*Por Katherine J. Wu

O Giro do Pacífico Sul é um nada no oceano. É o ponto marítimo mais distante de qualquer porção de terra, tão desprovido de nutrientes, de vida e até mesmo de poeira continental que é considerado “o ponto mais morto do oceano”, disse Steven D’Hondt, geomicrobiólogo da Universidade de Rhode Island.

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No entanto, cerca de seis mil metros abaixo da superfície desse deserto aquático, as criaturas microscópicas não só encontraram uma maneira de ganhar a vida, mas também conseguiram resistir à inospitalidade por muitos milhões de anos.

Em um artigo publicado recentemente na revista “Nature Communications”, D’Hondt e seus colegas descreveram o renascimento notável de uma pequena população de micróbios que pode ter passado os últimos 101,5 milhões de anos dormindo em um abrigo sob os sedimentos bem abaixo do giro – apenas para serem despertados em laboratório.

Se confirmados, esses micróbios podem estar entre os organismos vivos mais antigos já encontrados. Gerados na época em que os dinossauros não aviários ainda habitavam a Terra, essas células em hibernação podem ter ficado em descanso enquanto os continentes formavam a atual configuração, as primeiras gramíneas do globo emergiam e nossa linhagem de hominídeo dava os primeiros passos para andar ereta.

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Essa longevidade é improvável, e até mesmo matematicamente impossível dentro das restrições de alguns modelos, de acordo com Yuki Morono, microbiologista da Agência Japonesa para Ciência e Tecnologia da Terra e do Mar (Jamstec) e autor do estudo: “Nenhuma microbiologia teórica é capaz de explicar isso. Mas nós o encontramos.”

Outros cientistas já haviam desenterrado micróbios dormentes de ambientes hostis no fundo do mar. Esmagadas por quilômetros de água e lama, sem comida, luz solar e calor, as células se adaptam ou perecem. Aquelas que se adaptam conseguem, às vezes, evitar a morte simplesmente oscilando à beira dela.

Os cientistas acham que os micróbios paralisam seu metabolismo para que consigam sobreviver com as escassas partículas de comida que existem em seu ambiente. Alguns profissionais da área chamam essa estratégia de “a via lenta da vida”, comentou Nagissa Mahmoudi, geomicrobióloga da Universidade McGill que não participou do estudo. “Eles realmente não estão prosperando; estão apenas aguentando”, observou ela.

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(Foto: IODP / JRSO via The New York Times)

Mas a relativa raridade dessas células tornou difícil determinar quanto tempo realmente pode durar esse estado de animação quase suspenso. Assim, uma equipe liderada por Fumio Inagaki, também da Jamstec, partiu para o sul do Oceano Pacífico, no outono de 2010, e perfurou profundamente os sedimentos. Ao longo de eras, a lama se acomodou em camadas, como uma pilha cronológica de panquecas. As mais recentes adições estão situadas mais próximas do fundo do mar; a mais antiga, cerca de 75 metros abaixo do fundo do oceano, foi formada há cerca de 101,5 milhões de anos.

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Até mesmo Morono estava cético em relação a encontrar vida na parte mais antiga do núcleo sujo e pobre em nutrientes que a equipe extraiu. Lá embaixo, pedaços de argila estão sob tanta pressão que o espaço entre eles é menor do que a largura total de uma célula bacteriana. “Você fica preso no sedimento e não consegue se mover. Não consigo sequer imaginar um ambiente tão hostil para o ser humano”, disse.

Mas, à medida que ele continuou colhendo amostras cada vez mais antigas, ficou claro que havia micróbios em todos os lugares.

O trabalho não foi fácil. Para evitar confundir demais as frágeis células, Morono tentou replicar o habitat delas da melhor maneira possível. Isso significava passar até dez horas por dia trabalhando em uma sala refrigerada a -45 ºC, coberto da cabeça aos pés, enquanto alimentava os organismos com pedaços de comida quimicamente rotulada.

Morono acreditava que, depois de milhares, se não milhões, de anos presos na lama, os micróbios demorariam a crescer. Mas, em apenas alguns dias, alguns dos germes grogues começaram a se dividir. Por quase dois anos, os pesquisadores observaram seus espécimes crescerem; 557 dias depois, muitas comunidades de pequeninos soldados ainda estavam sendo formadas.

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A vivacidade dos micróbios recentemente descoberta sugere que, por milhões de anos, eles estavam “apenas esperando até que as condições melhorassem”, segundo Virginia Edgcomb, geomicrobióloga do Instituto Oceanográfico Woods Hole, que não participou do estudo.

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(Foto: IODP / JRSO via The New York Times)

É difícil determinar a idade de cada célula, acrescentou Edgcomb. Algumas podem ser tão antigas quanto o sedimento em que estavam; outras podem ser a progênie de seus ancestrais. Levando em consideração a provável escassez da dieta dos micróbios, D’Hondt suspeita que sua reprodução provavelmente era rara. Isso torna ainda mais notável o fato de que, mesmo depois de milhões de anos apenas esperando, as células “jogaram e festejaram”, comentou.

Mesmo micróbios mais antigos podem estar presentes em sedimentos no fundo do mar ainda não testados, que podem ter até 200 milhões de anos. Os cientistas com foco no futuro podem achar esses espécimes úteis e confiáveis – incluindo aqueles que buscam por vida extraterrestre.

“Isso abre uma caixa de Pandora completa para encontrar vida em outras partes do universo. Parece que, em todos os lugares a que vamos, encontramos vida”, observou Mahmoudi.

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