Ele tinha uma carreira promissora no mercado financeiro na cidade mais rica de Santa Catarina. Mas decidiu mudar drasticamente o rumo da vida profissional e virar palhaço de hospital. João Pedro Moreira conta com entusiasmo sobre quando usou o nariz vermelho pela primeira vez, como voluntário de um projeto da universidade. Ali, percebeu a paixão por colocar sorrisos nos rostos dos pacientes.
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Não à toa, passados quase nove anos de quando isso tudo começou, ele ainda se emociona com as histórias de cada paciente. João revela um episódio recente em que entrou em um quarto no Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí, e se deparou com uma mulher inconsciente. Mesmo assim, cantou e brincou. Na semana seguinte, na visita de retorno, a encontrou recebendo alta.
— A filha disse que a mãe não abria os olhos, não falava, tudo por causa de um câncer. Cantamos para ela e a paciente abriu os olhos. Nosso trabalho tem esse poder. Dias depois a encontramos deixando o hospital. A mulher brincou e cantou com a gente. Há, sim, cura no sorriso. — conta.
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João Pedro deixou a pequena cidade de Valente, na Bahia, com cerca de 25 mil habitantes, em 2014, e foi morar em Navegantes, no Litoral Norte de Santa Catarina. No ano seguinte, entrou para a faculdade de Engenharia de Produção. Durante o curso conheceu o projeto “Terapeutas da Alegria”, da Univali, que leva momentos de descontração para unidades de saúde de Itajaí.
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Desde 2016, quando coloca o jaleco e o nariz vermelho, vira o Doutor Matias Sôrrisal Ladainha, um renomado bobologista com intercâmbio em HAHAHAVARD. Nesse tempo, se formou, mas também fez cursos para se tornar o melhor palhaço hospitalar possível, afinal aquilo tinha se tornado uma paixão.
Ele se formou, mas optou por não trabalhar na área. Foi para uma empresa onde queria ser assessor de investimentos. As habilidades técnicas e também a capacidade de empatia com os colegas lhe renderam duas promoções rapidamente e, quando se deu conta, estava gerenciando uma equipe de 50 pessoas com treinamento e desenvolvimento na área de recursos humanos.
O salário era bom, acima do mercado inclusive, com direito a participação dos lucros e bons benefícios, mas faltava algo que só sentia ao cruzar a porta do hospital. Até que em 2024 passou para integrar o primeiro curso de pós-graduação em Palhaçaria Hospitalar do mundo, oferecido em Curitiba, no Paraná.
— Ali foi uma virada de chave — afirma.
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Profissão palhaço hospitalar
A palhaçaria hospitalar ainda é uma novidade no Brasil enquanto profissão. Isso porque está atrelada geralmente a projetos desenvolvidos por voluntários, sem formação específica e sem remuneração. A ideia da Escola de Palhaçaria Hospitalar, idealizada pelo ator, palhaço e professor Marcelo Marcon, é profissionalizar os palhaços em hospitais, integrando técnicas artísticas com fundamentos de saúde.
O objetivo é que palhaço hospitalar vire uma profissão como é hoje o palhaço de circo e de teatro. Ou até mesmo como a profissão de musicoterapeuta, reconhecida oficialmente há 15 anos.
Atualmente, são poucos os dados sobre os efeitos obre os efeitos do sorriso na qualidade de vida dos pacientes, acompanhantes e até mesmo das equipes de saúde. A expectativa é que com uma especialização na área seja possível avançar nas pesquisas dos reflexos desse trabalho. Mas enquanto isso, a ciência já aponta bons motivos para o trabalho dos palhaços dentro dos espaços de saúde:
Sorrir libera endorfina, o hormônio do bem-estar, reduz a ansiedade, fortalece o sistema imunológico, reduz os riscos de problemas cardíacos, ajuda a limpar os pulmões e aumenta a atividade do organismo.
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— A ideia foi justamente criar diretrizes para profissionalizar essa função tão nobre que é fazer o outro se alegrar e sorrir. É fundamental ter esse olhar humano e de solidariedade para quem está dentro dos hospitais, clínicas e casas de repouso — afirma Murilo Karasinski, professor da Escola de Educação e Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Mas dá para ganhar a vida como palhaço de hospital?
João Pedro, ou melhor, Doutor Matias Sôrrisal Ladainha, hoje tenta ganhar a vida através do trabalho com a palhaçaria hospitalar. Empreender nessa área é desafiador, mas opções vão desde oferecer oficinas, cursos, palestras para formar novos profissionais até o trabalho direto com os pacientes. A ideia do jovem de Itajaí não é abandonar o voluntariado, mas expandir a oferta do serviço.
— Começou com missão de vida para mim. E eu percebi que aquilo não poderia ser algo que eu fazia só uma vez por semana. Senti que tinha de levar esse conhecimento para mais pessoas. Dá frio na barriga todo dia, dá medo, tem a incerteza. Mas quando a gente vê o sorriso no rosto de uma pessoa internada ao abrir a porta, aquilo é combustível.