Dois episódios envolvendo cultos de religiões de matriz africana na Grande Florianópolis geraram reações de lideranças locais. A reportagem da NSC TV conversou com os envolvidos nos episódios, que classificaram as situações como “intolerância religiosa”. Os fatos motivaram uma reunião com o Ministério Público (MPSC), realizada na quinta-feira (30), em Florianópolis.
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Inicialmente, em São José, um culto de umbanda foi interrompido por policiais militares. O episódio aconteceu no último sábado (25), por volta das 20h.
— Ele [policial] exigiu que eu parasse o tambor. Eu informei que eu não pararia, que eu ia tocar até a sessão às 22h, que nós estávamos num ritual de umbanda que é praticando a nossa fé e que nós temos uma lei federal que nos ampara quanto a isso. “Mas ali existe uma lei de barulho”, ele falou. Eu falei que não iria parar — contou a mãe Letícia, à reportagem da NSC TV.
Segundo Letícia, o policial teria justificado a ação por meio de um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TC). Em seguida, enquanto ela conversava com um vizinho, os policiais registravam a segunda ocorrência.
— A gente realmente estava fazendo um diálogo… a polícia se meteu. Quando a polícia se meteu no meio, ele falou o seguinte: “a senhora vai para casa agora”. Eu disse não, a gente está conversando. Nisso, ele se alterou, ameaçou sacar a arma e me empurrou. Na verdade, o que a gente sofreu foi uma intolerância religiosa — relatou.
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Caso semelhante aconteceu em Nova Trento
Em Nova Trento, um caso semelhante aconteceu no último final de semana. O terreiro de Aline, responsável pelo local há dois anos, foi abordado por um vizinho do local. Segundo ela, há um histórico de intolerância religiosa envolvendo o mesmo:
— Nós já estamos na zona rural para não atrapalhar a cidade, como assim escutamos, e é isso nós estamos sozinhas em perigo e não temos com quem contar. Essa é a resposta que temos — contou Aline.
Lideranças se reuniram com MPSC
Os dois casos motivaram uma reunião extraordinária de lideranças religiosas de matriz africana com o Ministério Público (MPSC). O encontro foi realizado nessa quinta-feira, na Câmara Municipal de Florianópolis, com objetivo de criar mecanismos para garantir a liberdade de culto no Estado.
— Já tem um procedimento instaurado e vamos questionar a respeito desses atos que podem caracterizar, inclusive, racismo religioso. Fizemos uma proposta de mobilização, organização e estruturação de todas essas lideranças. O objetivo é nós termos representação jurídica, representação política, para que todas esse grupo de pessoas possam se impor e reagir com relação a esses casos de violência — explicou o promotor Jadel da Silva Júnior, do MPSC.
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— Nós queremos conversar com o comando geral da PM, com o secretário de Segurança Pública, com o governador do Estado, porque dentro de um país que é cidadão, que é democrático e é de direito, as religiões de matriz africana não estão sendo absorvidas pela Constituição Federal — pediu o líder religioso Marcos Canetta.
O que diz a Constituição
A liberdade religiosa é um dos fundamentos previstos na Constituição Federal de 1988. De acordo com o artigo 5º, é inviolável a liberdade de consciência e de crença, e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. A Constituição determina, ainda, que ninguém seja privado de direitos por motivo de crença religiosa.
Além disso, desde 2022, Santa Catarina tem a Lei Estadual de Liberdade Religiosa. Segundo o estatuto, é vedado ao Estado interferir na realização de cultos ou cerimônias sob pena de responsabilização administrativa aos agentes públicos. Impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso pode gerar multa de até R$ 10 mil.
O que diz a PM
Sobre o episódio de São José, a PM se manifestou por nota. O 7º Batalhão teria sido chamado para atender uma ocorrência de “perturbação ao sossego”, e que a solicitação partiu de moradores.
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Segundo a nota, “durante o atendimento foi verificado que se tratava de uma residência, utilizada como um templo religioso”, sem identificação e que “foi constatada à perturbação do sossego”. A Polícia Militar nega que tenha pedido a interrupção do culto e que as infrações registradas foram de desobediência e desacato.
*Sob supervisão de Luana Amorim