“Até os 30 anos de idade eu nunca tinha estudado, trabalhado ou convivido com uma pessoa com deficiência.” A frase da jornalista e escritora Juliana Vinhas marca o início de uma mudança profunda — pessoal, profissional e social. Hoje, aos 43 anos, ela é mãe de dois filhos com perfis singulares: Luís Gustavo, de 17 anos, com altas habilidades, e Ana Luísa, de 12, com síndrome de Down. Com eles, descobriu um universo antes invisível aos seus olhos, e fez disso uma causa, tornando essa vivência não apenas parte de sua identidade, mas também o eixo de uma atuação voltada à inclusão, acessibilidade e acolhimento de outras famílias.
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— Era como se essas pessoas não existissem, fossem invisíveis, mas infelizmente, nesse caso, a invisibilidade não é nenhum superpoder, é uma super exclusão. Simplesmente as pessoas com deficiência estavam à margem da sociedade, excluídas, separadas, escondidas, discriminadas, sendo tratadas com preconceito, sem acessibilidade… mas eu não conhecia absolutamente nada desse ‘universo — conta Juliana.
O contato com esse universo, como ela descreve, começou de forma inesperada, no nascimento da filha caçula, que pegou Juliana e o marido, Wagner Gris, 39 anos, de surpresa.
— Apesar de termos feito todo o acompanhamento pré-natal, nenhuma intercorrência foi apontada na gestação e só descobrimos a síndrome de Down após o nascimento (isso é mais comum do que se pode imaginar: em uma pesquisa realizada na Associação Aldeia 21 constatamos que mais de 80% das famílias também só souberam do diagnóstico após o nascimento) — relembra a mãe.
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A descoberta veio acompanhada de preocupação, dor, dúvidas — e de um impulso por transformação:
— Entre a dor, a preocupação, o preconceito e a falta de conhecimento, encontramos amor, coragem e a vontade de buscar informações para entender mais sobre essa alteração genética que atinge aproximadamente 1 a cada 700 pessoas no Brasil e que passou a fazer parte da realidade da nossa família.
Já antes disso, a maternidade havia apresentado à família outra diversidade: Luís Gustavo, o primogênito, recebeu o diagnóstico de altas habilidades aos cinco anos. Segundo a mãe, o menino demonstrava uma inteligência acima da média para a idade, o que trazia outra experiência nova para a nossa família.
— No meio de tudo isso, não tinha como não se transformar. Foi preciso acolher e buscar acolhimento; amar e buscar amor; entender e buscar compreensão. Foi preciso estudar, abrir espaço para diálogo, foi preciso falar para tirar nossas histórias da conta da invisibilidade e, assim, quem sabe, tirar algumas outras também… eu me transformei porque passei a olhar mais para diversidade, para as necessidades dos outros, para o quanto o mundo ainda precisa deixar de ter barreiras, para o quanto mais podemos ser acessíveis. Me fortaleci, enquanto mulher e mãe. Desabei, também, um tanto de vezes. E me reergui, na esperança de que o mundo possa ser verdadeiramente plural — relata Juliana.
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Foi esse acúmulo de experiências, entre o extraordinário e o cotidiano, que impulsionou Juliana a escrever o livro “Mais que dois – o singular e o plural em uma maternidade não típica”, lançado em dezembro de 2018, em Chapecó. A obra partilha dores, aprendizados e alegrias da convivência com os filhos — e busca dar visibilidade a experiências reais da maternidade atípica.
— Eu não via a maternidade atípica sendo retratada em lugar nenhum… eu não me via nos livros… e queria ver… então resolvi escrever. Por muitas vezes não foi fácil porque era como abrir a nossa intimidade, então eu pensava em desistir de escrever… ao mesmo tempo, eu queria tanto poder fazer algo, vá que o livro fizesse algum bem para alguém? E, honestamente, eu sinto que a missão foi cumprida. Foram tantos relatos positivos, tanto carinho — lembra a escritora.
A obra foi viabilizada por edital público e esgotou sua primeira tiragem. Mais tarde, ganhou uma segunda edição feita com recursos próprios e foi transformada também em audiolivro, com acesso gratuito no site www.maisquedois.com.br.
O site, lançado em 2020 com meio da Fundação Catarinense de Cultura, com recursos do Prêmio Elisabete Anderle de Apoio à Cultura/Artes – Edição 2019, reúne crônicas de outras famílias atípicas da região Oeste de Santa Catarina, artigos de colaboradores e informações, além de incluir recursos de acessibilidade, como audiodescrição.
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— O site tinha dois grandes objetivos: contar histórias de outras famílias atípicas, para mostrar outras realidades, e oferecer o livro Mais que dois em formato de audiolivro. […] A ideia de contar histórias de outras famílias é porque existe tanta diversidade que não dá pra ficar contando só a minha história, né? São tantos exemplos, tanto aprendizado! Tanta coisa pras pessoas identificarem!
Em 2021, Juliana conseguiu realizar mais um sonho: publicar o livro em braille, contemplada pelo edital Aldir Blanc de Chapecó. Dez exemplares foram distribuídos gratuitamente a instituições como a Adevosc (Associação dos Deficientes Visuais do Oeste de SC) e a Biblioteca Pública de Chapecó.
Juliana é também uma das fundadoras da Associação Aldeia 21, dedicada a pessoas com síndrome de Down e suas famílias na região de Chapecó e atua como palestrante, buscando conscientizar por meio do diálogo. E é coautora do livro lançado em março deste ano: “À mãe que me tornei”, que reúne textos escritos por mães atípicas. A obra é encontrada para venda na Amazon.
Já o livro “Mais que dois – o singular e o plural em uma maternidade não típica” pode ser adquirido direto com a Juliana, é só chamá-la no Instagram (@vinhas_ju).
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A história de Juliana Vinhas é singular — mas ecoa a realidade de milhares de outras mulheres que vivem a maternidade com desafios e potências que não cabem nas idealizações. Ao ser questionada sobre qual mensagem deixaria para outras mães iniciando esse caminho, ela responde:
— Às vezes acreditamos que diagnosticar é o mesmo que rotular, mas não é. O diagnóstico deve ser a nossa orientação, ele vai nos ajudar a entender o caminho, o que precisamos buscar, a encontrar informações, a encontrar até mesmo a nossa rede de apoio, os nossos pares, mas ele também não pode nos limitar. O diagnóstico deve significar conhecimento. E o conhecimento é libertador! Desde que estejamos focadas no que importa: no bem-estar, na saúde, no potencial dos nossos filhos e, sobretudo, nos sorrisos deles, afinal, é quando eles sorriem que o mundo ao nosso redor ganha cor e brilho. Eles nos fortalecem e nós fortalecemos eles, nessa incrível troca que só o verdadeiro amor permite acontecer. Ah, mas tudo isso só funciona se, mesmo focando no filho(a) a gente conseguir olhar pra nós também! O autocuidado é poderosíssimo! O cuidado com a mãe reflete no filho. Se amar é mostrar pro filho que o amor pode transbordar. Falando em transbordar, se dê o direito de chorar também e peça ajuda sempre que precisar, somos muitas… você não está sozinha! — finaliza Juliana.
Antonietas
Antonietas é um movimento da NSC que tem como objetivo dar visibilidade a força da mulher catarinense, independente da área de atuação, por meio de conteúdos multiplataforma, em todos os veículos do grupo. Saiba mais acessando o link.

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