Uma pesquisa feita em parceria entre a Gallup, multinacional de análise e consultoria, e a Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, buscou entender o estado global das conexões sociais. Nela, entre as perguntas dirigidas aos entrevistados estavam: “quão conectado às pessoas você se sente?” e “quão solitário você se sente?”
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A pesquisa, aplicada em pessoas de 142 países, indicou que 24% da população se sente muito ou razoavelmente sozinha. O estudo da Gallup e da Meta analisou o nível de conexão social e do sentimento de solidão da população dos países que participaram da pesquisa, e também com quais grupos sociais as pessoas costumam interagir mais no dia a dia.
Quando questionadas o quão conectadas as pessoas se sentem a outras pessoas, as respostas a nível global indicaram que 77% do público se sente muito ou razoavelmente conectado.
Nesse quesito, o Brasil ficou abaixo da média global, com os brasileiros menos conectados com outras pessoas do que o restante do mundo. Os dados mostraram que 55% dos brasileiros participantes da pesquisa afirmaram se sentirem muito ou razoavelmente conectados a outras pessoas.
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Pesquisa avalia nível de conexão social e solidão de brasileiros
Na sequência, 38% dos brasileiros se dizem pouco conectados a outras pessoas, enquanto que os que se dizem nem um pouco conectados são 5%.
Já no quesito solidão, o Brasil tem uma porcentagem abaixo da média. Dos participantes brasileiros da pesquisa, 15% afirmaram que se sentem muito ou razoavelmente solitários. Já 38% se sentem um pouco solitários e 47% nem um pouco solitários.
Na média global, somando as pessoas que se sentem muito e razoavelmente solitárias, a porcentagem equivale a 24%. Por outro lado, 27% das pessoas no mundo se sentem um pouco solitárias e 49% não se sentem nem um pouco solitárias, aponta a pesquisa.
Levantamento aponta que 24% da população global se sente só
Homens são mais solitários no Brasil
No Brasil, homens se sentem mais solitários do que mulheres. No primeiro grupo, 16% dos entrevistados assinalaram que têm se sentido muito ou razoavelmente solitários. Entre as mulheres, esse número foi de 14%.
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Questionados sobre qual grupo social teriam interagido pelo menos uma vez ao dia nos últimos sete dias, 75% dos entrevistados escolheram a categoria “amigos ou familiares que moram com você ou perto de você”.
Em seguida aparece “vizinhos ou pessoas que moram perto de você”, com 49% das escolhas, e “colegas de trabalho ou escola”, com 47% dos votos.
Na sequência, “amigos ou familiares que moram longe” foram os que tiveram mais interação, com 38% das escolhas dos entrevistados.
A pesquisa ainda trazia as opções “pessoas de grupos dos quais você faz parte com base em interesses ou crenças comuns”, que foi escolhida por 30% dos participantes, e “estranhos ou pessoas que você não conhece”, categoria social que representa 21%.
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Pandemia fez solidão se tornar escudo
De acordo com a psicóloga Lili Zacharia, esse movimento de pessoas cada vez mais solitárias ocorre por conta de uma mudança na forma de viver.
— Eu entendo que essa intensificação da solidão vem ocorrendo diante de uma vida mais egóica mesmo. De uma vida onde o que é da comunidade não interfe na minha vida e não faz parte da minha vida. Cada vez mais se vive só para si e por si. Isso acaba intensificando a solidão — explica a psicóloga.
Entre as mudanças da sociedade que resultam nesse maior isolamento estão o modo de vida de competição excessiva, principalmente no campo profissional, e a forma “descartável” como muitas pessoas têm se sentido nas relações, explica a psicóloga. O resultado disso é a busca pelo isolamento como forma de evitar possíveis desgastes.
— E aí as pessoas vão buscando morar sozinhas, fazer as coisas sozinhas, assistir filme sozinhas, comer sozinhas. Não que isso não seja uma coisa agradável, mas é para evitar coisas desagradáveis que as pessoas acabam fazendo isso, o que é um perigo na nossa sociedade — destaca.
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A pandemia da Covid-19 e o período de isolamento social que veio como parte das medidas de contenção do vírus tiveram grande impacto nessas mudanças de comportamento e organização social.
— Com a pandemia, o isolamento obrigatório fez com que as pessoas tivessem que enfrentar essa solidão. Se por um lado causou dor, por outro elas descobriram que “olha, eu não morri de Covid e não morri de solidão”. Eu estou aqui, na minha casa, isso me protegeu. Ficou uma coisa que quando eu me isolo, eu me protejo — destaca a psicóloga.
Com o isolamento, também cresceu o uso da internet, que tem grande papel nesse isolamento e solidão, já que coloca as pessoas em um conforto de fazer tudo de casa, pelo celular, evitando contato e interação.
— Em vez de eu ir ao cinema, eu assisto um filme recém-lançado no streaming. Na hora que eu estou com vontade de conversar, eu falo uma coisa qualquer numa rede social e alguém vai me ouvir, vai me responder, nem que seja só com uma curtida, e eu vou me sentir ouvido ou ouvida. Não se estabelece mais conversa, tanto é que as pessoas não sabem mais conversar — afirma.
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Mercado que se adapta
Com essas mudanças no comportamento e a maior escolha por uma vida solitária, crescem os serviços de streamings, videogames e delivery, consumidos em casa e por pessoas que buscam a comodidade da vida só. A Pesquisa Game Brasil 2024, desenvolvida pelo Sioux Group e Go Gamers, em parceria com Blend New Research e ESPM, aponta que 73,9% dos brasileiros tem costume de jogar jogos eletrônicos, um aumento de 3,8% em relação a 2023. Entre os “gamers”, 70,5% afirmam que ao jogar sentem que se desconectam dos problemas do “mundo real”. Em contrapartida, 71,6% dizem já ter feito amizades em partidas online.
Tecnologias como a Alexa, que além de funcionais servem também como companhia, com diálogos e interações “artificiais”, também crescem no mercado, assim como o universo da realidade virtual. De acordo com dados da Amazon, o uso da assistente virtual para pedir ajudar no comando de dispositivos inteligentes cresceu 50% em casas brasileiras em 2023. Além disso, foram mais de 6 milhões de histórias contadas e 65 milhões de vezes em que os brasileiros falaram “Alexa, bom dia” no último ano. A assistente virtual ainda recebeu mais de 12 milhões de elogios dos clientes ao longo do ano.
Mas outros setores tradicionais acabam sentindo o impacto dessas mudanças. É o caso do setor da habitação que cada vez mais tem lançado imóveis compactos, voltados ao perfil crescente de pessoas que moram sozinhas. Marcos Alcauza, vice-presidente de Compra e Venda do Secovi de Florianópolis e Tubarão, explica que essa mudança é sentida de forma gradativa nos últimos 15 anos.
— Esse movimento reflete no mercado imobiliário já há alguns anos. Ele veio mudando da unidade antiga para a família, que era de três dormitórios, lá atrás, primeiro para dois, depois para um quarto e agora para studios. Hoje, nos lançamentos imobiliários na Grande Florianópolis, o maior número, pelo menos na Ilha, é de studios — destaca Marcos.
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Este formato de apartamento é um estilo de moradia mais compacta, em que não há divisórias entre quarto, sala e cozinha. A ideia é oferecer um local mais funcional, em pontos estratégicos de grandes cidades.
O vice-presidente do Secovi explica que, inicialmente, o foco desses apartamentos eram pessoas que buscam moradia para realizar faculdade. Depois, muitos jovens saíram de casa para trabalhar e não mais para casar e constituir família, como era o formato “clássico”. Mesmo os que casaram, não tiveram filhos, ou tiveram um só, o que impactou em uma demanda por imóveis menores, tanto no setor de venda quanto no de locação.
Entre outras mudanças que o setor da habitação vivenciou com a migração para imóveis menores foi a ampliação das áreas de lazer, que agora servem como um espaço de convívio entre moradores e não só de convidados do apartamento.
— Enquanto que, antigamente, existia um salão de festa, que as pessoas só faziam aniversários ou festividades entre si, hoje as pessoas dos prédios se encontram nas áreas comuns. Então são empreendimentos com unidades enxutas, porém com áreas sociais abundantes e que propiciam a interação entre os moradores do prédio — afirma.
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O comportamento de quem vive sozinho
O “estar mais sozinho” reflete também na forma de agir, se comportar e comprar do ser humano. O professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutor em Finanças Comportamentais, Jurandir Sell Macedo Júnior, explica essa mudança quando se fala em consumo.
— Então, se você está sozinho, uma das coisas que tem-se observado é que as pessoas acabam, por exemplo, em compras de supermercados, comprando bens de valor mais elevado. Por exemplo, você compra produtos com mais qualidade, porque você está sozinho — destaca.
Por outro lado, ele aponta que em grupo a tendência é pedir produtos de valor mais elevado, considerando que a conta será dividida, como por exemplo em um restaurante.
— Portanto, eu acho que o consumidor solitário, ele se torna um consumidor mais seletivo comprando aquilo que, efetivamente, faz diferença para ele — afirma o pesquisador.
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Contudo, mesmo que a escolha seja por produtos de mais qualidade, nem todos os “solitários” necessariamente gastam mais, o que varia conforme o perfil do consumidor. Ainda assim, as pessoas que vivem sozinhas optam por aquilo que mais lhe interessa, mesmo que seja mais caro. Ele afirma que há oportunidade para as empresas que souberem atender esse público com qualidade.
— O mercado já vem fazendo isso, colocando embalagens menores, produtos pré-prontos para que as pessoas preparem em casa. Portanto, existe efetivamente essa tendência de um mercado de pessoas solitárias. Por exemplo, uma coisa que seria impensável no passado é você ir no supermercado e comprar meio litro de leite, isso não existia. Atualmente, são produtos colocados para as pessoas mais solitárias — afirma o pesquisador.
De fato, o setor supermercadista tem oferecido opções menores e porções individuais, que atendem bem esse nicho. A mudança, que vem desde a indústria, segue uma tendência de família menores, explica o diretor de marketing do Bistek Supermercados, Wagner Ghislandi.
— Isso é uma tendência. As famílias são menores, então há um estudo desde a indústria que traz para nós novos formatos de embalagens para atender essa fatia de mercado — destaca.
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Entre os setores do supermercado que têm se adaptado, Wagner cita a parte de frios e chocolates, com o exemplo dos candy bars, que são doces unitários de consumo imediato, substituindo barras ou caixas de bombom. Cervejas individuais, ao invés de packs, além de embalagens menores na padaria, açougue e congelados são outras opções que surgem para atender essa fatia de mercado.
Contudo, apesar de crescente e da oferta em diferentes setores, o público que opta pelas alternativas individuais e menores ainda não é tão grande.
— O mercado consumidor ainda prioriza embalagens em que o desconto é maior na embalagem maior. Então, se comprar um suco de dois litros ou um suco de 500 ml, proporcionalmente o preço de dois litros vai ser sempre mais barato. Mas é uma tendência, é uma fatia de mercado em cima disso. E as indústrias, e nós, como supermercado também, estamos sempre procurando oferecer e entender o que atende bem esse tipo de público — afirma o diretor de marketing.
Wagner também detalha que a tendência de compras menores é maior em grandes centros, onde o público consumidor costuma comprar em menor quantidade e com mais frequência, visitando a loja mais vezes, para garantir produtos mais frescos e com maior qualidade.
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