O tarifaço anunciado por Donald Trump contra produtos brasileiros e as decisões judiciais que obrigaram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a usar tornozeleira eletrônica e enfrentar outras restrições, como não usar redes sociais, desencadearam uma nova turbulência na política e nas relações internacionais do Brasil.
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Nesta semana, a defesa do ex-presidente precisou explicar ao Supremo Tribunal Federal (STF) as razões de um suposto descumprimento das medidas cautelares ao fazer um discurso no Congresso. O gesto foi definido como “irregularidade isolada” pelo ministro Alexandre de Moraes em decisão tomada na quinta-feira (24) e a possibilidade de prisão preventiva foi negada, mas a medida pode ser adotada em caso de novo descumprimento.
Os capítulos mais recentes da crise também servem como prenúncio de impactos econômicos ainda imprevisíveis e antecipam definições sobre a corrida eleitoral de 2026. Em Santa Catarina, a situação de Bolsonaro é ponto central e desperta reações e movimentos de lideranças da direita que almejam o governo do Estado.
Antes mesmo dos novos episódios, a direita já enfrentava um cenário de provável divisão nas urnas em Santa Catarina para 2026. O atual governador Jorginho Mello (PL), nome natural para a disputa da reeleição, ganhou a concorrência de outro aliado de primeira hora de Jair Bolsonaro, o prefeito de Chapecó, João Rodrigues (PSD). Desde que foi reeleito na maior cidade do Oeste, Rodrigues vem se apresentando como pré-candidato ao governo no ano que vem, indicando um possível racha para o eleitorado bolsonarista.
No estado em que Bolsonaro recebeu 69% dos votos no segundo turno da eleição presidencial de 2022, o apoio do ex-presidente é determinante para quem busca se viabilizar. Em razão disso, a situação de Bolsonaro fez os pré-candidatos do campo bolsonarista se movimentarem.
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Jorginho Mello se manifestou ainda no dia da decisão que obrigou o ex-presidente a usar tornozeleira eletrônica. Publicou nas redes sociais uma foto ao lado de Bolsonaro e definiu as restrições contra ele como “uma violência”. Em nota, disse que o país precisava “baixar a fervura” e distensionar o ambiente político, mas classificou Bolsonaro como um “homem honesto” e que “não merecia estar passando por isso”. Nesta semana, em entrevistas, Jorginho elevou o tom das críticas à condução econômica do governo federal, comparando com bons indicadores de SC.
João Rodrigues também saiu em defesa de Bolsonaro. Em vídeos divulgados nas redes, chamou de “prisão” as restrições feitas pela Justiça ao ex-presidente e se mostrou solidário a ele, defendendo que “o Brasil volte à normalidade”. João Rodrigues disse em um discurso que “sentiu na pele” a mesma situação em 2018 — ano em que foi preso por um processo sobre dispensa de licitação da época em que foi prefeito de Pinhalzinho, no início da década de 2000. Em entrevistas, também tem associado o conflito e as medidas dos EUA contra o Brasil a ações do governo Lula.
Veja fotos de Bolsonaro
Restrições podem atingir estratégia de viagens de Bolsonaro
Mais do que as imediatas manifestações em defesa de Bolsonaro, a situação do ex-presidente também pode resultar em reflexos mais diretos no cenário eleitoral do Estado. Caso permaneça proibido de se ausentar do Distrito Federal pela decisão do STF, Bolsonaro não poderá percorrer os estados para alavancar as candidaturas de aliados aos governos.
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A situação poderia impactar a estratégia de Jorginho Mello, que seria o beneficiado com vindas do ex-presidente ao Estado. Bolsonaro já tinha visita agendada para o Estado no início de julho, para o evento Rota 22. O encontro, no entanto, foi cancelado por problemas de saúde do ex-presidente. Após a proibição de deixar o Distrito Federal, não há previsão para que o evento ocorra.
O Rota 22 era uma caravana prevista pelo PL para impulsionar pré-candidatos nos estados até o ano que vem. Em 2022, Bolsonaro encerrou a campanha do primeiro turno em Joinville, cidade que havia dado a maior votação proporcional a Bolsonaro quatro anos antes. Na ocaisão, o ato de campanha favoreceu o então candidato a governador Jorginho Mello e à época concorrente a senador Jorge Seif (PL).
No entorno do governador, a avaliação é de que ele deve continuar se manifestando a favor de Bolsonaro e contra as decisões como a que proibiu o contato dele com o filho Eduardo Bolsonaro. A leitura é de que a popularidade de Bolsonaro no Estado não deve haver ônus político por esses posicionamentos. Em paralelo a isso, o governo se preocupa em prever ações para mitigar eventuais efeitos do tarifaço como desemprego ou queda nas vendas a empresas de SC.
O prefeito e pré-candidato João Rodrigues sinaliza que pretende manter a defesa do ex-presidente independente da situação jurídica dele. Rodrigues reafirma considerar as restrições a Bolsonaro como exageradas e como uma evidência de uma perseguição. Também diz trabalhar para que o ex-presidente ainda possa participar da eleição ano que vem. João afirma que no momento a preocupação maior é sobre os reflexos desta crise na economia, e fala de forma sutil ao ser questionado sobre reflexos das sanções a Bolsonaro na disputa interna da direita contra Jorginho.
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— Não falo dos meus possíveis adversários, isso cabe ao eleitor julgar. O que posso dizer é que sempre estive ao lado da família e da direita. O eleitor vai saber comparar cada história — afirma.
O professor de Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Tiago Daher Padovezi Borges, avalia que o eleitorado catarinense se mostrou muito vinculado ao voto em Bolsonaro em eleições anteriores. Em razão disso, ele não acredita que os nomes da direita busquem qualquer tipo de distanciamento, mesmo com o ex-presidente sendo alvo de decisões adversas da Justiça.
— É bem possível que os candidatos não deixem de sustentar um discurso mais contra o STF do que contra a família do ex-presidente. É muito provável, até por um cálculo de manter a base e não ter tantos riscos, manter-se no discurso que tem aparecido, isentando os Bolsonaro, tanto o filho quanto o pai, colocando na conta principalmente do ministro Alexandre de Moraes — projeta.
Pauta da soberania é esperança para esquerda
Em paralelo aos reflexos na direita, no campo da esquerda a leitura é de que a crise após o tarifaço e as restrições contra Bolsonaro pode resultar em uma “saia justa” para a direita e em um cenário mais favorável à esquerda.
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O PT, partido do atual presidente Lula e que chegou pela primeira vez ao segundo turno na disputa para o governo de Santa Catarina em 2022 com o então candidato Décio Lima, define neste fim de semana o comando do partido no Estado, mas já tem novamente o nome de Décio Lima como pré-candidato a governador.
A avaliação é de que a situação de Bolsonaro pode permitir mais destaque ao partido com a defesa da soberania nacional, confrontando a relação entre o ex-presidente e os Estados Unidos e eventual influência dele nas sobretaxas e investigações dos EUA sobre o Brasil. Uma comunicação mais ativa nas redes sociais, a retomada de elementos como o patriotismo e os resultados econômicos do governo federal, com medidas como a isenção de Imposto de Renda até R$ 5 mil, são estratégias do partido para confrontar as candidaturas bolsonaristas.
Atual presidente nacional do Sebrae, Décio Lima acredita que o cenário de desconstrução da narrativa na direita pode permitir aos petistas repetir o desempenho inédito nas urnas da última eleição, com uma candidatura “com efetiva disputa, e não mais apenas para resistir”.
Veja produtos de SC mais exportados aos EUA
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Filhos de Bolsonaro também podem ter influência em SC
Os filhos de Jair Bolsonaro também podem ter influência no processo eleitoral em SC. Um exemplo é a situação de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), deputado federal que está nos Estados Unidos para articular medidas contra as decisões judiciais que miram o grupo de Bolsonaro. Eduardo não foi alvo de medidas cautelares do STF, mas teve as contas e o Pix bloqueados nesta semana.
Nas redes sociais, Eduardo disse que sua esposa também teve as contas suspensas. As medidas miram impedir a movimentação financeira do filho do ex-presidente nos EUA — uma transferência de R$ 2 milhões feita em maio por Jair Bolsonaro ao filho foi citada na decisão que obrigou ao uso da tornozeleira, na semana passada, e associada às medidas dos Estados Unidos contra o Brasil.
Nesta semana, a reportagem do jornal O Globo indicou que aliados do parlamentar estariam estudando uma possível nomeação de Eduardo como secretário estadual em governos de aliados de Bolsonaro, o que incluiria a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), em São Paulo, e também de Jorginho Mello, em SC. Assessores ligados a Jorginho, no entanto, afirmam que essa possibilidade nunca foi discutida.
Outra disputa quente das eleições de 2026 e que pode sofrer reflexos a depender da situação de Bolsonaro é a corrida por vagas no Senado, que no próximo ano terá duas cadeiras em disputa. Antes da decisão que o obrigou a usar tornozeleira, Jair Bolsonaro já havia dito em entrevistas que pretende lançar o filho Carlos Bolsonaro, atualmente vereador no Rio de Janeiro, como candidato a senador em SC.
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Inicialmente, o PL tinha como possíveis candidatas as deputadas federais Carol de Toni e Júlia Zanatta, mas com a entrada de Carlos Bolsonaro no jogo, uma delas pode ficar de fora, o que teria gerado um mal-estar a ser gerenciado no partido. Além disso, a decisão poderia estreitar ainda mais o espaço para uma possível aliança com o PSD de João Rodrigues, em que uma vaga ao Senado pudesse ser oferecida na negociação — embora o prefeito de Chapecó afirme descartar qualquer outra conjuntura que não seja a pré-candidatura a governador.
Jorginho não tem falado publicamente sobre a candidatura de Carlos ao Senado por SC, mas já teria sinalizado apoiar a candidatura se esta for a vontade de Bolsonaro. No início de junho, Jorginho e Bolsonaro conversaram sobre articulações para 2026, o que teria incluído a discussão sobre vagas ao Senado. Sem a possibilidade de vindas do ex-presidente ao Estado, as visitas de Jorginho à capital federal podem se tornar mais frequentes para que o ex-presidente continue com papel ativo nas definições sobre as candidaturas do PL em SC.
A tentativa de emplacar Carlos Bolsonaro como senador de SC seria mais um passo na entrada da família no Estado, após o filho mais novo do ex-presidente, Jair Renan, eleger-se vereador em Balneário Camboriú, em 2024. O filho “04” de Bolsonaro, aliás, também pode ser candidato a deputado federal no ano que vem.
O professor de Ciência Política da UFSC, Tiago Daher Padovezi Borges, afirma que a candidatura de Carlos Bolsonaro ao Senado em SC pode sacramentar o Estado como um “porto seguro” para o campo bolsonarista.
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— Não sei como o eleitorado vai se comportar, mas [se isso acontecer] SC vai ser uma espécie de Estado que eles pronunciam como um território de resistência da direita — avalia.
Impactos na economia envolvem setor de madeira em SC
Outra preocupação que deve aumentar a partir desta semana é sobre o reflexo econômico do tarifaço de Trump. Nesta semana, o presidente norte-americano afirmou que a sobretaxa de 50%, que até o momento teve como alvo apenas o Brasil, foi aplicada a países com os quais os Estados Unidos “não têm se dado bem”.
O tarifaço de 50% entra em vigor na próxima sexta-feira, mas já causa prejuízos ao Estado. Nesta semana, indústrias de móveis e de madeiras do Planalto Norte de SC, em cidades como São Bento do Sul, Rio Negrinho e Campo Alegre, suspenderam a produção depois que os importadores cancelaram as compras à espera de decisões sobre o início do tarifaço. No total, 62% das exportações deste mercado do Estado têm como destino os Estados Unidos.
— Aqui na região temos empresas que já estão paradas desde a semana passada, outras estão parando esta semana e outras vão parar na semana que vem — afirmou Arnaldo Huebl, vice-presidente da Fiesc para o Planalto Norte.
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O tamanho dos EUA na economia de SC
Outros setores ainda não reportaram esse tipo de dificuldade à Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), que monitora a situação, mas a expectativa é que mais dificuldades possam surgir na próxima semana. Empresas com forte presença nas exportações, como a WEG, definem estratégias para lidar com a sobretaxa norte-americana. Uma comissão de senadores, incluindo o catarinense Esperidião Amin (PP), viajará na próxima semana aos Estados Unidos para tentar avançar na negociação do tarifaço, que já vinha sendo feito pela área diplomática do governo Lula.
Santa Catarina é o principal mercado de exportações para SC, respondendo por 14% das vendas catarinenses para o exterior. Em 2024, o Estado comercializou 1,7 bilhão de dólares em mercadorias com os norte-americanos. No primeiro semestre deste ano, o número já chegou a R$ 847,2 milhões de dólares, segundo os dados do Observatório da Fiesc. Os três produtos mais comercializados foram obras de carpintaria para construções, que consistem em painéis de madeira usados na construção civil, incluindo painéis para revestimentos de pisos e base para telhados, com 118 milhões de dólares em vendas, seguido por motores elétricos (82 milhões de dólares) e partes de motor (72,3 milhões de dólares). Colaborou Estela Benetti.
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