É manhã de uma terça-feira em Florianópolis e os 12 internos da ala masculina do Centro de Atendimento Socioeducativo de Florianópolis (Case) descontraem numa pequena e improvisada antessala mal arejada. Estão todos ainda com o cabelo molhado, vestindo o uniforme azul e de chinelos. Alguns jogam pingue-pongue enquanto os professores se esforçam no jogo de cintura para lidar com o clima de descontração dos moleques. É mais um dia de aula atrás das grades.

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Às 9h, os alunos se dividem. Cada sala tem apenas de quatro a seis classes. Isso porque eles estão cursando o Ensino Médio da Educação para Jovens e Adultos (EJA) que pararam de estudar. Nessa modalidade, em dois anos eles concluem os estudos, durante o cumprimento da pena, e voltam para a rua com o diploma. A formatura desses garotos acontece na próxima sexta-feira, dia 14.

A realidade do Case da Capital é uma ilha dentro das 22 unidades socioeducativas mantidas pelo governo de Santa Catarina. Segundo a Secretaria de Educação, são aproximadamente 280 alunos atrás das grades estudando, sendo 220 no Fundamental, 50 Médio e 10 ainda na alfabetização, mesclando entre EJA e regular. O Estado tem 104 professores.

— Lá fora eles já tiveram poucas oportunidades, se chegaram aqui é por causa disso. E quando eles entram no mundo do crime, a primeira coisa que abandonam é a escola. Então quando chegam aqui, com 16, 17 anos, já estão quatro ou mais sem ter aula. A defasagem no conteúdo é muito grande —explica a pedagoga Rosa Gaio, a profissional que parece ser uma das mais queridas dos estudantes da unidade de Floripa.

Foi exatamente essa cartilha que seguiu o José*, de 18 anos. Quando cometeu um homicídio em Criciúma e foi apreendido, já estava há dois anos sem pisar numa sala de aula. Conheceu Floripa pela primeira vez algemado. Levado ao Case da Capital, voltou aos estudos em duas semanas. Ele conta que no começo achava que não ia conseguir entrar no ritmo de ter compromisso com os horários, mas que no final do curso estava tranquilo com o conteúdo. O jovem infrator trabalhava na loja de carros do tio antes de entrar para o crime. E é para lá que ele pretende voltar.

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— Já tenho serviço arrumado. Minha intenção é cuidar da minha família, da minha irmã pequena. Conseguir estabilizar minha vida e retomar os estudos. Faculdade eu não tenho em mente nada, mas a gente está fazendo cursos aqui. Eu acabei o de eletricista residencial e estou começando o de instalação de ar condicionado. Então já tenho alguma coisa.

O professor Ivan Antônio de Souza, gerente do Case da Capital, conta que quando as salas tinham mais de 10 alunos, não estava dando resultado. Mas, com turmas reduzidas é muito mais fácil do professor lidar. No entanto, Ivan defende linha dura com os internos.

— A escolarização é uma obrigatoriedade no cumprimento da medida. Ou faz ou faz. Em casa, se tu deixa teu filho solto, ele toma conta. Então aqui eles têm resultados positivos. Se tem que perder, a primeira coisa que eles perdem é o lazer e não a escolarização. Em outras unidades é o contrário — revela o professor Ivan.

Internados em aula em SC

Conforme o Departamento de Administração Socioeducativo de Santa Catarina (Dease), atualmente, 95% a 100% dos adolescentes estudam. Em alguns casos, os internos vão até a escola mais próxima. É a situação do próprio Case de Florianópolis. Lá as meninas apenadas estudam na Escola Simão Hess, que fica na Trindade. O objetivo de Rosa Gaio e Ivan Antônio de Souza é que elas também passem para a EJA.

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A explicação é que é muito difícil para o adolescente, depois de sair do Case, voltar a estudar no ensino regular. Ele ou ela não vão se sentar na mesma turma com colegas de 11 ou 12 anos. Na EJA, caso não completem o Ensino Médio antes de ganhar a liberdade, lá fora, ao retomar os estudos, eles encontrarão alunos da mesma idade ou mais.

No entanto, essa não é a estratégia da Secretaria de Educação. Conforme Beatriz Andrade, gerente da Gestão de Programas e Projetos Educacionais da pasta, o problema é o limitador legal da idade. O adolescente só pode participar do Fundamental com 15 anos completos e, do Médio, com 18. E no ensino básico não há essa exigência para uma eventual troca de modalidade.

— No caso específico do Case de Florianópolis, pelo empenho da Educação de Jovens e Adultos, eles têm conseguido vários resultados. Então por solicitação do gerente, deixamos que continuasse a EJA. Mas a tendência é que todos passem para educação básica para que não tenha problema na questão da idade — explica Beatriz.

Claro que o ambiente ainda não é o ideal. A estrutura da EJA no Case de Floripa é precária. Tudo é improvisado. O refeitório, por exemplo, está numa sala de aula e as salas não têm janelas, as paredes estão comidas pelo mofo. E são apenas duas salas para cinco turmas.

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"É minha única oportunidade"

Problemas que não impediram o Augusto* de concluir os estudos no Case de Floripa. O adolescente foi apreendido após tentar matar um homem a tiros em São Joaquim. Ele estava há três anos sem estudar, parou no 9º. Apesar de ter apenas 18 anos, já era pai e morava com a mãe da criança. Quando deixar o cárcere, pretende seguir na área de eletricista ou de conserto de ar condicionado, curso que completou junto com o José.

— Essa oportunidade é única. Agora eu tenho que aproveitar, porque não vem outra (oportunidade) de retomar meus estudos como essa. Já faz um ano e dois meses que estou privado da minha liberdade. É tempo que a gente perde de ficar perto da família, das pessoas que a gente ama. Eu espero que todo mundo aqui tenha cabeça pra sair dessa vida como eu.

*Os nomes são fictícios para preservar a identidade dos jovens.

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