O Projeto de Lei Antifacção apresentado pelo governo federal à Câmara dos Deputados é uma estratégia para tentar avançar no combate ao crime organizado. A medida ganhou ritmo intenso após a megaoperação das polícias do Rio de Janeiro nos complexos do Alemão e da Penha, que terminaram com 121 mortes. A proposta, no entanto, vem se tornando pivô de novo embate entre o governo Lula e a oposição em razão de detalhes do projeto.
Continua depois da publicidade
Uma das principais polêmicas envolve a autonomia para atuação da Polícia Federal no combate às facções. O relator do projeto, deputado Guilherme Derrite (PP-SP), secretário de Segurança Pública do governo de Tarcísio de Freitas em São Paulo, mas que se licenciou do cargo para retornar à Câmara e ser relator da proposta, apresentou oito modificações no texto do projeto. Em um deles, definiu um mecanismo que limita a atuação da PF no enfrentamento do crime organizado. A intenção do parlamentar é que a PF atue nesses casos quando for demandada pelos estados ou então que precise comunicar os estados antes de efetuar investigações ou operações contra as facções criminosas.
Atualmente, segundo a Constituição, a Polícia Federal pode abrir inquéritos para investigar casos que tenham impacto em mais de um estado ou em outros países, exigindo ação coordenada. A PF também pode atuar em outras situações, como segurança do presidente e vice-presidente da República e reprimir o tráfico de drogas, por exemplo. Apesar disso, as polícias estaduais podem continuar fazendo suas próprias investigações.
Veja fotos da operação contra facção criminosa no RJ
As mudanças apresentadas no projeto antifacção propõem mudanças nessa divisão. A primeira versão do texto, apresentada na semana passada, destinava somente às polícias civis estaduais o papel de investigar facções criminosas envolvidas em atos definidos como terroristas. A PF atuaria apenas em casos específicos, como os de repercussão interestadual ou risco à segurança nacional.
Continua depois da publicidade
Em nova versão apresentada na noite de segunda-feira (10), no entanto, o relator Guilherme Derrite passou a permitir a atuação da PF por iniciativa própria, sem necessidade de solicitação dos governadores, desde que comuniquem as autoridades estaduais ligadas ao assunto.
A necessidade de “aviso prévio” da PF às autoridades estaduais para investigar facções criminosas tem sido alvo de embate. Segundo apoiadores do governo, isso poderia aumentar o risco de vazamento de informações das investigações. O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, chegou a conversar com o relator do projeto por telefone, mas manteve o tom crítico à proposta após a conversa. Segundo ele, “não há e não haverá acordo que implique em supressão das atribuições e autonomia da Polícia Federal”.
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), defendeu que a Polícia Federal não perca atribuições para investigações de facções criminosas. Em entrevista à Globonews, ele falou sobre o assunto.
— A Câmara não permitirá, em nenhum momento, que a PF perca suas prerrogativas. Essa é uma condição inegociável — afirmou.
Continua depois da publicidade
Pressão para votação
Em meio às divergências sobre as mudanças no projeto, o Congresso corre para tentar aprovar a proposta ainda esta semana, no embalo das reações à megaoperação do governo do Rio de Janeiro contra uma facção criminosa que atua no Estado.
A votação chegou a ser cogitada para esta terça-feira, mas a previsão foi adiada em razão das discussões sobre a versão final da proposta. Motta, até o momento, não quis definir um prazo para votação do projeto.
Pontos polêmicos
- Inclusão de facções criminosas na Lei de Terrorismo: o texto do governo passava a considerar o crime de integrar facção como hediondo e inseria a conduta das facções na Lei de Organizações Criminosas, de 2013. Já a versão apresentada pelo relator Guilherme Derrite criou um artigo com 11 práticas como uso de violência ou ameaça para constranger a população na Lei de Terrorismo, de 2016. Na prática, a redação equipara a atuação de facções armadas a grupos terroristas. Aliados do governo encaram que essa medida poderia aumentar o risco de sanções internacionais ao Brasil, sob pretexto de ações de combate ao terrorismo em território brasileiro.
- Competência da PF: a atribuição da Polícia Federal de participar ou não das investigações envolvendo facções criminosas é ponto das discussões centrais do projeto. A versão mais recente permite que a PF investigue os casos, mas exige solicitação dos governadores ou comunicação prévia aos Estados, o que é encarado por aliados do governo como ameaça à soberania e elemento de risco para vazamentos de informações sobre operações.
Continua depois da publicidade
- Penas: o projeto do governo federal buscava aumentar a pena inicial da Lei de Organizações Criminosas de 3 a 8 anos para 5 a 10 anos, e punições de 8 a 15 anos se a atuação do grupo tiver controle de território ou atividade econômica com uso de violência. A versão apresentada por Guilherme Derrite eleva as penas a períodos de 20 a 40 anos de prisão.
- Escolha do relator: a própria definição de Guilherme Derrite, aliado de Tarcísio de Freitas, como relator da proposta na Câmara foi criticada pelo presidente Lula, que chegou a telefonar para o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para questionar a escolha. Tarcísio é pré-candidato à Presidência da República pelo campo bolsonarista e pode ser o principal rival de Lula nas eleições de 2026.
- Outros pontos: o texto de Guilherme Derrite também aborda outros pontos, como inelegibilidade para quem estiver incluído em bancos de facções criminosas, maior dificuldade para progressão de regime dos presos que pertencerem ao crime organizado e proibição de pagamento de auxílio reclusão a familiares de detentos condenados por crimes previstos no projeto.
* Com informações do portal g1 e Folha de S.Paulo









