O presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, anunciou no início do mês que a autoridade monetária irá regulamentar, a partir de setembro, o uso do Pix para parcelar compras. No entanto, algumas instituições já oferecem o método de pagamento, utilizando o limite e a fatura do cartão de crédito do cliente como base para o parcelamento do Pix — solução que é considerada inadequada pelo BC. Nas redes sociais, o endividamento por conta do chamado “Pix no crédito” já virou até meme, e afeta, principalmente, a vida financeira de jovens que entram na vida adulta.
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No TikTok, por exemplo, há milhares de vídeos de pessoas relatando dívidas ou gerenciamento irresponsável do próprio dinheiro por conta da prática. Entre as publicações está o de Daniel Jovenir, morador de Rio do Sul, no Alto Vale do Itajaí, que escreve: “Por favor, acabem com a função do Pix no crédito, eu não aguento mais… Acabei de parcelar um lanche em 10 vezes de R$ 2, não tenho limites, estou fora de mim”. O vídeo foi publicado em maio deste ano e, na última quinta-feira (21), já acumulava mais de 1 milhão de visualizações.
Nos comentários, usuários da rede social se identificaram com o jovem: “Eu joguei a conta do lanche para dezembro”, escreveu uma internauta. “Eu [estou] pagando até hoje um combo de sushi que comi em dezembro [do ano passado]”, disse outra. Outro usuário comentou: “Eu parcelei a minha compra de mercado em três vezes. Estou indo fazer novas compras e ainda pagando as antigas”.
O que é o Pix no crédito
O Pix no crédito é uma transação via Pix que usa o limite do cartão de crédito em vez do valor disponível na conta. Ou seja, se você tem um limite de R$ 100 disponível no cartão de crédito, pode fazer um Pix no crédito até esse valor.
O NSC Total fez um teste: em uma conta bancária que possuía um limite de R$ 104,69 no cartão de crédito, foi feita uma simulação de uma transferência no Pix no crédito de R$ 100. À vista, os juros foram de R$ 6,90. Caso o cliente quisesse parcelar em duas vezes, o juros sobe para R$ 12,14. Em três, aumenta para R$ 17,53. No máximo de parcelas disponíveis, 12 vezes — parcelamento que representa a maioria dos relatos envolvendo Pix no crédito nas redes sociais — o juros chega a R$ 73,89. Ou seja, o usuário pode transferir R$ 100 em 12 parcelas de R$ 14,49, mas com um juros muito mais alto do que o cartão de crédito normalmente cobra.
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Há, ainda, a opção de “jogar” o valor para as faturas dos meses seguintes. Na fatura atual, caso o cliente tenha optado pelo Pix no crédito à vista, não há mais juros do que vem normalmente. No entanto, se jogar para a próxima, ele é de R$ 17,89. Para “daqui duas faturas”, sobe para R$ 30.
Para o professor de Economia e Finanças Edivan Junior Pommerening, o Pix no crédito parece uma solução rápida, mas, na prática, funciona como um “empréstimo disfarçado”.
— O cliente usa o limite do cartão, e o destinatário recebe o valor na hora, porém o cliente geralmente paga juros mais altos do que em outras linhas de crédito. O risco é criar a sensação de dinheiro fácil, estimulando gastos além da capacidade de pagamento. Quando a fatura chega, a dívida já está maior e, muitas vezes, o consumidor recorre a novos créditos para cobrir o anterior. Esse ciclo pode levar ao superendividamento em pouco tempo — afirma.
O especialista acredita que, apesar de parecer uma solução rápida em emergências ou até uma boa opção para aproveitar descontos, a modalidade de pagamento “esconde armadilhas”.
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— Uma simulação num banco digital de renome nacional retornou a taxa de juros de 4,99% ao mês. Isso costuma ser mais caro do que um empréstimo pessoal, geralmente entre 3% e 4% ao mês. Como o valor vai direto para a fatura do cliente e pode comprometer o limite do cartão, a chance de cair no rotativo, ainda mais caro, aumenta — explica.
“Cair no rotativo” significa que o titular não pagou o valor total da fatura até a data de vencimento, optando por um pagamento parcial (o valor mínimo ou qualquer quantia intermediária), e o restante do saldo é automaticamente financiado pela instituição financeira, com a cobrança de juros elevados sobre o valor não quitado.
Juros altos geram repercussão
Nas redes sociais, muitos usuários comentam também sobre os juros. No TikTok, um jovem publicou um vídeo de humor escrito: “Quando vou fazer um Pix no crédito e R$ 20 se transforma em R$ 100”. Nos comentários, mais pessoas se identificaram: “Eu [estou] com R$ 400 de fatura só de Pix no crédito”, comentou uma internauta. “E foi nessa onda que eu me afoguei”, escreveu outra.
Foi semelhante com a estudante de graduação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiza*, que sentiu os efeitos dos juros altos no bolso. Aos 20 anos, a moradora da Grande Florianópolis usa o Pix no crédito há pelo menos seis meses para “quebrar um galho” no fim do mês. No entanto, em julho, teve uma “surpresa” com os juros altos.
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— Nunca tinha deixado de pagar, mas no mês passado atrasei sete dias e tive um juros altíssimo, injustificável. Foram mais de R$ 300, e saí no prejuízo porque foi só uma semana de atraso — diz ela.
Luiza* utiliza o cartão de crédito somente para valores muito altos, como passagens aéreas. Já no Pix no crédito, ela tem gastos como Uber ou restaurantes.
Para o especialista Edivan Pommerening, é de responsabilidade das instituições financeiras orientar os clientes sobre os riscos e cuidados no uso do Pix. Além disso, acredita que o governo e as escolas devem intensificar as campanhas de educação financeira e cibernética:
— Juntas, essas ações ajudam a população a usar o Pix e suas novas funções de crédito com segurança. O Pix facilita pagamentos e ajuda a organizar o dinheiro, mas a rapidez pode enganar. Como tudo acontece em segundos, é fácil gastar sem perceber. Muitas pessoas podem achar que têm mais controle do que realmente têm. Por isso, planejamento e acompanhamento dos gastos continuam essenciais. A tecnologia ajuda, mas não substitui disciplina financeira.
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O que muda com o Pix parcelado regulamentado pelo BC
Previsto para ser regulamentado em setembro, o “Pix parcelado” adiciona ao famoso Pix o pagamento em prestações, um dos principais atrativos do cartão de crédito. Segundo apuração da revista Veja, o próprio setor bancário solicitou à autoridade monetária uma padronização, como forma de tornar a prática mais “transparente e acessível” ao consumidor.
Com a regulação, o Pix parcelado passará a ser um novo produto financeiro. Isso porque o parcelamento será vinculado à análise de crédito pessoal do cliente e as taxas de juros ficarão a cargo de cada banco, de acordo com o perfil de risco do pagador. Isso tudo ocorrerá sem cobrança de tarifas adicionais e sem a intermediação das operadoras de cartões.
— O objetivo não é eliminar nenhum meio de pagamento, mas ampliar as opções disponíveis para a população — afirmou Breno Lobo, chefe adjunto do Departamento de Competição e Estrutura do Mercado Financeiro do Banco Central, à Veja.
A expectativa, conforme a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), é de que a nova aplicabilidade impulsione ainda mais a adesão ao Pix. Até junho deste ano, mais de 168 milhões de brasileiros já haviam feito ou recebido ao menos uma transação instantânea. Atualmente, o Pix lidera entre os métodos de pagamentos no Brasil: 46% da população o usa como principal forma de transação, ainda que tenha sido lançado há menos de cinco anos. Já os cartões de débito e crédito são os preferidos de apenas 17% e 11% dos usuários, respectivamente.
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No dia 11 de agosto, quando anunciou a novidade, o presidente do Banco do Brasil, Gabriel Galípolo, adicionou que a entrega de novas funções do Pix tende a aumentar os custos de manutenção do instrumento.
— Todas essas inovações têm uma correlação de mais ou menos de 70% dos recursos necessários para fazer a inovação e manter a inovação. Então, as despesas com tecnologia no orçamento do Banco Central estavam abaixo de 30% antes do Pix e, agora, estão chegando próximo de 50% — disse.
De acordo com o presidente da instituição, para que o Pix possa continuar entregando os “seus serviços à sociedade”, é importante que o BC tenha uma estrutura institucional e legal compatível com as revoluções que ele mesmo produziu no sistema financeiro:
— É importante dar as ferramentas para que o Banco Central tenha uma atualização do seu arcabouço legal nacional, e estou falando especificamente da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65.
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A proposta referida por ele visa alterar a Constituição para estabelecer um novo regime jurídico para o BC, conferindo-lhe autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira. O texto também define que o Banco Central será organizado como uma empresa pública com poder de polícia, incluindo regulação, supervisão e resolução, além de estabelecer a supervisão do Congresso Nacional sobre suas atividades.
A proposta está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado e ainda não tem data para ser aprovada.
*Sob supervisão de Luana Amorim
**O nome foi alterado para preservar a identidade da fonte
***Com informações da Folha de S. Paulo e revista Veja
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