Na estreita rua Luís de Camões, fica um prédio histórico por vezes confundido com igreja. Há quem se benza diante das cruzes que ornamentam a fachada, sem perceber que a liturgia ali está ligada à literatura. Inaugurado pela Princesa Isabel, o prédio de estilo neomanuelino, em pedra lavrada, no centro do Rio, abriga o Real Gabinete Português de Leitura desde 1887, quando português se grafava com “z”. Sem dúvida, vale a visita. Mas de longe também se pode conhecer uma parte especial de seu acervo, único no País.
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Na página da instituição na internet (www.realgabinete.com.br) estão disponíveis obras raríssimas, datadas em sua maioria do século 19, digitalizadas. Amantes de literatura e da língua portuguesa se deliciam com manuscritos do romancista Camilo Castelo Branco de seu livro mais conhecido, Amor de Perdição (1862) e do Dicionário da Língua Tupy, de Gonçalves Dias (1858). Uma boa amostragem da correspondência pessoal de Castelo Branco também foi para a rede.
Estudiosos de áreas diversas têm acesso fácil a documentos mandados da colônia a Dom João 6º em 1817, cartas régias assinadas pelo Marquês de Pombal, do século anterior, textos de Padre Antonio Vieira, diplomas, ofícios, decretos, aquarelas, desenhos a bico de pena, além de atas de reuniões do Real Gabinete.
As homenagens, no Brasil, por ocasião do tricentenário da morte de Camões, em 1880, foram assunto de uma série de cartas. São mais de 1,5 mil itens contemplados. Com um zoom, mais do que observar a grafia e o léxico de tempos idos, é possível chegar aos detalhes desses papéis, ver ranhuras, marcas do tempo. Foi para tentar diminuir esse impacto do passar dos anos que o projeto foi criado.
Dinheiro
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O trabalho ainda está em andamento: falta digitalizar, por exemplo, as Ordenações de D. Manuel, de 1521, e os Capitolos de Cortes e Leys Que Sobre Alguns Delles Fizeram, de 1539. Para tanto, será preciso dinheiro – algo difícil de se ver por lá.
– Como nos mantemos? Por milagre. Não temos receita própria nem recebemos recursos de governos. Temos cinco mil associados, sendo 200 só os que pagam, e R$ 30 por mês. Tudo é com patrocínio – conta o presidente, citando associados ilustres: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e membros da Academia Brasileira de Letras (ele têm o privilégio de levar livros para casa).
Para fazer a digitalização, ele conseguiu R$ 40 mil com a fundação portuguesa Calouste Gulbenkian. Na próxima visita do presidente desta, inclusive, seu Antonio vai aproveitar para pedir mais verba, para a etapa seguinte do projeto.