, rua Botafogo, 255, Floresta, Joinville.

QUANTO: no sábado a entrada será gratuita. Para o domingo, ingressos a R$ 5. No baile de segunda, serão vendidos mesas a R$ 80 e ingressos individuais a R$ 25.