O cantor Pablo Vittar ganhará programa infantil com o apoio da Lei Rouanet. Jovem de Balneário Camboriú morre após misturar cerveja com limão. Pombas são moídas com cevada dentro de uma cervejaria brasileira. Para se reeleger em 2014, Dilma Rousseff e o PT naturalizaram 50 mil haitianos.

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O que essas manchetes têm em comum? As chances de você ter lido algo sobre elas nos últimos anos nas redes sociais é grande, assim como ter sido repassada por amigos próximos ou familiares. Mas todas são mentirosas. E estão mais presentes no dia a dia do que é possível desmentir. Podem destruir reputações ou eleger um candidato.

Levantamento coordenado por pesquisadores das universidades de Princeton, Exeter e Dartmouth, nos Estados Unidos, divulgado em janeiro, identificou que durante as eleições presidenciais de 2016, vencidas por Donald Trump, 27,4% dos 2,5 mil voluntários consumiram conteúdos de sites de notícias falsas. O estudo analisou o tráfego na web coletado com o consentimento dos participantes entre 4 de outubro e 7 de novembro daquele ano.

Os pesquisadores identificaram que apenas a metade dos que consumiram a notícia falsa tiveram algum contato depois com a versão publicada por um site de verificação de fatos – que aplica a metodologia que o jornalismo chama de fact-checking (verificação de fatos e discursos) ou debunking (desmitificação de boatos).

Os autores concluíram que apoiadores de Trump foram os que mais visitaram sites de notícias falsas que, na maioria, narravam histórias a favor do candidato, direcionadas pelas redes sociais. Curiosamente, o presidente americano passou a atacar a imprensa. Os jornais reagiram, conferindo as declarações do governante – muitas delas sem qualquer fundamento. E quando a notícia não lhe convinha, Trump atribuía a pecha de fake news. Assim, pós-verdade foi eleita a palavra do ano em 2016 pelo dicionário Oxford.

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O que a história americana tem a ver com Santa Catarina e o Brasil? Ela soa um alerta. No país onde há mais celulares do que habitantes e um dos mais ativos nas redes sociais – 120 milhões usam WhatsApp, haverá em outubro a eleição mais disputada e imprevisível desde a redemocratização.

É um campo imenso para candidatos espalharem declarações sem base estatística ou em fatos e grupos anônimos caluniarem adversários.

Ser exposto a notícias que apresentam erros de informação é nocivo, mas a conteúdos ou discursos que deliberadamente foram construídos para enganar a opinião pública é muito mais grave, acredita Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação.

Para o especialista, a bolha das redes sociais – o Facebook alterou o algoritmo para priorizar publicações de amigos e afinidades, dificultando o acesso a informações plurais – fortaleceu um campo cujo objetivo é disseminar desinformação, muitas vezes com viés político. E toda vez que se compartilha notícia falsa sem desconfiar, dispara-se um gatilho cujas consequências são difíceis de reverter.

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— Essas notícias se difundem por meio de pessoas que estão muito apaixonadas politicamente e compartilham porque aquilo faz parte da afirmação de sua posição política ou para contestar a posição adversária. Por isso, ela se dissemina muito rapidamente. Agora, o desmentido não tem essa força. Por isso me parece que os veículos deveriam refletir se não é obrigação deles usar os mecanismos de massa para conseguir um alcance mais ou menos equivalente ao das informações equivocadas — defende Ortellado.

Nova velha tarefa do jornalismo

Apesar de checar fatos ser fundamento essencial do jornalismo, foi com a profusão das notícias falsas nos últimos anos que iniciativas se fortaleceram nas redações para desmascarar rumores. Discursos de autoridades, políticos e personalidades também passaram a ser tema de detalhadas verificações. Com uso de bases de dados públicas, pedidos via Lei de Acesso à Informação ou colaboração de acadêmicos e comunidade, jornalistas começam a confrontar discursos com evidências. Aplicando etiquetas, como uma escala da verdade, os discursos são classificados em diferentes níveis entre verdadeiro e falso. A missão é qualificar o debate, incentivar a participação cidadã, promover a responsabilidade fiscal, a liberação de dados confiáveis e fortalecer a democracia.

— Ninguém ganha com o avanço da mentira. Hoje em dia, ela voa. Então, é preciso que tenha uma equipe dedicada a checar e oferecer informação correta. A informação é a unidade básica de decisão. Se você não tem uma boa informação, dificilmente tomará boas decisões — defende Cristina Tardáguila, diretora da Agência Lupa.

A empresa, criada em 2015, é a primeira especializada em fact-checking no Brasil. Como ela, iniciativas tem surgido na América Latina para servir de antídoto ao que a britânica Claire Wardle – fundadora da ONG First Draft News, que combate a desinformação por meio da pesquisa de campo e da educação – compara com a poluição das ruas. É preciso limpar o caminho.

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Colaborou Mayara Vieira

“Nosso fluxo de informações atualmente está poluído”, diz fundadora da First Draft News

Objetivo é contribuir com o discurso da verdade

Na vizinha Argentina, o conturbado momento político no final da gestão de Cristina Kirchner – jornais tradicionais sofreram censura por meio de medidas judiciais – inspirou um economista, um químico e um físico insatisfeitos com a mídia tradicional e a política pública a criarem o Chequeado em 2010, hoje referência em checagem de discursos e fatos na América Latina.

No ano passado, a imprensa francesa foi case mundial de um experimento inédito. Liderados pela First Draft News, o CrossCheck reuniu 35 veículos para registrar, verificar, classificar e publicar afirmações de candidatos durante a corrida presidencial, vencida por Emmanuel Macron. A despeito da concorrência entre as marcas, o serviço público venceu.

Ao longo de 10 semanas, o CrossCheck produziu 150 matérias sobre desinformação relacionadas à campanha eleitoral. Delas, 67 foram publicadas pelos veículos participantes, gerando audiência nos próprios sites e páginas em redes sociais.

Tal qual na corrida à Casa Branca, nos EUA, e ao Palácio do Eliseu, na França, a escolha dos representantes brasileiros será dura. Para o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Daniel Bramatti, as eleições serão bombardeadas por muita desinformação. O papel do jornalismo profissional será o de desconstruir essas narrativas, e o mais rápido possível, antes que o rumor se espalhe e provoque estragos:

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— Vamos ter que atuar na redução de danos. Uma das mais importantes tarefas do jornalismo é a desconstrução de mitos, com base em fatos. Qualquer iniciativa de resistência às milícias da desinformação merece aplausos.

A mais alta corte eleitoral também percebeu a necessidade de unir forças. Segundo o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luiz Fux, Ministério Público e Polícia Federal integrarão um Conselho Consultivo para combater as notícias falsas, com estudos de inteligência para se antecipar à disseminação de conteúdo indevido. No entanto, Fux reafirmou que a imprensa será a principal aliada para aferir a veracidade do que está sendo noticiado.

No Congresso, uma comissão vai analisar oito projetos em tramitação para combater fake news.

Informação passada a limpo

O que é checagem

É o processo de verificar informações divulgadas por meio de discursos, documentos, relatórios ou imagens. Segundo Claire Wardle, da ONG First Draft News, divide-se em três categorias:

  1. Fact-checking: verifica declarações de pessoas públicas oficiais ou que foram ao ar ou publicadas por veículos; consulta bancos de dados e especialistas; publica conclusão com uma classificação de veracidade.
  2. Debunking: desmente notícias falsas (fake news) e virais enganosos
  3. Verification: checa se testemunhos, imagens ou mídias publicadas por fontes alternativas ou que circula pelas redes sociais são verdadeiras.

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Como é feita

  • O fact-checking, por exemplo, toma como base uma declaração publicada ou oficial. Geralmente a fonte é informada que será alvo de checagem.
  • As informações são confrontadas com dados públicos, estudos científicos, documentos oficiais.
  • Após a verificação, a declaração recebe uma classificação (que vai de verdadeiro a falso). A fonte é ouvida para contraponto e a constatação é publicada com links para que o leitor possa conferir a checagem.

A prática pelo mundo

A checagem de declarações e boatos se tornou mais forte nos anos 2000. Em 2002, embora informal, o site brasileiro E-Farsas foi pioneiro em desmascarar boatos da internet. Um dos primeiros era sobre a morte de um jovem de Balneário Camboriú após ingerir cerveja com limão.

2003

O fact-checking, com os métodos adotados hoje, foi praticado pela primeira vez pelo site Factcheck.org, nos Estados Unidos, do Annenberg Public Policy Center da Universidade de Pensilvânia. O site é considerado pioneiro em checagem no meio digital. Nos anos seguintes, veículos como The Washington Post e New York Times também adotaram a prática.

2009

O site Politifact, de Saint Petesburg, Flórida, ganha o Prêmio Pulitzer, o Oscar do jornalismo americano, pela cobertura das eleições de 2008, na qual examinou mais de 750 declarações de políticos “separando a retórica da verdade para iluminar os eleitores“, como descreveram os jurados.

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2010

Um químico, um físico e um economista se juntam para criar o Chequeado, primeira plataforma de checagem da América do Sul.

2015

É lançada no Brasil a Agência Lupa, a primeira focada em checagem sistemática de fatos, imagens e boatos.

2016

A Rede Internacional de Fact-Checking (IFCN) lança um código de princípios que garante um selo internacional de condutas como transparência de métodos, recursos e financiamentos e compromisso com honestidade e correção sejam adotadas pelos veículos auditados.

2017

Mutirão é coordenado pela ONG First Draft News para verificar declarações de candidatos na França. Participaram 35 veículos nacionais e regionais, que publicaram checagens em sites e na plataforma crosscheck.firstdraftnews.org/france-fr. Há negociações para aplica ro projeto no Brasil.

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Conforme levantamento do Duke Reporters’ LAB há 149 agências dedicadas à checagem no mundo, 47 somente nos EUA e apenas 17 na América Latina.

No Brasil, oito iniciativas focam a prática em veículos da grande mídia e alternativos.

Entretanto, apenas três – Agência Lupa, Aos Fatos, e Truco – são certificadas pela IFCN, entre 50 em todo o mundo, por atenderem premissas básicas.

Critério básicos da certificação, conforme o IFCN

Compromisso com apartidarismo e justiça

Afirmações serão checadas usando o mesmo padrão para cada fato verificado, sem pender para nenhum lado, sem defender ou apoiar ideologias políticas.

Compromisso com a transparência de fontes

Estímulo ao leitor ser capaz de verificar por si mesmos as conclusões tomadas pelo checador, fornecendo informações sobre todas as fontes detalhadas para que os leitores possam

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replicar o trabalho.

Compromisso com a transparência da organização e no financiamento do serviço

Ser transparente sobre as fontes de financiamento do veículo. Se aceitar patrocínio de outras organizações, garantir que os financiadores não tenham influência sobre as conclusões das reportagens. Detalhar os antecedentes profissionais das figuras-chave da organização e explicar a estrutura organizacional e status legal. Indicar claramente como os leitores podem se comunicar com a redação.

Compromisso com a transparência da metodologia

Explicar o método que usamos para selecionar, pesquisar, escrever, editar, publicar e corrigir as checagens. Encorajar leitores a enviar sugestões de temas e ser transparente sobre como a escolha dos assuntos é feita.

Compromisso com correções abertas e honestas

Publicar e seguir rigorosamente a política de correções. Corrigir erros de forma clara e transparente para que os leitores vejam a versão corrigida.

Fontes: Poynter Institute; Duke Reporters’ LAB; IFCN; First Draft News; Manual da Credibilidade

“Nosso fluxo de informações atualmente está poluído”, diz fundadora da First Draft News

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