Marujo, o cão “surfista” que pode ser visto todos os dias na praia da Barra da Lagoa, em Florianópolis, agora é comunitário. Isso significa que o animal deve ser mantido na comunidade do Leste da Ilha, já que criou vínculos de afeto e dependência com moradores. No entanto, ele também está sob os cuidados da Diretoria do Bem-estar Animal (Dibea) da capital catarinense.

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Marujo já é celebridade na pequena comunidade de cerca de 300 habitantes que fica no Leste da Ilha de Santa Catarina. Recentemente, o cão até ganhou uma conta no Instagram, onde já acumula mais de 250 seguidores. Por lá, as pessoas acompanham a rotina diária de Marujo, desde os “treinos” junto dos bombeiros na praia e as aulas de surfe até os passeios nas trilhas da Barra da Lagoa.

O processo para que ele se tornasse um cão comunitário começou em outubro, mas o certificado “oficial” foi recebido na última terça-feira (4), conta Ruth de Oliveira, moradora da comunidade e uma das responsáveis pelos cuidados de Marujo.

De acordo com Ruth, tudo começou com um contato no WhatsApp feito pela Dibea, onde foi agendada a primeira consulta do cão com uma veterinária do órgão. Nesta visita, Marujo passou por uma avaliação completa. Já na última terça-feira, foi vacinado, microchipado, fez exames de sangue e teve o cadastro de cão comunitário concluído. Ele retorna à Dibea em dezembro para uma segunda dose de vacina.

Ruth conhece Marujo há pouco mais de um ano, quando ele foi abandonado na Barra da Lagoa. Desde então, ela e outras pessoas da comunidade dão água e comida para o cão, além de providenciar a castração dele.

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— Passamos praticamente um ano tentando a adoção dele por meio de posts nas redes sociais. No entanto, percebemos que seria pouco provável, pois ele é um cachorro de grande porte, vira-lata, cheio de energia e precisa de uma rotina intensa de atividades, idealmente com alguém que possa passar o dia na praia com ele. Por isso, resolvemos torná-lo um cão comunitário, sem que percamos as esperanças de que um dia apareça esse tutor dos sonhos — compartilha.

Alexandre Braga Aoun, professor de surfe que mora na região há 35 anos, comemorou a conquista do cão, que já é um “grande amigo” dos surfistas da Barra da Lagoa.

— Fico muito feliz de saber que o Marujo está conquistando o lugar que ele merece. Hoje mesmo encontrei com ele, estava indo dar aula de surfe e ele veio correndo. É engraçado que a gente já se conhece. Ele sempre me vê, dá aquela cumprimentada, parece um surfista — brinca “Blau”, apelido carinhoso pelo qual é conhecido na região.

Alexandre dá aula na Barra da Lagoa de domingo a domingo há muitos anos, e diz que todos os dias encontra Marujo. Às vezes, o cão sobe em cima de alguma prancha durante as aulas e já foi até visto surfando sozinho. Há, inclusive, uma teoria de que, em uma possível vida passada, Marujo era um surfista.

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— Quando vem uma galera com as pranchas na areia ele começa a cercar essas pessoas e ficar em cima das pranchas. Ele é um cachorro muito ativo, sempre está pela praia, muito brincalhão. Adora o mar, nadar e surfar — diz.

Conheça Marujo

Para Yuri Sidorov, russo que mora na Barra da Lagoa há dois anos, Marujo é um “talismã” da região. Foi isso que motivou ele e a esposa, Svetlana Sivaeva, que normalmente capturam a prática do surfe, a fotografá-lo e até a registrar a participação do cão nas aulas do esporte que acontecem na praia.

O vídeo abaixo, compartilhado com o NSC Total, foi feito por Yuri.

Veja Marujo participando das aulas de surfe

“A praia é a casa dele”

A voluntária Ruth de Oliveira conta que a comunidade já cuidava de Marujo, mas que agora, como cão comunitário, ele tem o respaldo da lei. Ou seja, tem todos os cuidados veterinários em dia fornecidos pela prefeitura, e não pode ser expulso ou retirado da comunidade por ninguém.

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— A praia é a casa dele. Quando chove ou faz muito frio, ele sempre procura por alguém. Mas, no calor, ele só quer saber de rua. Não há quem o segure, principalmente agora na temporada de verão, que tem movimento de pessoas praticamente 24 horas. Ele vai com todo mundo — conta.

Ela comenta também que Marujo é um cão cheio de energia, que passa o dia inteiro na praia, além de ser muito sociável.

— Ele adora as piscinas naturais, participa das aulas de surfe, ama andar de stand up paddle e se jogar dos molhes no mar. Muito sociável, joga futebol com os turistas, já furou algumas bolas, e, às vezes, sai correndo com algum pertence de quem está na areia — diz ela, com carinho.

Os moradores estimam que Marujo está na região há pouco mais de um ano. O médico veterinário Bruno Alencar da Maia Pinto explica que a água do mar pode trazer alguns problemas ao cachorro, mas tirá-lo deste ambiente a esta altura pode ser mais prejudicial do que a própria prática.

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— A água do mar pode causar problemas, de fato, mas imagino que se ele vive assim há muito tempo, já faz parte, de certa maneira, da sua identidade, e uma eventual restrição à atividade recreativa poderia trazer mais malefícios que benefícios, em termos de grau de bem-estar animal — explica Bruno.

O veterinário destaca que, entre os cuidados, está a importância de sempre manter água potável disponível ao cão, para evitar problemas como desidratação. Além disso, é ideal manter visitas constantes ao veterinário, o que está garantido com a Dibea agora que ele é um cão comunitário.

Ruth de Oliveira destaca também que, apesar de toda essa mobilização e carinho, a história do Marujo é, na verdade, muito triste.

— Não podemos, de forma alguma, romantizar o abandono. Ele não é um cão comunitário por escolha, mas porque foi descartado por um tutor irresponsável. O cuidado da comunidade é uma medida de emergência e amor, mas a realidade é que o abandono é crime e causa um sofrimento imenso ao animal. Esperamos que o caso do Marujo sirva de exemplo para mostrar que a posse de um animal exige responsabilidade e compromisso para a vida toda — pontua a voluntária.

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Lei foi sancionada em 2018 na Capital

Em 2018, Florianópolis sancionou uma lei complementar para regulamentar animais que não possuem um único dono, mas que têm vínculos de afeto e dependência com moradores de um local. A norma 643/2018 estabelece que os chamados “animais comunitários” devem ser mantidos na comunidade em que se encontram, sob os cuidados da Diretoria do Bem-estar Animal (Dibea).

A lei determina que a Dibea faça o registro do bicho, além da vacinação, microchipagem, esterilização e prestação de atendimento veterinário. O registro do animal deve ter o endereço e contato telefônico de pelo menos um voluntário que cuida dele. No caso de Marujo, é Ruth.

Atualmente, são aproximadamente 100 cães comunitários registrados em Florianópolis, segundo a Dibea.

*Sob supervisão de Luana Amorim