Em Brusque, no Vale do Itajaí, o Natal tem um guardião. Aos 86 anos, Paulo Demarche transforma o jardim de casa em um enorme presépio, que vira atração para moradores e turistas. São semanas de dedicação para montar cada detalhe: as peças de concreto, as árvores enfeitadas e os caminhos iluminados que anunciam a espera pelo nascimento de Jesus. Tudo começa em outubro, quando o início das mudanças no espaço sinaliza que a magia está por vir. No primeiro domingo do Advento, as luzes se acendem e, aos poucos, os olhares curiosos começam a aparecer do outro lado da cerca.

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— Todo mundo em Brusque conhece o seu Paulo Demarche — afirma a vizinha Ariane Hingst.

Com um bebê no colo, na calçada em frente à residência de Paulo, Ariane conta que o passeio de fim de tarde na rua residencial Vitório Demarche ganha um brilho a mais nesta época do ano. Hoje, é o filho dela quem se encanta com o cenário, mas no passado era ela, ainda criança, quem percorria a via de lajotas ansiosa para apreciar não só o presépio, mas principalmente as guloseimas que seu Paulo distribuía.

Este é o 27º ano que o idoso monta o presépio. Se a saúde permitir, o plano do determinado católico é repetir a ação até o fim da vida. Antigamente, com mais disposição, até se vestia de Papai Noel e contava com a ajuda de vizinhos para distribuir balas, mas agora o gesto tem menos pompa. Porém, nem de longe perdeu o significado.

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Quem para na frente da cerca para contemplar o presépio é sempre abordado pelo morador, que chega segurando um cesto abarrotado de doces. Não importa a idade, ninguém sai dali de mãos vazias. Pipoca e bala são itens garantidos pelo anfitrião, que espera cada visitante sentado perto do portão diariamente, normalmente a partir das 19h. As luzes se apagam no fim da noite, entre 22h e 23h.

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Não há patrocínio. Cada lâmpada, cada objeto do jardim de fé e cada bala que oferece são pagos com o dinheiro do próprio bolso. Figuras conhecidas, como o empresário Luciano Hang e políticos locais, já visitaram e homenagearam o morador, mas ele garante que não aceita um centavo sequer dos outros. O aposentado não quer dar motivos para falatório e nem dever satisfação a ninguém. Faz porque gosta e por acreditar que é preciso lembrar o verdadeiro sentido do Natal:

— A peça principal é Jesus, não os presentes —.

O menino Jesus, inclusive, só é inserido no cenário no dia de Natal. Depois, já no dia 28, passada data, Paulo começa a desmontar a “estrebaria”. As peças são milimetricamente guardadas para serem usadas novamente no próximo ano. Nessas décadas, os objetos usados foram praticamente os mesmos, tamanho o cuidado que o dono tem.

Gerações

Além da organização impecável e mania por limpeza, seu Paulo é descrito como uma pessoa extremamente honesta. Criou os quatro filhos junto com a esposa Erika Demarche, de 85 anos, de forma simples, com o suor do trabalho como jardineiro durante o dia e operário na tradicional fábrica de tecidos Carlos Renaux à noite. Uma das filhas, Schirlei Demarche, mora nos fundos do terreno da casa dos pais e se tornou o braço direito do patriarca.

Ela conta que a tradição o acompanha desde cedo. Vindo de uma família de católicos que rezava antes de abrir os presentes e montava pinheiros de verdade a cada Natal, Paulo fez questão de manter viva a celebração do nascimento de Cristo e de repassar esse espírito para os filhos. Quando eram pequenos, ele os levava para distribuir balas pelas ruas. Hoje, é Schirlei quem acompanha o pai nas compras dos doces e na montagem de tudo. Seu Paulo é o protagonista da “missão presépio”, mas conta com as mulheres da vida dele para fazer tudo acontecer.

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Casado há mais de 60 anos, garante que o respeito mútuo é o segredo da relação duradoura. Já o segredo para tanta energia — a ponto de montar um presépio com grandes peças de concreto — nem ele sabe dizer qual é. Grato a Deus pela saúde e disposição, Paulo permite a moradores e turistas uma pausa em meio a tempos de pressa e consumismo. Uma lembrança de que o Natal é, antes de tudo, encontro e fé.