A história comovente, elenco conhecido, diretor renomado e, claro, as três indicações ao Oscar. Não faltam fatores que expliquem o sucesso de Ainda Estou Aqui nos cinemas do Brasil. Em Santa Catarina, não é diferente: o filme já arrecadou mais de R$ 3,5 milhões desde a estreia, em 7 de novembro do ano passado, o que faz dele a quarta maior bilheteria de um filme nacional no Estado desde 2001, de acordo com dados da Comscore.
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Enquanto filmes de comédia e temática religiosa dominam o top 20 das bilheterias nacionais em Santa Catarina (veja abaixo), Ainda Estou Aqui se destaca como o único drama na lista. Sua trajetória impressiona: já são 15 semanas consecutivas em cartaz, com mais de 170 mil espectadores. Em três cinemas de Florianópolis, o filme estabeleceu o recorde de maior tempo em exibição.
As maiores bilheterias em SC
Diferentemente do que costuma acontecer com outros filmes, que têm um pico de espectadores na estreia e depois vão decaindo, o longa de Walter Salles vem conseguindo manter o interesse do público. Ao longo das semanas, foi tendo impulsos significativos em sua bilheteria após a vitória no Globo de Ouro e as indicações ao Oscar e, mais recentemente, a promoção Semana do Cinema, que ofereceu ingressos a R$ 10 em todo o país.
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Esses eventos também ajudaram a consolidar o longa como um “filme-evento”, a exemplo de estreias como Avatar (2009) e Barbie (2023). Algo raro para produções nacionais.
— Ainda Estou Aqui se tornou o assunto do dia. Quando você tem algo assim, pessoas que não iam ao cinema passam a frequentar as salas para não ficar de fora das conversas — diz Marcos Barros, presidente da Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas (Abraplex).
Confira o número de espectadores que assistiram o filme em SC por semana
O público redescobrindo o cinema
O fenômeno atraiu um público amplo aos cinemas, de diferentes classes e perfis, algo incomum para filmes nacionais, que tradicionalmente dependem de nichos específicos. Felipe Didoné, dono do Paradigma Cine Arte, de Florianópolis, destaca que esse tipo de produção independente costuma enfrentar mais dificuldades no Sul do Brasil em relação a outras regiões.
— Normalmente, os filmes nacionais têm bilheteria menor do que os estrangeiros. No entanto, há exceções, e Ainda Estou Aqui é a maior delas, pelo menos para o Paradigma, que não exibe comédias populares nacionais — afirma.
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Ainda Estou Aqui também chama a atenção pela abordagem de um tema sensível para a sociedade brasileira: a ditadura militar. Ao mostrar as consequências do autoritarismo pelo ponto de vista de uma família, o filme consegue dialogar com um público diverso, que poderia torcer o nariz caso o formato fosse mais amplo.
Na opinião do cineasta catarinense Zeca Pires, o filme já é um marco para o cinema brasileiro:
— O principal de tudo é a história do filme. É uma história que precisa ser recontada e lembrada. Porque, por exemplo, a geração que tem hoje 40 anos, muitas dessas pessoas estavam defendendo a ditadura sem saber o que é uma ditadura. E o filme não deixa esquecer disso. Essa questão histórica e identitária é muito importante.
Mas é importante que Ainda Estou Aqui não seja um caso isolado. Marcos Barros lembra que, após a pandemia, o cinema brasileiro ainda enfrenta desafios para se recuperar.
— O streaming cresceu muito, e a infraestrutura para produzir filmes ainda é a mesma do pré-pandemia. A cada ano a gente vem recuperando a quantidade de filmes e de público. Acredito que até o ano que vem, ou no máximo até 2027, a gente já tá nos mesmos níveis do pré-pandemia — defende.
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Saiba mais sobre a campanha de Ainda Estou Aqui no Oscar
O que falta para o impacto ser duradouro
Marcos Barros defende a existência de políticas de governo estáveis e de longo prazo para que a indústria audiovisual brasileira possa crescer. Ele cita o exemplo da Coreia do Sul, onde medidas de longo prazo transformaram o cinema local em um fenômeno global, culminando com o sucesso de Parasita (2019) entre público e crítica.
Para ele, o Brasil tem talentos e infraestrutura, mas falta uma política que dê previsibilidade e incentive a produção de mais filmes como Ainda Estou Aqui.
— Hoje, a Coreia vende quase tanto audiovisual quanto os Estados Unidos. Isso é resultado de uma política de longo prazo — diz Barros.
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O cineasta catarinense Zeca Pires ressalta o potencial que filmes nacionais têm de gerar identificação com o público local. Seu longa A Antropópologa (2011), por exemplo, que é ambientado em Florianópolis, ficou três meses e meio em cartaz nos cinemas da Capital.
Em Santa Catarina, há graduações em cinema que formam profissionais qualificados, mas ainda falta uma união entre a classe artística e o governo para pleitear maior exibição de produções locais, segundo ele. Ele cita o exemplo do cinema pernambucano, que produziu longas aclamados nacionalmente e internacionalmente, como Aquarius (2015) e Bacurau (2019), ambos de Kleber Mendonça Filho.
— O cinema pernambucano teve uma grande evolução em função da verba que o governo jogou na produção. A quantidade ajuda na qualidade também — defende.