Sessenta e dois dias. Bastou esse período para que Vera Lúcia Brockveld Rampelotti descobrisse, dentro dela, uma força que nem sequer sabia que existia. Entre a chegada inesperada ao hospital até o alívio de voltar para a casa com os filhos no colo, a blumenauense acompanhou cada suspiro dos gêmeos Bernardo e Victoria enquanto ambos lutavam pela própria vida. Ele, com pouco mais de um quilo. Já a menina, com 758 gramas.

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Uma história que, hoje, poderia ser contada tanto pelos familiares como pelas crianças, que fizeram nove anos em 2023. Ninguém, no entanto, teria lembranças tão intensas quanto quem carregou no ventre dois bebês que vieram ao mundo antes do previsto. Experiência que, mesmo depois de tanto tempo, Vera não se cansa de compartilhar.

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Ainda que fossem pais de primeira viagem, a possibilidade de ter gêmeos não parecia assustar o casal que já tinha histórico de gestação gemelar na família. A notícia não demorou a chegar e, assim que souberam que um menino e uma menina estavam a caminho, os preparativos para recebê-los também foram providenciados.

Vera quando estava grávida dos gêmeos (Foto: Arquivo pessoal)

Tudo corria bem em uma gravidez que teve acompanhamento médico a cada mês que se passava. Ao entrar na 29ª semana de gestação, no entanto, Vera começou a sentir fortes dores e apresentar algumas complicações. Chegou a ser internada e, no mesmo dia em que recebeu alta, teve de retornar ao hospital.

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Por desconfiar de um rompimento de placenta, o médico decidiu fazer o parto assim que a gravidez completou 30 semanas. Isso significa que Vera estava apenas no início do 7º mês de gestação.

— O medo de um parto prematuro nos deixou muito apreensivos e repetíamos ao médico: “Doutor, não está na hora deles, não temos nada pronto, não estamos preparados ainda”. Na verdade, não tínhamos a dimensão da urgência e da complexidade daquela decisão. O risco de morte dos três era evidente e, às pressas, tudo foi preparado para que a cirurgia fosse feita — relembra Vera.

Momentos de angústia após o nascimento das crianças

Depois de uma cirurgia delicada, veio ao mundo, às 21h13min do dia 3 de outubro de 2014, o pequeno Bernardo, com 1,315 quilogramas. Frágil, nos primeiros segundos de vida ele nem sequer pôde ir para os braços da mãe ou do pai, Denilson Rampelotti, que também acompanhava de perto aquele momento de emoção misturado com incerteza e dúvidas

Bernardo foi o primeiro a nascer (Foto: Arquivo pessoal)

O bebê foi levado às pressas pelo pediatra para os procedimentos necessários. Dois minutos depois, Victoria também nasceu e o tamanho dela surpreendeu ainda mais os pais de primeira viagem: a menina tinha apenas 758 gramas.

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— Até me mostraram ela, mas eu fiquei muito assustada quando a vi pela primeira vez ali, rapidinho. Lembro de dizer que achava que ela não sobreviveria pois era muito pequena — conta a mãe.

Se não bastasse o estado delicado das crianças, Vera teve de ir para a UTI por conta de uma hemorragia severa após o parto. Assim como os gêmeos, a mãe também ficou entre a vida e a morte.

Já no dia seguinte, porém, ela pôde voltar para o quarto e visitar, pela primeira vez, os filhos que tinha visto apenas de relance logo depois do parto. Só que o entusiasmo que sentia para olhar os bebês novamente — desta vez, com mais calma — acabou substituído por um sentimento de preocupação e impotência.

Victoria nasceu com 758 gramas (Foto: Arquivo pessoal)

— Chegando lá levei um susto enorme, uma tristeza, medo, meu mundo desabou em lágrimas ao ver eles dentro de uma incubadora. Eram muito, mas muito pequenos e frágeis, com a pele muito fina, tinha que cuidar para não machucar. Cheios de cabos no corpo por conta dos inúmeros aparelhos ligados a eles. Não imaginava vê-los assim na minha primeira visita à UTI Neonatal — comenta.

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“Não podíamos tocá-los”

Ainda que estivesse recuperada, Vera permanecia aflita. Através de um vidro, ela acompanhava os pequenos Bernardo e Victoria travando uma batalha pela vida, dia após dia. Junto com o marido Denilson, ela não saía de perto das crianças e, mesmo que não pudessem tocar nos próprios filhos, era o barulho dos aparelhos que dava a eles a esperança de ter os gêmeos nos braços em algum momento.

— Só podia tocar um dedinho neles e tirar leite para passar na sonda. A cada miligrama que aumentava era uma torcida, tínhamos paranoias com a perda e ganho de peso todos os dias. Quando chegávamos ao hospital, vinha o medo de receber os diagnósticos. Tudo muito intenso — relata a mãe.

No início, pais tocavam os filhos apenas com os dedos (Foto: Divulgação)

Essa distância durou incansáveis 15 dias. Somente em 18 de outubro os pais puderam pegar os filhos no colo pela primeira vez. A sensação de finalmente tê-los nos braços é detalhada por Vera, que recorda até mesmo do cheiro das crianças e do carinho que deu a eles naquele inesquecível contato com os pequenos.

Poucos dias depois, quando a mãe completou 34 anos, ela recebeu de presente a oportunidade de amamentar — também pela primeira vez. Com o passar do tempo, os gêmeos evoluíam e ficavam mais saudáveis, sendo Bernardo o mais “apressado” para sair do hospital. Assim, com a recuperação do menino, Vera conseguiu viver o momento que tanto esperava.

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— Estava tudo enfeitado de balão para mim, em cima das incubadoras deles. E o médico, o Dr. Mário Celso, que era diretor da UTI, perguntou: “Mãe, você já amamentou o seu filho alguma vez?” Eu disse que não. Então ele falou que eu teria esse privilégio no dia do meu aniversário. E ele me deu esse presente — recorda.

Vera com os dois filhos no colo (Foto: Arquivo pessoal)

Uma semana depois, Victoria também pôde, finalmente, ser amamentada por Vera. A menina não se desenvolvia tão rápido quanto o irmão por ter nascido menor que ele. Por isso, mesmo quando Bernardo ganhou alta — 45 dias após o nascimento — a pequena Victoria ainda teve de permanecer na UTI. Foram 62 dias, no total.

Enquanto isso, Vera se dividia entre a casa e o hospital.

— Como mãe de UTI, aprendi que precisamos ter muita fé, confiar, pedir, pois é você e Deus. A notícia que queríamos ouvir todos os dias era simplesmente: “O quadro dos seus filhos é estável”. Já era suficiente — diz.

A notícia mais esperada pelos pais

Quando finalmente recebeu a notícia de que a menina também poderia sair do Hospital Santa Catarina, onde ficou internada, não teve como conter a emoção. Os bebês, assim como os pais, foram vitoriosos. E, não à toa, a filha — que, a princípio, se chamaria Beatriz — ganhou um novo nome diante tudo que enfrentaram desde os últimos momentos na barriga da mãe.

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Vera e o marido, Denilson, com as crianças (Foto: Arquivo pessoal)

Hoje, as crianças estão com nove anos, “saudáveis, sapecas e inteligentes”, como descreve Vera. As lembranças do passado, porém, seguem mais vivas do que nunca na memória dela, que faz questão de reconhecer a importância da rede de apoio que teve, à época, para enfrentar as dificuldades do nascimento prematuro dos filhos.

Uma coragem que ela também atribui a si mesma, por ter sido forte e resistente mesmo em meio a tantas incertezas.

— Eu fui uma guerreira em dobro, pois descobri uma força absurda dentro de mim. Foi um trauma, mas foram dias de superação. Saímos da UTI com festa e tivemos um final feliz. Sobrevivemos os três e estamos cheios de saúde e história para contar — finaliza.

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*Sob supervisão de Augusto Ittner

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