O lixo gerado por 14 cidades catarinenses pode deixar de ir para o aterro sanitário e ganhar sobrevida. O projeto milionário é do Consórcio Intermunicipal do Médio Vale do Itajaí (Cimvi) e começou a sair do papel com o apoio dos governos estadual e federal. A entidade está construindo um complexo para transformar resíduos até então sem reciclagem em novos produtos, que vão desde placas até biogás.

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O aterro localizado no Parque Girassol, em Timbó, recebe atualmente cerca de 230 toneladas de lixo convencional por dia vindos desses 14 municípios. Tudo é compactado e coberto por terra, dando fim à vida útil de muita matéria-prima e ainda gerando um passivo ambiental. Mas a ideia é que quando a estrutura estiver completamente pronta, em 2025, todo material tenha algum reaproveitamento.

O lixo reciclável com maior valor de venda que chegar através da coleta convencional vai para a cooperativa que existe hoje no local, onde já é recebido o material da coleta seletiva. O restante vira insumo. Já o material que chega misturado ao reciclável na coleta seletiva e que iria para o aterro, será encaminhado para a separação no futuro complexo, explica o diretor do Cimvi, Fernando Tomaselli. 

Conforme o projeto, o material orgânico, como os restos de comida e papel higiênico, vão para biodigestores e vão gerar biometano, um tipo de gás que será usado na geração de energia. O lodo resultante desse processo deve ser misturado à casca de arroz e podas de árvores para virar compostagem. O restante dos dejetos, como têxteis e plásticos, serão transformados em termoplástico e podem ser moldados de diferentes formas, como paver, tubos, meio-fio e até placas de trânsito.

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— A meta é pegar o que está indo para o aterro (ocupando espaço e gerando um passivo ambiental, em uma época que se discute vida útil de aterro e gera chorume para tratar o gás que está ali queimando na atmosfera) e transformar tudo em insumos para ser reaproveitado, seja em energia, compostagem, termoplástico ao ponto de não mandar nada para o aterro — frisa Tomaselli.

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Processo gradativo e foco nas prefeituras

O complexo foi projetado para processar 160 toneladas de lixo por dia, considerando profissionais atuando em dois turnos. Mas é possível ampliar, explica o diretor do consórcio. Segundo ele, o trabalho deve ocorrer de forma gradativa, considerando as áreas que forem ficando prontas primeiro e também o fato de que serão necessários ajustes de operação quando começar na prática o projeto.

Os consumidores do que for produzido a partir desse complexo serão as próprias prefeituras integrantes vinculadas ao Cimvi, mas nada impede que o excedente seja comercializado ao setor privado.

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— Isso tem um custo de operação. Então a venda dos produtos às prefeituras do consórcio tem que pagar o processo. E em, suma, esses produtos vão ficar mais baratos que o preço de mercado. Exemplo: o metro quadrado do paver para calçada custa cerca de R$ 40 Aqui, pelos nossos estudos, vai ficar em média 15% mais barato — diz o diretor, entusiasta da proposta.

Um convênio com o governo federal está destinando cerca de R$ 23 milhões ao projeto. O governo de Santa Catarina, por sua vez, investiu outros R$ 7 milhões. Além disso, o próprio consórcio vai desembolsar outros R$ 10 milhões para concluir o complexo. A ideia é que a estrutura gere receita suficiente para pagar os custos de manutenção e ainda gere novos postos de trabalho.

— As prefeituras pagam uma fortuna hoje para colocar o lixo em um aterro e tratar em estação de esgoto o chorume gerado por esse material. Com esse projeto, vai chegar o momento em que nós faremos uma curva inversa. De não precisar pagar e ainda gerar receita — defende Tomaselli.

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O projeto é viável na prática?

A resposta para a pergunta vem da prefeitura de São Bento do Sul. A cidade no Norte de Santa Catarina investiu cerca de R$ 10 milhões de recursos próprios para criar uma usina de lixo. O diretor-presidente do Samae, Osvalcir Peters, conta que 220 toneladas de lixo que iriam para o aterro do município mensalmente são utilizados para fabricação de materiais termoplásticos e geração de biogás.

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A prefeitura de São Bento do Sul coleta, em média, 1,3 mil toneladas de lixo ao mês e 34% desse volume é reciclado, grande parte disso através da coleta seletiva. A meta do município é dobrar o volume de material que deve deixar de ir para o aterro com a implantação do segundo turno das equipes na usina — até então era apenas um turno.

— O ganho é financeiro e ambiental, pois deixamos de enterrar lixo e aproveitamos ao máximo o lixo que não é lixo, conforme preconiza a Lei de Resíduos Sólidos Urbanos — afirma Peters.

Um desafio gigante — e milionário

Quase 80 milhões de toneladas de lixo são geradas por ano no Brasil. São restos de alimentos, de plantas, papelão, vidro, plástico, metais, roupas e calçados, elétricos e eletrônicos, lâmpadas e remédios que chegam diariamente aos aterros. Parece um caminho sem volta, mas um olhar detalhado revela que muitos recursos naturais foram consumidos e, por várias vezes, não há motivos para ter sido descartado.

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Mas o lixo ensacado que desaparece das portas das casas dos brasileiros representa um desafio gigantesco e milionário aos governos. Um estudo exclusivo feito pela Folha de São Paulo aponta que, em 2020, foram R$ 30,5 bilhões, majoritariamente de recursos públicos municipais, com coleta, transporte, triagem, aterramento e alguma reciclagem.

O número fica ainda maior quando somados os custos ambientais e climáticos da poluição com os respectivos danos à biodiversidade e à saúde humana: R$ 97 bilhões em 2020. O levantamento feito a pedido da reportagem evidencia que, se nada no atual modelo mudar, em 2050 esses custos indiretos da crise do lixo podem chegar a R$ 135,9 bilhões.

Cidades que compõem o consórcio

  • Apiúna
  • Ascurra
  • Benedito Novo
  • Botuverá
  • Doutor Pedrinho
  • Guabiruba
  • Ilhota
  • Indaial
  • Luiz Alves
  • Massaranduba
  • Pomerode
  • Rio dos Cedros
  • Rodeio
  • Timbó

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