Mais rápidos, mais espertos e mais perigosos. Assim estão os criminosos digitais, que agem contra crianças e adolescentes na internet com o objetivo de aliciar, produzir material de abuso sexual infantil e incentivar automutilação e maus-tratos aos animais. Neste cenário, Santa Catarina chama atenção, já que tem participação em pelo menos sete das 16 operações conduzidas pelo Ministério da Justiça sobre crimes digitais envolvendo esse público nos últimos três anos no Brasil.

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As operações ocorreram de 2023 até junho de 2025, com diversos objetivos, como a repressão ao ódio na internet, violência e automutilação em transmissões ao vivo nas redes sociais, segundo o Ministério da Justiça. Em Santa Catarina, um dos órgãos responsáveis pela investigação desses tipos de crimes, que acontecem na internet, é o CyberGAECO, vinculado ao Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC).

São três tipos principais de crimes diferentes, praticados majoritariamente na internet, e que envolvem crianças e adolescentes, conforme explica o coordenador do grupo, o promotor de Justiça Eliatar Silva Junior: primeiro, o armazenamento de material com crime sexual infantil, onde criminosos baixam fotos e vídeos pornográficos de crianças e adolescentes de diferentes fontes.

Esse tipo de crime está previsto no artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), incluído pela lei n° 11.829, de 2008. A pena prevista é de reclusão de um a quatro anos, além de multa.

Em segundo, outra infração semelhante é a divulgação desse tipo de conteúdo, com troca ou publicação por qualquer meio na internet, previsto no artigo 241-A do ECA. A pena para essa infração, no entanto, é maior, podendo levar à prisão por até seis anos, com multa.

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De acordo com o Anuário de Segurança Pública, a Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina registrou 216 casos desses dois tipos de crimes entre crianças e adolescentes de 0 a 17 anos em 2024. O número representa um aumento de 15% em relação a 2023, quando foram 158 ocorrências do tipo. Os dados ainda revelam que o público que possui entre 14 e 17 anos é o mais atingido, com quase metade dos casos. Entretanto, houve aumento no número de ocorrências registradas em todas as faixas etárias.

E em terceiro, a venda de material que envolve crime sexual infantil também é outro crime recorrente, segundo o coordenador do CyberGAECO, com pena prevista de até oito anos de reclusão e multa.

Redes sociais e Dark Web

Em julho, uma operação conjunta com o Ministério Público Federal cumpriu um mandado de busca e apreensão em Florianópolis para desarticular um esquema criminoso que utilizava a chamada Dark Web — uma parte oculta da internet não indexada pelos motores de busca tradicionais e que requer softwares específicos para ingresso — para comercializar material de abuso sexual infantil.

O caso foi revelado após a Homeland Security Investigations, por meio de sua representação na Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, encaminhar para o CyberGAECO informações relativas a um homem, localizado em Santa Catarina, suspeito de administrar plataformas clandestinas voltadas à venda desse tipo de conteúdo ilegal, com compradores no Brasil e internacionalmente. Após a venda, ele ainda extorquia os compradores com prints de conversas. O caso continua sendo investigado de forma sigilosa.

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De acordo com o coordenador do grupo, esses tipos de crimes são praticados, em sua maioria, por adultos, por meio de plataformas de comunicação como Telegram e Discord, muito acessadas por crianças e adolescentes para interagir com jogadores em ambiente virtual. Entretanto, também há, cada vez mais, adolescentes também sendo os infratores.

— O Discord, em tese, é um aplicativo de jogos, mas ele acaba sendo desvirtuado pelos usuários, que criam grupos chamados de “panelas”. São vários os crimes que acontecem nessas “panelas”, onde crianças e adolescentes que entram no grupo tem dados como nome, endereço, e até mesmo fotos, obtidos. A partir disso, o criminoso começa a chantagear, ameaçando expor a criança — explica.

O impacto da pandemia

Para o coordenador, a pandemia da Covid-19, com o isolamento social e as crianças e adolescentes por mais tempo em casa foi uma consequência para o maior uso das redes sociais e, com isso, a chance de esse público ser vítima desses tipos de crimes, aumentou.

— As redes sociais são um lugar onde é como andar em uma rua escura à noite: tem todo tipo de perigo. Então, crianças e adolescentes que usam as redes sociais sem a supervisão dos pais, estão correndo riscos tanto quanto um adulto — afirma Eliatar.

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O perigo se amplia quando o uso das plataformas acontece sem monitoramento dos pais e responsáveis e tem sido fonte de preocupação para famílias.

O filho de 8 anos de Moniche de Souza, por exemplo, presenciou, certo dia, cenas impróprias para a idade dele no computador que outra criança estava usando em uma lanhouse e, imediatamente, contou a ela. Não para que ela fosse conversar com a outra criança, mas para pedir por orientação, para saber se aquilo era certo ou errado.

— Na nossa época a gente brincava na rua, então a preocupação dos meus pais era outra, era mais a questão física. E hoje tudo é no digital. Então, logo os pais têm que ter essa evolução de buscar proteger os filhos nessa esfera digital, tem que estudar, buscar quais jogos que eles estão jogando — reflete a mãe.

Ela conta que o menino sempre gostou de jogos on-line, e que resolveu começar a acompanhar o tipo de conteúdo que ele consome jogando os mesmos games. Ela está sempre incentivando o diálogo aberto com o filho, para que ele sinta confiança em contar para Moniche, que também é advogada especialista na área de direito digital.

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— As situações com as crianças e adolescentes no meio digital não acontecem do dia para a noite. Os criminosos não vão ter acesso a elas e agir imediatamente. Eles vão buscar [ganhar a confiança] de pouquinho em pouquinho, vão ganhando na lábia — aponta.

A psicóloga especialista em adolescência, Catarina Marques, concorda com a advogada e conta, ainda, que para que os filhos tenham esse tipo de confiança com os pais, é necessário que haja uma construção de vínculo desde a infância. É preciso entrar no mundo dos filhos e estar a par de tudo o que acontece tanto na vida real, quanto na vida virtual.

— É muito importante que os pais façam o movimento de tentar entrar no mundo dos filhos, mantendo uma relação de confiança e de aceitação, praticando uma escuta ativa, uma escuta empática, evitando críticas e julgamentos. Senão, o adolescente vai se fechar e ele não vai compartilhar sobre os problemas que está enfrentando — explica a psicóloga.

Na pandemia, esse vínculo e o interesse dos pais em saber o que os filhos estão fazendo acabou se perdendo, segundo o coordenador do CyberGAECO. Ele orienta que pais e responsáveis precisam, sempre, ter acesso às mídias sociais de crianças e adolescentes, sem permitir que elas utilizem essas plataformas por horas, em ambientes isolados.

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O perfil das vítimas e dos criminosos

De acordo com Eliatar, meninas pré-adolescentes, entre 10 e 13 anos, são as mais atingidas pelos crimes virtuais. Entretanto, as vítimas não possuem um perfil único: meninos e meninas de todas as idades, de todas as classes econômicas, e com diferentes estruturas familiares podem ser vítimas.

O crime de aliciamento de crianças e adolescentes, por exemplo, teve aumento considerável de casos em todas as faixas etárias, de acordo com o Anuário. Ao todo, foram 158 casos com jovens de 0 a 17 anos, um aumento de 6% em relação ao ano anterior, quando foram registrados 147 casos.

Não há, ainda, um padrão consolidado para o perfil dos criminosos. Segundo o coordenador do CyberGAECO, o abusador pode ser um pai de família, com uma profissão de sucesso, mas também pode ser um adolescente, que atinge outros jovens com esse tipo de crime.

Os sinais

Com base na experiência em Direito digital, Moniche afirma que os pais precisam estar atentos ao comportamento dos filhos, que pode ter uma mudança repentina.

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— A criança que tinha uma autoestima boa, começa a ficar para baixo, quer ficar no celular ou no computador sozinha… Ou quando os pais aparecem no quarto e o jovem minimiza todas as abas no computador. Tem que ficar de olho na parte comportamental, a personalidade da criança muda completamente — explica.

Para denunciar esse tipo de crime, os pais e responsáveis podem reunir provas como capturas de tela, gravações, e-mails, mensagens, e fazer backups dos materiais. Depois disso, é necessário ir a uma delegacia de polícia para fazer a denúncia.

“Central da Família” 

Desde 2023, o Discord possui uma ferramenta que permite que os pais acompanhem as atividades dos filhos na plataforma para “ajudar a promover um diálogo produtivo sobre hábitos de internet mais seguros e criar maneiras mutuamente benéficas para pais e adolescentes se conectarem sobre experiências online”.

Com a ferramenta, é possível ver quais comunidades do Discord o adolescente participa, mas, ainda assim, não conseguem ver o conteúdo das conversas. Para ativar a ferramenta, o responsável precisa ter o aplicativo no celular. Depois, é necessário acessar a opção “Central da Família” em “Configurações do Usuário”.

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Após essa etapa, o responsável precisa clicar em “ativar Central da Família” e, depois disso, utilizar um código QR que aparecerá no aplicativo do adolescente. O código precisa ser escaneado.

— Não tem como fugir, nós vivemos no digital, então a partir de agora você tem a responsabilidade de proteger seu filho do digital — afirma Moniche.

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