Na sacola de Rubens, o colorido do caqui, do pepino, da melancia e das hortaliças chama a atenção de quem passa por uma feira no bairro Trindade, em Florianópolis. Pelo menos um item da lista pode estar na cesta básica do brasileiro: a melancia, que apesar da doçura, tem um gosto amargo no bolso dos consumidores. Isto porque a fruta teve alta de 5,08% no mês de março, segundo o Índice de Custo de Vida calculado pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
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O manezinho voltou para casa com as sacolas cheias mas, apesar disso, conta que sente que os preços aumentaram consideravelmente, tanto nas feiras livres, quanto nos supermercados. Um encarecimento que pesa ainda mais para 60% da população que vive com um salário mínimo.
No início de março, o presidente Lula (PT) isentou de impostos os produtos que fazem parte da cesta básica, como carne, café, óleo de girassol, azeite de oliva, sardinha, biscoitos, açúcar, milho e massas alimentícias. Poucos dias depois, o governo de Santa Catarina também zerou o imposto estadual que incide sobre o arroz, feijão e farinhas de trigo, milho, mandioca e arroz. No Estado, ovos e hortifrutis já têm o imposto zerado.
Mas, conforme relatos de consumidores ouvidos pelo NSC Total, após quase um mês das medidas, as isenções parecem não ter surtido o efeito esperado na prática.
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O professor dos cursos de graduação e de pós-graduação do Departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Lauro Mattei, explica que a cesta básica é uma referência da alimentação “que um trabalhador precisaria consumir para ter uma dieta alimentar recomendada pelas autoridades da saúde”.
Ele conta que a cesta básica foi instituída, inicialmente, de forma correlata com a introdução do salário mínimo, “devendo servir de parâmetro com os níveis de renda dos trabalhadores”.
— Ela deveria ser um referencial para uma camada da população assalariada, mas com o tempo, devido à expansão da pobreza e da exclusão social no Brasil, acabou se transformando em um referencial para uma imensa camada da população, exceto as mais abastadas e ricas da sociedade — diz.
Mattei deixa claro que a população mais vulnerável é a mais prejudicada quando o assunto é o aumento dos alimentos que fazem parte da cesta básica e, por isso, a isenção “tem um foco muito claro que poderá contribuir com as demais políticas públicas de combate à pobreza”.
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Qual o impacto da medida na prática?
Na capital catarinense, o preço da cesta básica equivale a 59,25% do salário mínimo líquido. Isso significa que uma pessoa precisaria trabalhar 120 horas e 34 minutos para conseguir comprar os itens que compõem a lista.
Para Mattei, a isenção de impostos dos produtos não tem como função prioritária reduzir os preços dos alimentos, já que o Brasil vem enfrentando um processo de expansão dos valores por razões diversas, como a “redução da oferta de importantes alimentos e produtos, a elevação dos custos de produção, problemas climáticos, a expansão da demanda internacional, a desvalorização da moeda brasileira frente ao dólar e diversos conflitos”.
— A isenção de tributos poderá, não no curto prazo, contribuir para que os produtos alimentares, sobretudo das camadas mais vulneráveis da população, retomem padrão baixista — aponta.
Aumento sentido no bolso
Naquele dia, na feira da Trindade, nenhuma das sacolas dos clientes estava cheia de tomate. A falta é justificável, levando em consideração que a fruta teve aumento de mais de 60% em março em Santa Catarina. No comércio localizado na área central da cidade, o quilo da fruta estava custando R$ 5,99.
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De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada – CEPEA Esalq/USP, que calcula o preço médio de diversos produtos no Brasil, a caixa com 20 quilos de tomates chegou a custar R$ 190 em Campinas, São Paulo, o que significa um valor médio de R$ 9,50, o quilo.
Administrador da feira, Fernandes diz que o tomate é o maior alvo das reclamações dos clientes atualmente, mas que a justificativa dada pelas distribuidoras é “a safra”.
Para o Carlos, que foi à feira apenas para comprar banana, o problema maior é que “o preço aumenta e o salário do trabalhador continua lá embaixo”. O fruto, no dia da visita da reportagem, estava custando R$ 5,99.
Já para Irma, o preço está normal ao comparar com outros supermercados e feiras. Porém, ela conta que compra frutas e verduras apenas em feiras, por saber que em outros locais a compra “daria três vezes mais”. Em um supermercado da região, a mesma banana, do tipo orgânica, estava custando R$ 9,25, segundo levantamento do NSC Total.
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Veja fotos dos alimentos na feira e no supermercado
Ovo, carne e café
Em fevereiro, quando os itens da cesta básica ainda não estavam isentos do imposto, o café em Florianópolis teve a maior alta do país, com 23,81%. Já em março, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), o preço médio do produto torrado e moído no varejo era de R$ 64,80, o quilo.
O preço, de acordo com o Índice de Custo de Vida, vem diminuindo em relação a outros meses, com alta de 7,63% em março. No entanto, os consumidores dizem não ver a baixa na prática.
Tânia compra todos os dias no mesmo supermercado, também em Florianópolis, e o essencial para fazer o almoço, um lanche a tarde ou apenas guardar no armário. Ela conta que, na visão dela, “aumentou [o preço] de tudo”.
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— Pra mim o que mais aumentou foi o café, e o pior é que eu gosto muito de café, e não baixou mais — diz. Naquele dia, ela pagou R$ 34,99 no mercado por 500 gramas da bebida.
Outro produto que está pesando no bolso dos clientes desde o início de 2025 é o ovo. De acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o preço do ovo de galinha aumentou 13,13% em março e foi um dos alimentos que puxou a inflação do grupo de Alimentação e bebidas.
Em Santa Catarina, segundo o Índice de Custo de Vida, o preço subiu 5,95%, menos do que em comparação ao custo divulgado em fevereiro, quando cresceu 10,43%. Para Tânia, os “ovos também estão um absurdo”, no sentido de estarem caros, mas que já sentiu uma baixa nos preços. Para ela, “aos poucos vai baixando”.
Na cesta de Tânia, também tinha um pacote de carne moída que, no geral, teve uma alta de 0,91% em março, de acordo com o ICV.
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A isenção é suficiente?
Para o professor da UFSC Lauro Mattei, a medida é importante, mas o barateamento dos produtos alimentares dependerá de políticas mais robustas em duas esferas. No mercado externo, os agentes econômicos que internalizam os preços do mercado internacional no mercado doméstico devem ser impedidos, já que eles se “beneficiam da desvalorização cambial”.
— No front interno, são necessárias políticas de estímulo produtivo de alimentos básicos. Os tais plano safra quase sempre estão focados na produção de commodities agrícolas, que são importantes para o equilíbrio da balança comercial, mas que o povão não se alimenta desses produtos — explica.
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