Enigma, desafio, feixe de controvérsias – a inquietude o acompanha no esquife. Louco e lúcido, sofreu como poucos, e à medida que a distância no tempo se acentua, mais e mais se firma o esplendor da sua glória.

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A primeira associação que nos vem à cabeça quando se fala de Cruz e Sousa é sabedoria, erudição, heroísmo, jornalismo, injustiça, pobreza, racismo… É, portanto, com a sensação de dever cumprido que a Assembleia Legislativa anuncia uma lei pela qual reconhece João da Cruz e Sousa como Promotor Público, diante da ignomínia cometida em 1883, quando havia sido indicado para a função e não fora empossado por ser negro. O referido projeto, do deputado Dirceu Dresch, é “uma reparação simbólica” pelo ato racista praticado há 134 anos. Na Desterro, as coisas não mudavam assim tão depressa. Nem mesmo hoje.

A maior contribuição que Cruz e Sousa deu à luta dos negros, segundo Eglê Malheiros, foi o fato de não aceitar a divisão das pessoas pela cor da pele ou pela conta no banco. Ele tinha absoluta predestinação. E tinha pressa. Morreu aos 37 anos. A passagem do poeta pela vida repousa sobre o cavalete da história como obra inacabada. A abolição era um dos seus grandes temas e nele engajou-se ainda jovem que sentia na pele o quanto “era triste ser negro” (nas palavras de Lima Barreto). Certa feita, em carta a Virgílio Várzea, de 1889, desafogava o sentimento que pouco depois celebraria no irretocável texto Emparedado: “Quem me mandou vir cá abaixo à terra arrastar a calceta da vida! Para quê? Um triste negro, odiado pelas castas cultas, batido das sociedades…”.

Era o contraponto humano, sensível, entre lírico e mordaz, do seu triste cotidiano, vazado numa linguagem impecável. Hoje sobrevive revigorado e ungido pela unanimidade nacional. Cruz e Sousa nos desenha um protótipo de ética e competência, qualificações indispensáveis neste momento em que vivemos assombrados em relação ao futuro do Brasil.

*Antônio Nunes é diretor pedagógico

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