É através de laboratórios de pesquisas que os conteúdos se transformam em peças. A cada ensaio, cada apresentação, corpos pretos e suas narrativas vão, aos poucos, ganhando espaço, despertando a conscientização e, também, impactando de maneira positiva a todos que têm a oportunidade de assisti-los. O Laboratório de Pesquisa e Formação em Teatro Negro intitulado Dengo, em Blumenau, é dividido em duas partes. A primeira com ênfase na formação de pessoas com ou sem experiência na área do teatro e a segunda com foco na produção de espetáculos voltados à temática negra.
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— Tudo começa pela fagulha do laboratório, porque quando a gente se olha, a gente entende. Poxa, a gente quer se formar, a gente quer entender mais sobre o teatro negro. E aí, a gente não tem, então a gente vai começar a fazer isso, nós mesmos — diz Taly Lima, fundadora e coordenadora Grupo Dengo.
A escolha do nome não foi à toa. Dengo na língua africana quicongo significa doçura, carinho e atenção. E o grupo cumpre com esse propósito de acolhimento para artistas pretos dentro da cena da arte de Blumenau.
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— A gente traz esse processo de formação intelectual, mas também um lugar afetuoso, o lugar do aquilombamento, o lugar da referência, do reconhecimento dessas pessoas. Dengo vem dessa linha desse reconhecimento e acaba nesse acalento, né? Porque a gente também identifica que as pessoas negras muitas vezes nesse território são muito afastadas das suas origens, muito afastadas de si mesmas. Então, o Dengo vem com esse propósito de encontro. De te dar um colo, te dar um aconchego, te dar um abraço — compartilha Natele Peter, que também é fundadora e coordenadora Grupo Dengo.
Dramaturgia negra
No seu segundo ano de existência, o grupo trabalha na linha da Dramaturgia, na linha Corpo, Interpretação e Direção, e para isso traz pessoas referências da área, pessoas negras, formadas, doutoras e grupos renomados em Santa Catarina para formar novas pessoas.
No primeiro ano, o local onde aconteceram os laboratórios foi o campus da FURB, e na ocasião cerca de 15 pessoas participaram. Já nesse ano, através do projeto Cena Catarina, promovido pela Cia Carona, o grupo ocupou o Teatro Carlos Gomes e contou com uma média de 30 pessoas participando desse processo formativo e, ao final das pesquisas realizou uma mostra, preenchendo os 200 lugares do auditório desse mesmo teatro.
— Eu acho que a importância da gente estar aqui nessa cidade, ocupando essa cidade, é justamente essa, de qualquer outra pessoa negra, de qualquer idade, que se sinta acolhido e se reconheça também. Foi muito bonito ver as crianças negras pequenas vendo o palco com 30 pessoas negras, apresentando, contando suas histórias, fazendo teatro, e se vendo reconhecidas ali, sabe? Eu acho que a luta sempre foi sobre isso, sobre dignidade, sobre espaço, sobre ser reconhecido na sociedade como outro corpo capaz — continua Taly.
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O trabalho mais recente do grupo é o espetáculo Giz, que conta a história de três crianças negras. Entre brincadeiras e conversas elas compartilham entre si, o medo e a alegria de crescer em uma sociedade que evidencia as diferenças entre os que têm e os que não tem. As marcas deixadas pela passagem do tempo que não volta, surpreendem os pequenos moradores da Rua Benguela. Uma história que reflete problemas raciais e da sociedade.
— O Giz é todo construído por nós: texto, dramaturgia, cenário, tudo é construído por nós. E daí a gente percebe nesse espetáculo construído, que a gente não está falando só sobre crianças, não está só falando sobre passagem de tempo, a gente não está só falando sobre problema social, a gente está falando sobre problema racial mesmo, mas a plateia só se dá conta no final. É bom para mim hoje o Giz poder falar, poder usar o Giz para falar sobre memória, sobre infância, sobre amor, sobre esperança, sobre felicidade — comemora Allan Antonio, que é ator convidado.
Quem participa dos laboratórios de formação, das peças de teatro ou também para quem assiste o resultado de tudo isso, tem a possibilidade de se reconectar. Resgatar a negritude presente dentro de si através da arte.
— Eu acho que essa é a maior importância que a gente tem, de que outras crianças e outras pessoas entendam que a arte é sim uma possibilidade. Porque assim como na filosofia Sankofa, quando a gente fala sobre olhar para o passado para construir um futuro, acho que o maior ensinamento é isso: a gente precisa reconhecer as nossas raízes e se fortalecer nessas raízes para continuar trilhando novos caminhos, novas possibilidades — conclui Taly.
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Projeto celebra a história negra
*Texto de Vitor Léxon, da NSC TV
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