Cultura organizacional leve, flexibilidade, respeito, voz ativa do trabalhador e, por último, — mas não menos importante —, o ambiente não pode ser tóxico. É assim que Sophia Onofre Martins descreve as características que procura em um emprego atualmente. Aos 17 anos, ela faz parte dos 299 mil catarinenses da geração Z que estão, no momento, apenas estudando. Apesar do foco total ser na graduação em Administração Empresarial, na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), Sophia já está decidida sobre o ambiente de trabalho que busca no primeiro emprego. 

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A jovem mora em Florianópolis e não quer aceitar qualquer emprego que não preencha certas condições — assim como outros jovens da geração Z, que nasceram a partir de 1995 até 2010, também decididos a buscarem trabalhos que incluam valores que eles não abrem mão, como a saúde mental, por exemplo. Foi-se o tempo em que quem busca entrar no mercado de trabalho achava que “ser profissional era aguentar tudo”, como conta a especialista em geração Z, Thaís Giuliani. 

Como um grupo de pessoas que nasceram já na era digital, profissões relacionadas à tecnologia são cada vez mais procuradas por esses jovens. Mas, mais do que isso, a geração Z também busca áreas que se envolvam com sustentabilidade, respeito à diversidade e inclusão, e que permitam deixar uma “marca no mundo”. 

Para Thaís, há uma visão distorcida sobre esses jovens, principalmente em relação a características voltadas para as “exigências” conferidas nas escolhas de um bom emprego nos dias atuais. Segundo ela, há vários estereótipos sobre esse grupo de profissionais, conhecidos como pessoas que não querem trabalhar e, muito menos, alcançar cargos de liderança. Porém, Thaís explica que não é bem assim. 

— A geração Z valoriza um emprego que não vá prejudicar a saúde mental e a qualidade de vida. As gerações anteriores eram extremamente workaholics, viviam e aceitavam ambientes tóxicos, não falavam nada — conta.

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Ser workaholic significa trabalhar demais ou, em palavras mais simples, ser viciado em trabalho e, muitas vezes, colocar um emprego acima da saúde, da família e da vida social. A geração Z não possui esse tipo de característica. Pelo contrário: ambientes que exijam esse tipo de sacrifício assim não são mais aceitos. 

Sophia não quer um emprego em que a palavra do chefe seja inquestionável. Ela quer poder fazer conexões e viver experiências, sem deixar a remuneração de lado. Porém, ela conta que percebe que um salário alto, em um primeiro momento, não está na lista de prioridades. Convivendo com jovens da mesma idade, ela vê esse comportamento sendo cada vez mais comum, em que “as pessoas, hoje em dia, estão valorizando mais um ambiente de trabalho saudável do que um salário alto”.

Flexibilidade e ambiente saudável a relação da geração Z de SC com o ambiente de trabalho
Estudante de Administração Empresarial, Sophia Onofre quer trabalho com flexibilidade, voz ativa e cultura organizacional leve (Foto: Patrick Rodrigues, Santa)

Qualidade de vida é prioridade

Esse comportamento não está presente apenas na bolha de amigos de Sophia. Atuante no recrutamento e seleção de jovens, Julia Fabião explica que a valorização de uma melhor qualidade de vida frente a um salário mais vantajoso, está cada vez mais frequente nos perfis de candidatos com quem ela se depara. Isso quer dizer que ter uma carga horária menos exaustiva, por exemplo, sem jornadas nos fins de semanas, são mais procuradas, enquanto vagas em supermercados ou shoppings acabam sendo rejeitadas, mesmo que paguem um pouco mais.

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Para ela, essa visão está atrelada ao fato de que as últimas gerações, como os pais deles, por exemplo, “sofreram muito no mercado de trabalho, e muitas delas estão desempregadas hoje também”. 

— As gerações antigas sofreram muito para conquistar uma forte experiência profissional, uma boa qualificação, com um excelente currículo e, hoje, estão desempregadas, ou não estão onde gostariam de chegar. A geração Z vê isso e não quer repetir esse mesmo sacrifício, esse mesmo esforço que as outras gerações passaram — explica.

Para Valentina Abreu, de 22 anos, que faz parte das 357 mil pessoas da geração Z de Santa Catarina — cerca de 21,4% do total — que estudam e trabalham, mudar de emprego em que a jornada era 6×1, ou seja, com jornada aos sábados, foi libertador. Atualmente, ela estuda Direito e faz estágio no Fórum de Santo Amaro da Imperatriz, mesma cidade em que reside, na Grande Florianópolis. 

Jovens mais pobres não tem tanta escolha

Mas nem sempre foi assim. A jovem era funcionária de uma empresa de produtos de limpeza e papéis, começando como balconista e depois sendo promovida para auxiliar administrativo. Antes do estágio, trabalhava o dia inteiro e, à noite, ia para faculdade. Depois, com o estágio, passou a trabalhar somente quatro horas por dia.

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— Hoje consigo ir para academia com tranquilidade, sem precisar estar correndo, consigo aproveitar mais o fim de semana com a família e amigos. Então, para mim, apesar de agora receber menos, ir para o estágio trouxe mais pontos positivos para o meu aprendizado e também para a minha vida como um todo — pondera. 

Entretanto, Thaís alerta para a generalização. Ela conta que há, no senso comum, um rótulo para essa geração a partir de um recorte de um nível socioeconômico alto, como se receber um salário não fosse mais tão importante assim. Para a especialista, colocar a geração Z em uma caixinha, quando se trata de uma geração tão diversa, é um erro. 

Ela aponta que os jovens da geração Z que possuem um padrão de vida mais baixo vão buscar empregos que possam auxiliar no sustento de casa, mesmo que isso signifique se submeter a ambientes considerados mais tóxicos. Isso porque as oportunidades, tanto para conseguir um trabalho quanto para continuar nos estudos, são menores. 

É o que mostra Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) de 2023, com destaque para o número de jovens em situação de pobreza no Brasil. No ano da pesquisa, cerca de 30% de brasileiras e brasileiros entre 15 e 29 anos, o que correspondia a 14,7 milhões, estavam nessa situação. 

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Quase metade dos jovens que faziam parte de famílias pobres no país não estudava e nem trabalhava. Já entre os 10% mais ricos, apenas 7,1% haviam abandonado os estudos e não estavam empregados. Para os que estão nessa última situação citada, o termo “nem-nem (nem estuda, e nem trabalha), se popularizou em termos de caracterização da geração Z, mas a especialista Thaís Giuliani discorda desse tipo de estereótipo.

— O jovem da geração Z que tem um nível socioeconômico baixo está estudando, está trabalhando. Então, como é que você pode dizer que a geração Z é nem-nem? Esse tipo de rótulos que são criados acaba fomentando o conflito, ao invés de nós trabalharmos juntos e criarmos um ambiente colaborativo, onde todas as gerações podem ajudar, aprender e ensinar umas às outras — diz. 

Em Santa Catarina, a última pesquisa PNAD Contínua Educação 2024 também mostra que os jovens “nem-nem” não são maioria no estado. Do 1,67 milhão de catarinenses com idade de 15 a 29 anos, 181 mil, o que corresponde a cerca de 10,8% , não estavam ocupados e nem frequentando a escola ou cursos técnicos, pré-vestibulares ou de qualificação profissional. A proporção é a menor do país. 

Preconceito e desafios enfrentados 

Apesar de se mostrar uma geração aberta às possibilidades, a busca pelo emprego ideal não tem sido fácil para os jovens da geração Z. A recrutadora Julia conta que esse grupo de pessoas é tratado, muitas vezes, como o problema do mercado de trabalho. 

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Isso porque ela já ouviu por diversas vezes clientes que pedem que os novos funcionários sejam pessoas “um pouco mais velhas” ou, de forma mais direta, “não seja dessa geração”. Porém, muitos dos problemas atribuídos à geração Z, como a alta rotatividade, são, na verdade, situações que acontecem em todas as gerações, como conta Julia. 

— Hoje se fala muito da questão de que essa geração não para em lugar nenhum. Fica dois, três meses em um emprego. Realmente, a nova forma de trabalho tem sido direcionada para esse caminho de uma maior rotatividade, menos tempo nos locais, mas não é uma característica que só a geração Z está tendo — reflete.

Para a recrutadora, os empresários que ainda possuem uma visão “muito arcaica”, que dificulta o diálogo e de certa forma exclui candidatos que sejam da geração Z, podem acabar “ficando para trás”, pois “não é possível ir contra o avanço do mundo”, com as novas tecnologias.

— É a primeira vez no mercado de trabalho que cinco gerações trabalham juntas, tanto pela questão de que as pessoas estão entrando mais jovens, quanto pela questão da mudança da aposentadoria — conta. 

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Porém, Julia percebe que a geração Z ainda possui algumas dificuldades na hora de encontrar o primeiro emprego, principalmente nas entrevistas. Ela vê cada vez mais jovens demonstrando dificuldades nas conversas com os recrutadores, sendo “muito tímidos” e perdendo habilidades sociais por passarem muito tempo na internet e esquecendo da vida real. Muitos não sabem dizer nem o que gostam de fazer no tempo livre, por exemplo, segundo Julia. 

Independência do diploma

Com as exigências de um local de trabalho mais confortável vêm a necessidade de uma maior qualificação. Entretanto, a relação que a geração Z possui com os estudos é diferente, segundo a especialista Thaís. Com o acesso à internet, as formas de se obter conhecimento estão mais amplas, com cursos de curta duração disponíveis de forma gratuita na web. 

Conforme Thais, as gerações anteriores se dedicavam mais aos estudos, com a universidade sendo praticamente o único canal de disseminação de conhecimento. Hoje em dia, no entanto, as coisas mudaram. 

— A geração Z já começa a ter uma visão um pouco diferente. Ela começa a ver que, num futuro breve, a faculdade já não vai ser mais tão necessária. Existem alguns conhecimentos específicos, técnicos que são muito mais importantes do que isso — diz. 

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Gustavo Mello, de 17 anos, ainda não tem essa percepção. Para ele, que é muito ligado ao setor de tecnologia e pretende fazer uma faculdade na área, ter um diploma universitário ainda é importante. 

— Dá para conseguir ter uma vida boa sem o diploma, mas o diploma ajuda bastante — reflete. 

Flexibilidade e ambiente saudável a relação da geração Z de SC com o ambiente de trabalho
Gustavo Mello, de 17 anos, acredita na importância do diploma, mas usa a tecnologia para aprender de forma autônoma (Foto: Arquivo pessoal)

Sophia também tem uma opinião parecida. Ela não vê a graduação como uma garantia de se ter um emprego, por exemplo, mas acha que “é o caminho mais seguro”. Entretanto, a estudante também percebe que só a graduação não basta, mas que, pelo menos na área em que ela pretende atuar, continuar estudando será necessário. 

É o que Valentina Abreu, de 22 anos, pretende fazer quando terminar a faculdade de Direito. Ela reconhece que uma pós-graduação será necessária para que ela possa se “diferenciar dos outros” no mercado de trabalho. A estudante, por outro lado, já não vê que um diploma seja tão importante quanto antes, já que “isso não define” o sucesso na carreira, segundo Valentina. 

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Gustavo pretende fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), principal meio de ingresso em universidades públicas, neste ano, mas ainda como treineiro, ou seja, ainda sem ser pra valer. Ele conta que começou a estudar recentemente para a prova, e que as habilidades que possui com a tecnologia têm o ajudado. 

— Tendo o celular, eu consigo ter acesso mais facilmente aos estudos, pesquisar uma vídeo aula no YouTube, em sites… Acho que ajuda bastante ter a internet nesse momento — conta.

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