“Nosso Moçamba é nosso Moçamba! Não tem igual em nenhum lugar no mundo”, comemora Norma Machado, de 63 anos, que trabalha há 10 anos vendendo água, cerveja e bolachas artesanais na Praia do Moçambique, em Florianópolis. A praia, que é a mais extensa da Ilha de Santa Catarina, com 12,5 quilômetros de extensão, do Canto das Aranhas até a Barra da Lagoa, recebeu o título de Reserva Nacional de Surfe (RNS) em 30 de agosto.
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Norma conhece o Moçambique como “a praia do surfe”, que se destaca pela natureza e também pela limpeza.
— É linda, linda. A praia mais limpa de Florianópolis — comenta.
A descrição da comerciante corresponde aos critérios que a praia deve cumprir para ser considerada uma reserva: ser um destino icônico do surfe e também ser referência em conservação ambiental.
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Título pode contribuir para conservação
Para o biólogo Márcio Mortari, que tem um projeto de eco monitoramento na região do Leste da Ilha, o título poderá ajudar a manter a praia como já é conhecida, contribuindo positivamente para a biodiversidade e para a saúde dos ecossistemas locais.
— A designação de reserva poderá atrair a atenção nacional e internacional, o que pode aumentar os esforços de preservação e de investimentos em infraestrutura para conservação dos ecossistemas. Com mais visibilidade e incentivo a uma cultura socioambiental, é esperado um aumento na proteção à biodiversidade e aos ecossistemas sensíveis que configuram a Praia do Moçambique — esclarece.
O projeto de eco monitoramento de Márcio existe desde 2021, e monitora fauna e flora de áreas protegidas, como a Praia do Moçambique, o Canto das Aranhas e a Nascente do Rio Vermelho, prevenindo a ocorrência de incêndios florestais, poluição e outros danos ambientais no norte da Ilha de Santa Catarina.
O surfista Douglas Schumacher, de 32 anos, que surfava no último domingo (8) perto de três baleias que estavam nadando no mar da Praia do Moçambique, concorda.
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— Sensacional [o título de reserva]. Outras praias, se tu vai comparar por exemplo, como a Praia do Rosa, vão se perdendo. Chega resort na beira da praia… Mas agora que virou reserva, a gente vê uma luz no fim do túnel — relata.
Douglas é morador da Lagoa da Conceição, e está sempre surfando nas praias da Ilha.
— Eu gosto muito da Praia Mole, do Campeche… mas a do Moçambique é mais natureza, dá para passar um dia mais leve — afirma.
Mesmo assim, para o surfista, a mudança será efetiva somente se as fiscalizações na praia permanecerem.
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Fiscalizações na praia
Quem faz a fiscalização da praia desde 2007 é o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA). De acordo com o instituto, elas foram reforçadas com a criação do Parque Estadual do Rio Vermelho, zona-núcleo de conservação da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) da qual a praia faz parte.
Ainda conforme o IMA, eles fiscalizam, com apoio da Polícia Ambiental, as unidades de conservação, desmatamentos, poluição e qualquer outra atividade que ponha em risco a natureza, o homem e seu habitat, com as praias inclusas.
— Com a criação da Reserva Nacional de Surfe, as ações de fiscalização permanecem com foco na legislação ambiental e conservação dos recursos naturais, integrando esforços na área da gestão da Praia do Moçambique — informa o instituto.
Conheça a praia do Moçambique
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Como o “Moçamba” virou reserva
Para Emerson Miranda, que é integrante da Associação de Surfe do Moçambique (ASM), criada em 2003, acreditar que a praia poderia se tornar reserva sempre foi uma meta.
— Estou muito feliz, obviamente! Foi o surfe que nos possibilitou isso tudo, e agora temos o dever de seguir honrando o que nos faz mais felizes do que as pessoas normais: as ondas — brinca.
Emerson é morador do bairro São João do Rio Vermelho, praticamente no Canto das Aranhas, que fica no canto esquerdo da praia do Moçambique. Ele foi um dos criadores da proposta de tornar a praia uma reserva do surfe.
Ele relembra que foi em 2012 que as reservas apareceram para o Brasil, por meio de uma reportagem da Revista Hardcore que contava sobre um programa na Austrália e do grande sucesso que vinha obtendo junto às comunidades locais de surfe, de pesca e de preservação.
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— Foi aí que a Associação de Surf do Moçambique entrou em contato com os gestores australianos e iniciaram as primeiras conversas. Um ano depois, a associação teve um retorno já com a indicação que o Professor Andrew Short estaria à nossa disposição, pois viria ao Brasil dar aulas no curso de Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — conta.
O professor, que pede que as pessoas o chamem de “Prof. Andy”, é um dos fundadores do Programa de Reservas Nacionais de Surfe da Austrália e do Programa de Reservas Mundiais de Surfe, de acordo com Emerson.
— Fizemos um primeiro encontro na Praia do Moçambique. A primeira impressão dele foi que tínhamos potencial sobrando para concorrer ao título. Participamos, então, de uma primeira empreitada, sem muitas pretensões, mais para sentir como seria o processo e os estágios a serem cumpridos. Obviamente não obtivemos sucesso, até porque concorríamos à Reserva Mundial na época, já que o Programa Brasileiro ainda não tinha nem sido pensado — compartilha.
Segunda tentativa
Em uma segunda vinda do professor à Ilha, a associação o apresentou a Mauro Figueiredo, um dos fundadores do Instituto Aprender, que seleciona praias de todo o Brasil para concorrer ao título. Em 2024, por exemplo, as praias do Francês, em Marechal Deodoro (AL), Itamambuca, em Ubatuba (SP), e Regência, em Linhares (ES) também foram selecionadas e viraram reserva.
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Foi aí que o professor Andy sugeriu a criação do que hoje em dia é o Programa Brasileiro de Reservas de Surf (PBRS). Mauro foi quem coordenou a elaboração do programa, e atualmente é membro da Diretoria do National Surfing Reserves, da Austrália.
Agora, seguindo os critérios do PBRS, a associação deve garantir a qualidade, consistência, ondulações, cultura e história no desenvolvimento do surfe, além manter as características socioecológicas do ecossistema surfe, engajamento comunitário e sustentabilidade, conforme Emerson.
— O surfe é uma tradição centenária, e deve ser mantida em um ambiente que ajude a melhorar a qualidade de vida de todos aqueles que a cercam e que dão suas vidas e almas para mantê-lo o mais preservado possível — afirma.
Ele conta, ainda, que a comunidade está super positiva e colaborativa, se colocando à disposição para ajudar naquilo que está ao alcance delas.
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— Até parece que as pessoas estavam esperando por essa virada sem ao menos saber o que estava acontecendo. Despendemos muito da energia positiva em todo processo também, e acredito que estamos sendo recompensados agora — conclui.
*Sob supervisão de Andréa da Luz
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