A construção de um loteamento na Praia Grande, em Governador Celso Ramos, gera um impasse judicial e ambiental em Santa Catarina. Enquanto o Instituto Estadual do Meio Ambiente (IMA) autorizou o licenciamento com base em estudos da empresa MPB Engenharia — uma das sócias do empreendimento —, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e o Ibama apontam falhas nos documentos apresentados.
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O empreendimento, chamado Loteamento Praia Grande 1 e 2, prevê a abertura de 317 lotes em uma área de restinga — vegetação típica do litoral, que funciona como barreira natural contra erosão e abriga espécies ameaçadas — equivalente a mais de 20 campos de futebol. O terreno está localizado a poucos metros do mar da Praia Grande, uma das mais conhecidas de Governador Celso Ramos e que detém, há mais tempo, o selo Bandeira Azul em Santa Catarina, que reconhece qualidade ambiental.
Entenda o histórico do empreendimento
A história se arrasta há anos. Em 2020, a empresa Litoral Terraza Urbanismo apresentou ao IMA o estudo ambiental feito pela MPB Engenharia, que é uma das sócias do loteamento. As autorizações vieram em 2023, mas a obra ainda não havia começado.
Em 2024, um laudo técnico do MPSC pediu a revisão urgente do licenciamento. O documento afirma que o estudo ambiental subdimensionou a presença de água no terreno e minimizou a extensão da vegetação de restinga. Também apontou que na vegetação retirada há espécies ameaçadas.
Segundo o MPSC, o estudo da empresa dá a entender que a área é de ambiente “degradado e apto à ocupação”, o que, de acordo com os técnicos, não é verdade.
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“O presente caso é um dos mais graves que aportaram a este Centro de Apoio Operacional para análise técnica nos últimos anos, principalmente se considerado o fato de que envolve empreendimento licenciado. A quantidade de equívocos, omissões, negligências e inconformidades é abundante e acabaram por dar a uma área muito protegida à luz da lei uma veste de ambiente degradado e 
apto à ocupação, o que é uma grande inverdade sob o ponto de vista técnico”, diz o Ministério Público no documento.
Em março de 2025, a obra foi embargada pelo Ibama, alegando que a autorização de corte da vegetação teria sido baseada em dados manipulados. Segundo o órgão, o estágio de regeneração da restinga foi alterado para aumentar as áreas de corte e diminuir as áreas preservadas.
— Há uma certa inconsistência entre aquilo que foi apresentado e aprovado, e aquilo que foi identificado in loco. A vegetação foi classificada de uma forma nos estudos e a equipe classificou de outra forma. Pelas informações em campo, é bem visível a importância ecológica daquela vegetação que existe hoje lá — diz Paulo Maues, superintendente do Ibama/SC.
O Ibama também sugeriu que o IMA faça uma revisão dos estudos apresentados pelo loteamento. A empresa recorreu das decisões que embargavam a obra e conseguiu duas liminares: da Justiça de Santa Catarina, no fim do ano passado; e da Justiça Federal, em abril. Essas decisões não discutem as questões levantadas pelo MPSC e pelo Ibama, mas validam as autorizações dadas pelo IMA.
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— O que preocupa é que [com] a continuidade ali da obra você descaracteriza toda aquela vegetação para que pudesse ser feita uma perícia, alguma coisa no local — diz o representante do Ibama/SC.
Veja imagens do local
Obras avançam sobre a mata
A destruição da vegetação está em andamento na Praia Grande. Moradores relatam o avanço rápido da obra, logo após a liminar de abril.
— Já colocaram seguranças colocaram tapumes, motosserras, muito barulho. Máquinas roçando, cavando… foi um movimento desesperador — diz a moradora Gabriely Melnick De Jesus.
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Além do impacto ambiental, há receios sobre a infraestrutura local, já sobrecarregada, principalmente durante o verão. Em temporadas passadas, o aumento populacional fez com que bairros de Governador Celso Ramos registrassem falta de água e esgoto irregular, que comprometeu a balnebailidade em Palmas, por exemplo.
— A gente não tem água suficiente pro município hoje, para 17 mil pessoas. A gente não tem esgoto — diz a moradora Maria Aparecida Santos de Morais.
Para o especialista em Botânica e presidente do Conselho Regional de Biologia de Santa Catarina, João de Deus Medeiros, há risco de a obra consumar danos irreversíveis à Mata Atlântica antes que as questões técnicas sejam julgadas:
— A Lei da Mata Atlântica para espaços urbanos tem uma certa flexibilidade. Nós temos ainda o registro da presença de espécies ameaçadas de extinção, o que leva a uma outra restrição na lei, que tem um artigo que veda a autorização de corte de remanescentes que abrigam espécies ameaçadas de extinção Nós estamos falando de Mata Atlântica, aqui é o bioma mais ameaçado aqui do Brasil que praticamente 90% da sua área original já foi convertida.
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Vínculos locais
A empresa responsável pela construção do loteamento é a Terraza Urbanismo SPE Ltda. Um dos sócios é também o sócio-administrador da MPB Engenharia, empresa que fez os estudos técnicos apresentados ao IMA. A MPB foi a contratada em 2020 pela Prefeitura de Governador Celso Ramos para realizar a consultoria técnica na revisão do Plano Diretor da cidade.
Outra parte dos sócios da Terraza Urbanismo são na maioria integrantes da família Aristo da Silva. No início do processo, Augusto Aristo da Silva era vice-prefeito da cidade. Recentemente, em meio à polêmica sobre a obra, o filho dele, Augusto Aristo da Silva Júnior foi nomeado diretor geral da Fundação Municipal do Meio Ambiente de Governador Celso Ramos, a FamGov.
Em nota, a Terraza Urbanismo informou que a MPB Engenharia tem participação “estritamente patrimonial, sem interferência na condução do projeto ou nas decisões técnicas”. Já a prefeitura de Governador Celso Ramos informou que os procedimentos adotados nos loteamentos estão “em conformidade com toda a legislação vigente e respaldados pela devida documentação técnica e jurídica”.
Contrapontos
O IMA se pronunciou através da Procuradoria Geral do Estado (PGE). Márcio Vicari, procurador geral, disse que o instituto poderá analisar novamente as liberações, levando em conta os apontamentos do Ibama e do MPSC, mas não estipulou prazos.
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— Se efetivamente o IMA foi induzido em erro, esse conserto pode ser feito, porque a qualquer tempo a administração pode rever os seus atos que tenham sido emitidos em erro. Isso vai ser feito num procedimento próprio administrativo ou no procedimento judicial. Mas o que dois órgãos diferentes do poder judiciário, um estadual e outro federal, disseram, nesse momento, é que tudo parece adequado — diz Márcio Vicari.
A Terraza Urbanismo afirma que o projeto cumpre todas as exigências legais e possui licenças válidas. Juliana Sarti Riscoe, diretora de Meio Ambiente da MPB Engenharia, responsável pelo estudo, diz que o IMA realizou vistorias e solicitou laudos complementares antes de aprovar o licenciamento.
— Até agora, todas as decisões foram favoráveis ao empreendimento justamente porque o rigor técnico na fase de estudos na fase de concepção foi muito grande. Toda etapa de supressão de vegetação que aconteceu e as próximas etapas do cronograma de obras estão respaldadas nas licenças vigentes. A rigor o empreendimento, hoje, conta com todas as licenças que dão base e subsídio pra essas atividades — diz Juliana Sarti Riscoe.
A empresa também lista contrapartidas, como a criação de áreas verdes, uma estação de tratamento de esgoto e um deck público sobre a vegetação.
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— A energia elétrica vai ser utilizada da Celesc, mas o sistema de abastecimento de água é praticamente autônomo e o sistema de esgotamento sanitário, além dele ser autônomo, vai contribuir com o tratamento de outras áreas — diz a diretora de Meio Ambiente da MPB Engenharia.
Veja a nota da Terraza
“Participação da MPB e Plano Diretor:
Diferente do afirmado, a empresa MPB Engenharia não possui participação na Litoral Terraza SPE; a participação é restrita a sócios de diferentes empresas e em caráter estritamente patrimonial, sem interferência na condução do projeto ou nas decisões técnicas.
A contratação da MPB pela Prefeitura de Governador Celso Ramos para assessoria técnica na revisão do Plano Diretor decorre de um TAC firmado com o Ministério Público.
A MPB não define o conteúdo do Plano nem o potencial construtivo das áreas. Sua função é técnica e consultiva, prestando apoio metodológico ao Comitê Gestor – composto por representantes da sociedade civil, da prefeitura e da população local – que é o responsável pelas decisões.
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O Plano é elaborado com base em um processo participativo, com oficinas, seminários, contribuições públicas e audiências. Após essa etapa, a minuta é enviada à Prefeitura, que pode fazer alterações antes de encaminhá-la à Câmara de Vereadores, que também pode propor mudanças para aprovação final. Importante destacar que o zoneamento da área do empreendimento já permitia uso urbano residencial no Plano de 2018, anterior à revisão feita com apoio da MPB.
Sobre a propriedade do terreno e vínculos locais:
O terreno pertence a uma tradicional família da região, composta por nove irmãos e seus descendentes, alguns com histórico de atuação pública, como é comum em cidades de pequeno porte. É fato que um dos familiares ocupa atualmente cargo na Fundação Municipal do Meio Ambiente, mas é fundamental esclarecer que não possui competência técnica ou legal para licenciar empreendimentos desse porte – essa função é exercida pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), órgão estadual, que conduziu todo o processo técnico de licenciamento.
Consulta ao Município em 2019:
Em 2019, a empresa protocolou uma consulta formal junto à Prefeitura de Governador Celso Ramos para verificar exclusivamente a viabilidade urbanística do loteamento em conformidade com o Plano Diretor vigente à época. A resposta foi positiva, confirmando a possibilidade de implantação do empreendimento naquela área sob o aspecto urbanístico. Esse procedimento, à época, era uma exigência do próprio Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) como etapa preparatória para o licenciamento ambiental. Atualmente, inclusive, essa exigência foi descontinuada pelo IMA e não faz mais parte dos requisitos. Naquela ocasião, não foi protocolado qualquer estudo ambiental, pois a competência para análise e licenciamento ambiental é exclusiva do IMA – não existe dupla instância de licenciamento ambiental no Brasil. Embora a Fundação Municipal do Meio Ambiente (Famgov) tenha emitido um parecer indicando restrições ambientais, o órgão não tem competência legal para licenciar empreendimentos desse porte. Portanto, trata-se de um parecer sem validade no processo, já que a consulta referia-se apenas ao enquadramento urbanístico. Vale destacar ainda que todo o projeto do loteamento foi aprovado com base no Plano Diretor anterior à revisão conduzida com apoio técnico da MPB, o que reforça que nenhuma alteração posterior ao plano de 2018 influenciou ou viabilizou o empreendimento.
Licenciamento ambiental:
O licenciamento do Loteamento Praia Grande é fruto de um processo técnico e legal que já dura cinco anos. Desde sua abertura formal em dezembro de 2020, o processo foi analisado por equipes multidisciplinares, com base em legislações estaduais e federais, e submetido à auditoria interna do órgão licenciador. Foram elaborados e revisados diversos estudos técnicos, como Estudo Ambiental Simplificado (EAS), inventários florísticos e florestais, estudos geológicos e hidrogeológicos, entre outros. Como resultado desse rigor, foram emitidas pelo IMA a Licença Ambiental Prévia (LAP n° 7513/2021), a Licença de Instalação (LAI n° 6069/2022) e a Autorização de Corte de Vegetação (n° 442/2023). O empreendimento também obteve o alvará de construção emitido pela Prefeitura, cumprindo todos os trâmites legais exigidos.
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Laudo Técnico do IBAMA e embargo:
O Laudo do IBAMA e o consequente embargo foram judicialmente contestados e tiveram seus efeitos suspensos por decisões judiciais proferidas em duas instâncias (justiça estadual e federal). Essas decisões reafirmaram a legalidade do licenciamento ambiental e autorizaram a continuidade da obra.
Contrapartidas ambientais e estruturais:
Aproximadamente 30% da área do empreendimento se distribuí em área verde de lazer, áreas institucionais, área de uso público e APP. O empreendimento prevê uma série de contrapartidas importantes, que beneficiarão diretamente a população local e o município, incluindo:
- Uma nova praça pública, valorizando o espaço urbano e o convívio social;
- Uma ETE – estação de tratamento de esgoto, com capacidade inclusive para atender ao loteamento vizinho, que não possui rede coletora nem estação própria;
- Mais de 140 vagas de estacionamento público centrais na nova avenida de acesso à praia, além de 27 vagas públicas na área frontal do loteamento;
- Uma avenida de mão dupla até a praia, com faixa ampliada de 12 para 19 metros na Rua Garapuvu, promovendo melhorias na mobilidade e segurança viária;
- Um deck suspenso sobre a vegetação, de uso público, garantindo acesso qualificado e ambientalmente seguro à praia;
- Investimentos estimados em R$ 4 milhões no sistema de abastecimento de água, conforme previsto em legislação municipal aprovada no ano passado, fortalecendo a infraestrutura hídrica da região;
- Melhorias no trecho viário entre Palmas e Armação, incluindo sinalização, pavimentação e adequações urbanas.
Impacto econômico e social positivo para Governador Celso Ramos:
O Loteamento Praia Grande contará com cerca de 300 lotes, e sua implantação contribuirá de forma significativa para a economia local, com geração de empregos diretos e indiretos, aquecimento do setor da construção civil e valorização do turismo, que são pilares econômicos do município. Além disso, o projeto aumentará a arrecadação municipal e colaborará com melhorias estruturais, especialmente na infraestrutura viária e na ampliação da rede de saneamento básico na região. Se o cronograma for mantido e as etapas seguirem conforme previsto, a previsão é de que o loteamento seja entregue em até dois anos, com os mais altos padrões de qualidade urbanística e ambiental.
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A Terraza Urbanismo reitera seu compromisso com o desenvolvimento responsável, a legalidade e a transparência. A empresa permanece à disposição para prestar todos os esclarecimentos necessários, com base em dados técnicos e em respeito à legislação vigente”.
Veja a nota da prefeitura de Governador Celso Ramos
“A Prefeitura Municipal de Governador Celso Ramos entende que os procedimentos adotados nos Loteamentos Praia Grande 1 e 2 são plenamente lícitos, estando em conformidade com toda a legislação vigente e respaldados pela devida documentação técnica e jurídica. Esse atendimento aos requisitos legais e à licença ambiental emitida pelo IMA (Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina) fundamentaram a concessão da Licença Prévia, Licença de Instalação e demais autorizações necessárias para a implementação do empreendimento.
Cumpre destacar que o Município tem mantido total transparência em suas ações, tendo prestado todas as informações solicitadas pelo Ministério Público Federal sempre que demandado. A Administração Municipal não apenas colaborou integralmente com as análises dos projetos e eventuais questionamentos, como também encaminhou cópia completa do processo ao final dos trâmites, demonstrando seu compromisso com a legalidade.
A Prefeitura reafirma seu irrestrito compromisso com a transparência, o desenvolvimento sustentável que alia progresso urbano à preservação ambiental, e sobretudo com o estrito cumprimento da legislação em todas as suas ações, garantindo sempre a conformidade com as normas vigentes”.
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