Entre prefeitas, senadoras, vereadoras, deputadas e suplentes, cerca de 1,2 mil mulheres foram eleitas nas eleições municipais de 2024 e nas gerais de 2022, em Santa Catarina, representando apenas 18,72% das mais de 6 mil candidaturas femininas nos dois pleitos, de acordo com dados divulgados pelo Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE/SC). Ou seja, a cada 10 mulheres que se candidatam para um cargo político, apenas duas chegam, de fato, a ocupar o cargo. 

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No Brasil, em busca de uma certa paridade entre os gêneros, foi criada, em 1996, a chamada Lei das Eleições, onde os partidos precisam ter, pelo menos, 30% de mulheres concorrendo nas eleições para a Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores.

Ao longo dos últimos anos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem intensificado ações para reforçar a lei. Por exemplo, foi decidido que a partir das eleições de 2018 os partidos teriam que destinar 30% do Fundo Eleitoral para financiar candidaturas femininas. Além disso, as legendas tinham que reservar o mesmo percentual do tempo de propaganda eleitoral para candidatos homens e mulheres.

Porém, apesar das tentativas, a representatividade feminina na política ainda avança em passos lentos. Segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE-SC), o Brasil ocupa a posição 135 de 184 países em relação ao número de mulheres que ocupam cargos do Legislativo, com uma porcentagem de 17,5% na Câmara de Deputados. O cenário é muito parecido em Santa Catarina, onde 577 são vereadoras, cinco deputadas federais, três deputadas estaduais e uma senadora — em comparação, 2.384 homens ocupam cargos no Legislativo, sendo 2.335 vereadores, 11 deputados federais, 37 deputados estaduais, e um senador. 

Presidente da Comissão Nacional de Combate à Violência Doméstica da OAB Nacional, Tammy Fortunato explica que as mulheres são a maioria do eleitorado brasileiro, com 52%. No entanto, na composição de partidos políticos, elas são minoria, com 46%.

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— Quem é que vai fazer leis para mulheres? Nós não estamos ali equiparadas, não existe uma paridade, não há uma visão feminina na discussão legislativa. Isso enfraquece a democracia — aponta.

Para ela, uma das maiores dificuldades enfrentadas para as mulheres ingressarem na carreira política é a barreira cultural, onde o espaço político ainda é visto como um ambiente masculino.

— Na verdade, nós já estamos conseguindo trabalhar para dizer que sim, o lugar de mulher também é na política. Precisamos da participação feminina para que a gente possa ter uma democracia equilibrada e forte — afirma.

SC teve salto no número de prefeitas em quatro anos 

No pleito municipal de 2024, 39 prefeitas foram eleitas, representando 13,22% do total dos ocupantes do cargo nas cidades catarinenses. Para título de comparação, em 2020, as mulheres eram apenas 8,53% do total.

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Em algumas cidades, pela primeira vez mulheres foram eleitas para o executivo municipal, como é o caso da prefeita Juliana Pavan (PSD), em Balneário Camboriú, no Litoral Norte do Estado. Ela conta que resolveu entrar para a política durante a pandemia, quando percebeu que só conseguiria mudar uma realidade se estivesse disposta “a encarar isso de frente”.

Os desafios começaram logo depois da decisão, quando foi a única mulher eleita vereadora na legislatura 2021/2024 na cidade. Naquele momento, ela entendeu que precisaria aprender a se “impor para ser ouvida e responsável”. 

Juliana é filha do ex-governador e prefeito de Camboriú Leonel Pavan (PSD), mas também viu na mãe como exemplo político dentro de casa. Maria Bernadete Pavan era servidora pública e atuou no Governo do Estado e no próprio município, na área de assistência social. Por isso, Pavan nunca viu a política como um espaço estritamente masculino, mas sabia que ser uma gestora mulher teria seus desafios.

— Primeiro, pela quebra dos paradigmas. Precisamos provar no dia a dia que sensibilidade também é sinônimo de força, que uma fala mais enérgica não significa descontrole. Estamos sempre sendo observadas e cobradas. Isso me torna muito mais exigente — explica.

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Além das dificuldades de ingressar na política por não serem motivadas a isso, as mulheres também possuem o desafio de serem reconhecidas e legitimadas dentro dos espaços políticos tendo, frequentemente, suas falas consideradas menos relevantes. É o que aponta a doutora em Ciências Humanas na área de Estudos de Gênero pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Fernanda Nascimento.

Os ataques verbais sofridos pela Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, recentemente, são um exemplo desse padrão enfrentado por mulheres no âmbito político. Ao participar de uma sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado, no dia 27 de maio, Marina enfrentou comentários considerados ofensivos e machistas de parlamentares, tendo o microfone cortado várias vezes e sendo impedida de falar.

Em determinado momento, o senador Marcos Rogério (PL-RO) diz para Marina respeitá-lo e pede para que ela “se ponha no teu lugar”. A fala gerou tumulto e, depois de mais ofensas de outros senadores, ela decidiu se retirar da sessão. A pesquisadora Fernanda afirma que as falas das mulheres, assim como os projetos e decisões, são mais questionadas em relação ao trabalho de homens na política, o que leva à ridicularização da mulher nesse espaço.

— Os desafios das mulheres na política não são diferentes dos desafios das mulheres na sociedade de uma maneira geral, mas eles possuem as especificidades desse local de atuação — aponta.

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Juliana Pavan conta que também já sofreu violência política no Legislativo, quando foi “silenciada pelo presidente da Casa em um debate”. A prefeita de Balneário Camboriú levou o caso à Justiça e afirma que nunca havia visto esse tipo de situação acontecendo com os vereadores homens que a acompanhavam na legislatura.

— Essas situações ainda acontecem com muita frequência em todo o país, por isso considero muito importantes as iniciativas, especialmente do Judiciário, para tornar a política um ambiente mais seguro e respeitoso para as mulheres. O grande problema com a violência política praticada contra mulheres é que ela inibe outras mulheres, que teriam vontade de ingressar na vida pública, de fazerem isso. Toda a sociedade sai perdendo — diz.

Violência política em números

De acordo com uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), mais de 60% das prefeitas e vices no Brasil afirmam que já sofreram algum tipo de violência de gênero, seja durante a campanha ou já no mandato. O levantamento foi feito entre os meses de agosto e outubro de 2024. 

Cerca de 49,1% delas dizem que foram vítimas de violência verbal, como insultos ou ameaças, enquanto 45,2% afirmam que já passaram por violência psicológica, sendo assédio moral ou algum tipo de pressão. Outras 5,6% já sofreram violência física.

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Conforme a Câmara de Deputados, a violência política de gênero é vista como atos que possuem como finalidade a exclusão das mulheres do espaço político ou o impedimento e restrição do acesso delas.

As mulheres podem sofrer esse tipo de violência quando concorrem, já eleitas e durante o mandato. São vários os subtipos de violência política de gênero, podendo ocorrer por meio virtual, com ataques nos perfis em redes sociais, divulgação de fake news e até deepfakes, com fotos, vídeos ou áudios manipulados com inteligência artificial.

Enquanto candidatas, elas são ameaçadas com palavras ou gestos, são interrompidas em ambientes políticos, desqualificadas pelo simples fato de serem mulheres, têm fotos íntimas ou dados pessoais divulgados, e ainda podem ser difamadas ou ter recursos de campanhas desviados das candidaturas femininas para as masculinas. Tudo isso pode ser considerado violência política, segundo a Câmara dos Deputados.

Já quando eleitas, elas podem não ser indicadas como titulares em comissões, nem líderes dos seus partidos ou relatoras de projetos importantes; também têm as falas interrompidas, são excluídas de debates, questionadas sobre sua aparência física ou sobre suas vidas privadas.

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Outras formas de violência política de gênero são menos explícitas, como a manipulação psicológica, que leva a mulher e todos ao redor a acharem que ela enlouqueceu; ou quando o homem insiste em explicar à mulher coisas simples, como se ela não fosse capaz de compreender.

— Temos como desafio o próprio entendimento de que as mulheres possam ser figuras relevantes para a sociedade, de uma maneira geral, e sejam capazes de debater. Os homens ainda são vistos como seres que podem pensar sobre todos os outros seres, enquanto as mulheres continuam não tendo essa opção — explica a pesquisadora Fernanda  Nascimento.

De acordo com a especialista, a violência política de gênero pode ter várias consequências para a vida da mulher em questão, desde o isolamento que leva a um esgotamento mental até a saída da vida pública.

— Muitas vezes você está isolada, está sozinha, dependendo do contexto que está. Então, é um desgaste enorme porque gera um esgotamento — reflete.

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Mesmo com desafios, mudanças para garantir representatividade já acontecem

Para Fernanda, a legislação atual tem avançado com relação às candidaturas femininas, principalmente quando se trata das cotas femininas. No entanto, alguns partidos ainda vêm utilizando candidaturas falsas ou fictícias para cumprir a lei. De acordo com o TRE, em 2023, foram julgados 61 recursos envolvendo a prática criminosa no Brasil, enquanto em 2024 foram mais de 20 recursos. 

Por isso, em 2024, o TRE editou a Súmula 73, que classifica como fraude à cota de gênero quando a candidatura tiver votação zerada ou inexpressiva; prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; e ausência de atos efetivos de campanha, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros. 

Como consequência, o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) da legenda e os diplomas das candidatas e dos candidatos, independentemente de prova de participação, ciência ou anuência deles, podem ser cassados. Além disso, aqueles que praticaram o crime podem se tornar inelegíveis e, ainda, terem os votos obtidos pelo partido anulados.

Por outro lado, apesar dos desafios, quem já está no meio conta que vê mudanças significativas no comportamento de meninas mais jovens, com interesse na área política. Juliana Pavan conta que, quando vai a uma escola, se vê rodeada de garotas que dizem que querem ser prefeitas quando crescerem. Ela também recebe, frequentemente, jovens no gabinete, movimento este que não via quando era mais nova.

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— Me traz um sentimento de que, mesmo que a participação das mulheres na política ainda esteja longe do ideal, a nossa presença é um exemplo e um estímulo para que essa realidade possa mudar muito em breve. Não se trata de disputar espaço com os homens, ou de tirar o espaço deles, mas de aumentar a representatividade feminina. Somos mais da metade da população, temos o direito e o dever de participar das grandes decisões — reflete.

Antonietas

Antonietas é um movimento da NSC que tem como objetivo dar visibilidade a força da mulher catarinense, independente da área de atuação, por meio de conteúdos multiplataforma, em todos os veículos do grupo. Saiba mais acessando o link.

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