Hastear a bandeira, cantar sem errar o Hino Nacional, conhecer o nome dos presidentes e saber como funciona o sistema político do País.
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Se você cumpriu ou pelo menos está apto a cumprir esses quatro quesitos, pode se considerar um brasileiro de verdade. Ou, pelo menos, podia, se tivesse sido educado nas décadas de 1960, 1970, 1980 e início de 1990.
A geógrafa Carla Fabrícia Ronchi Fuch não esquece das aulas de educação moral e cívica do Colégio Plácido Olímpio de Oliveira. As memórias, de cerca de 20 anos atrás, fazem parte de um período em que a disciplina era obrigatória e tinha a missão de ensinar civismo e patriotismo para os estudantes.
– Era uma matéria que cuidava muito das questões de patriotismo, do Hino Nacional, hino da cidade. Nós tínhamos que ensaiá-los, saber as letras -, recorda.
Carla lembra que os sistemas de governo e a forma como funcionavam também faziam parte do conteúdo.
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– Fez diferença para minha formação porque não sinto dificuldade para lidar com isso, com esses temas -, comenta.
Carla cursou a disciplina entre 1989 e 1990, numa época em que o teor e os conteúdos passavam por uma espécie de reformulação. Criada em 1969, a educação moral e cívica, ao lado de disciplinas como OSPB e EPB (como era chamada no ensino superior), tinha um objetivo claramente ligado ao governo no período militar.
– O desejo ao se criar essas três disciplinas não era novidade. Se entendia a educação como um meio para que as pessoas não apenas aprendessem, mas acatassem valores e ideais importantes para a produção de uma cultura cívica ligada à época -, explica a professora de história republicana do Brasil da Univille, Ilanil Coelho.
– Foram disciplinas incluídas por militares numa reforma educacional no fim da década de 60 -, conta.
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A matéria continuou obrigatória até o início da década de 90, quando a abertura política havia permitido uma série de reformulações no conteúdo, deixando o ensino mais crítico e menos fixado em datas e heróis nacionais. A experiência da Carla vem justamente dessa época.
– Eu gostava. Achava legal porque pude ir mais a fundo em questões importantes, como o patriotismo, por exemplo.
Hoje, os desfiles cívicos são a principal marca da celebração da independência do Brasil nas escolas de Joinville. Na semana passada, bairros como o Costa e Silva, Aventureiro e Vila Nova presenciaram a demonstração de civismo e patriotismo por parte das crianças.
HOJE, O ENSINO AJUDA A QUESTIONAR
O professor de filosofia e história Maikon Jean Duarte não acha que falte uma disciplina para ensinar temas como patriotismo e civismo.
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– Hoje temos que nos fixar em questões críticas. Não podemos falar sobre 7 de Setembro de uma forma convencional. É necessário sair do presente, ir ao passado e voltar ao presente, sempre problematizando -, avalia.
Para Maykon, o ensino do patriotismo também deve ser relacionado ao tempo histórico em que ele era importante.
– Na época da ditadura, por exemplo, o patriotismo era como um recurso de alienação. Na disciplina de filosofia falamos sobre práticas de regimes que adotaram a questão pátria de forma diferente. Muitas vezes o orgulho exacerbado levou ao totalitarismo -, comenta.
A compreensão e a decoreba do hino é outro ponto polêmico para aqueles que sentem falta de uma disciplina rígida no currículo escolar. Mas o assunto deixou de ser defendido por um outro grupo de professores: os que entendem que os símbolos não remetem diretamente à noção de pátria.
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– Em vez de defendermos, apressadamente, que o Hino Nacional significa um bom tanto da nossa brasilidade, talvez fosse mais interessante, de um ponto de vista pedagógico, pensar: é possível ainda sustentar os signos da brasilidade em um mundo cada vez mais devorado pelos fluxos da globalização? -, questiona o professor de história e pesquisador Fernando Sossai.
De acordo com ele, o ensino da cidadania deve ir muito além das questões de educação moral e cívica.
– Quais são os desejos que fazem as pessoas fecharem uma rua para marcharem e perfilarem-se a cantar o Hino Nacional? Há muito mais significados nestas ações do que podemos imaginar. Não será nenhuma receita pronta sobre o que é ou não cidadania que dará conta de mapeá-los, tampouco respondê-los -, argumenta.
ÉTICA A QUALQUER HORA
Hoje, parte do conteúdo que integrava a disciplina de educação moral e cívica está diluído no que o Ministério da Educação (MEC) chama de “tema transversal”. A proposta é que o tema ética e cidadania abranja todas as matérias da escola, levando aos alunos discussões de caráter crítico.
– No passado, o aluno era entendido como um membro do corpo da cidadania. O ensino era ligado às responsabilidades e deveres e não aos direitos dos cidadãos -, explica a professora e pesquisadora de São Paulo Juliana Filgueiras.
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Nas escolas de Joinville, a orientação também é essa. Como não existe uma matéria específica sobre o tema, o conteúdo é diluído em diversas disciplinas, tais como história e filosofia.
– Hoje em dia, o ensino do civismo deve ser mais atrelado às vivências cotidianas dos cidadãos, atravessando todas as disciplinas. Na matemática, por exemplo, ao se explicar regra de três, pode-se trabalhar a questão dos juros, dos impostos, como uma forma de trazer essa discussão -, comenta a professora Ilanil Coelho.
Se no passado a memorização dos símbolos da Nação, das datas históricas e dos grandes heróis nacionais era sinônimo de amor à Pátria, hoje esse conceito parece ter mudado.
– A importância da discussão da ética e da cidadania deve ser feita na escola e para fora da escola. Algumas ainda mantêm a exaltação das datas históricas no seu currículo, mas isso é questionável quando é feito de forma isolada -, pondera Juliana.
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