Os familiares do dentista Cezar Maurício Ferreira, de 60 anos, preso por supostamente estar embriagado e que foi encontrado morto em uma cela de uma delegacia em São José, na Grande Florianópolis, falaram sobre o caso pela primeira vez neste domingo (3), ao Fantástico, da TV Globo. O laudo elaborado pela Polícia Científica apontou que a causa da morte foi cardiopatia hipertrófica.
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Gabriel Bertoli Ferreira, o filho mais novo de Cezar, disse que o pai “era uma boa pessoa, era incrível, era um homem bom”, e que não consegue acreditar no que aconteceu. Atualmente, ele mora na Irlanda e está longe do restante da família.
Cezar foi preso após se envolver em um acidente de trânsito com outro veículo no dia 19 de julho, na rua Cândido Amaro Damásio, no bairro Barreiros. Os policiais envolvidos no caso alegaram que o dentista estava com a “fala arrastada, odor etílico e apresentava desorientação”.
De acordo com relatos dos agentes no boletim de ocorrência que o NSC Total teve acesso, o dentista não conseguiu responder os policiais por “estar aparentemente embriagado”. Ele também não conseguiu fazer o teste de bafômetro, ainda conforme o registro.
O dentista foi autuado por embriaguez e encaminhado à Delegacia de São José. No local, segundo relato do policial civil que recebeu a ocorrência, Cezar recusou água e comida, e foi colocado em uma cela. Entre 1h e 3h, já na madrugada de 19 de julho, o atendente relatou ter ido às celas para checar a situação dos presos e o dentista respondeu que estava bem.
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Às 7h40min, Cezar foi encontrado morto dentro da cela. A primeira pessoa que recebeu a notícia da morte do dentista foi a amiga Cristiane Salum Gomes, que disse ao Fantástico que “ouvir as palavras do delegado foi como um soco no estômago”.
De acordo com o advogado Wilson Knöner Campos, que representa a família do dentista, Cezar tinha problemas cardíacos, levava uma vida saudável e não bebia por motivos religiosos. Conforme a defesa, no momento em que bateu o veículo, ele estava saindo de uma padaria onde havia feito um lanche.
— Ao invés de ir para um hospital receber tratamento, ele foi parar em uma cela fria — afirmou o advogado em entrevista à NSC TV.
O laudo pericial feito pela Polícia Científica, assinado pelo médico legista Felipe Quintino Kuhnen, descreve no exame anátomo patológico sinais que caracterizam a cardiopatia hipertrófica. Ainda, no exame toxicológico foi indicada a presença de medicamentos antidepressivos, anti-histamínicos, relaxante muscular, anti-hipertensivo, antiarrítmico e antidiabético.
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A azitromicina, citalopram e sertralina, três dos medicamentos listados, aumentam o risco de arritmias ventriculares fatais, especialmente em indivíduos com alteração cardíaca, segundo o laudo.
“A presença de dispositivo implantável cardíaco atesta que era portador de arritmia, sendo que o dispositivo não evita o risco de morte súbita por arritmias, podendo ser causada por falência elétrica, tempestade arrítmica ou falência mecânica aguda”, afirma um trecho do documento.
Dessa forma, o laudo da morte conclui que a causa do óbito é a cardiopatia hipertrófica, sendo o mecanismo provável morte súbita arrítmica, que pode ter sido desencadeada ou agravada pelo uso de alguns medicamentos.
O que diz a defesa da família de Cezar
Hoje, 13 noites sem o Dr. Cezar. 13 dias do “rodízio de versões” e nenhuma reposta.
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A família do Dr. Cezar Maurício Ferreira, após analisar as declarações veiculadas na coletiva de imprensa das autoridades, vem a público guiar a sociedade através do labirinto de justificativas que foram construídas para explicar uma morte que poderia, e deveria, ter sido evitada.
Para entender a gravidade do que estamos enfrentando, é preciso recapitular a jornada das desculpas, um roteiro que revela um padrão preocupante.
Ato I: A Tese do “Odor Etílico”. Primeiro, o pilar da prisão era simples e direto: Dr. Cezar estava alcoolizado. O laudo toxicológico veio e demoliu essa afirmação. Não havia álcool. A primeira versão ruiu.
Ato II: A Tese dos “Medicamentos”.
Em seguida, a culpa foi transferida para os remédios de seu tratamento de saúde. A nova tese era que eles causaram a desorientação e os policiais não tinham o que fazer: a culpa novamente era de Cezar. Mas essa tese nasceu incompleta. A perícia nunca informou qual era a concentração desses medicamentos no sangue (1g ou 00,000000001mg… ou não tem diferença?), tornando impossível afirmar que ele estava intoxicado, e não apenas em tratamento. A segunda versão, portanto, é cientificamente insustentável.
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Ato III: A Tese do “Hálito Cetônico”.
Hoje, nos apresentaram o terceiro ato: o “hálito cetônico”. Uma teoria criada por um Perito que, em público, admitiu não ter visto o prontuário médico, baseada na suposição de um “longo jejum”. E, mais uma vez, uma especulação infundada foi desmentida pelos fatos. Há prova documental de que o Dr. Cezar fez um lanche apenas 1 hora e 24 minutos antes da abordagem policial. A terceira versão também foi demolida pela realidade.
Ato IV: A vítima Cezar não pediu ajuda e nem reclamou de dor.
É. Disseram até isso. Mas esqueceram dos registros audiovisuais de uma escrivã desesperada alertando “não delegada, ele tá muito mal” e das vezes em que a delegada afirmou “vamos cancelar o interrogatório, ele não está entendendo nada”. Se não conseguia entender nada e nem se comunicar, é absolutamente paradoxal culpar Cezar por não ter pedido ajuda. Aqui o culparam por um “crime impossível”, o de deixar de pedir socorro. Ou será que deixaram de ofertar e implementar socorro a quem “tá muito mal”, embora fosse evidente a necessidade para a preservação de sua vida?
O Ato Final: foi outra pessoa, mas culpem Cezar.
E quando os fatos derrubam a quarta teoria, surge uma quinta, ainda mais assombrosa, dita na própria coletiva: a de que o “odor etílico” poderia vir do asfalto, ou de outra pessoa que passava por ali. Como é que isso protege a sociedade? Por que os policiais, no documento que selou o destino do Dr. Cezar, não relataram essa dúvida, mas sim uma certeza sobre um odor que vinha dele? Este revezamento de argumentos revela uma fratura exposta no sistema.
Mostra uma tentativa desesperada de encontrar, a qualquer custo, uma narrativa que absolva a responsabilidade pelo erro fatal cometido no início de tudo: a falsa alegação que levou um homem doente para uma cela, e não para um hospital.
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E apesar de se alegar que não houve negligência, anunciaram que o protocolo de abordagem policial vai mudar e se a pessoa não conseguir se expressar ou entender o que os policias dizem, será levada para um hospital. Se o protocolo de abordagem estava funcionando, por qual razão se deve alterá-lo? Se o novo protocolo existisse 13 dias atrás Cezar estaria vivo, os PMs o teriam levado para o hospital e se não o fizessem, a delegada seria a ultima barreira.
O anúncio de mudança no protocolo de abordagem é um reconhecimento inequívoco de que Cezar deveria ter sido levado para o hospital e não para a cadeia. Nítido que o protocolo vigente é falho e gerou a sequência de erros que impediram que Cezar recebesse atendimento médico. Insistem em julgar a vítima, talvez por acreditarem que um morto não tem voz. Ledo engano.
A biografia do Dr. Cezar é um legado que fala por si. E as atrocidades cometidas contra sua vida e sua honra merecem um escrutínio rigoroso da Justiça e da sociedade. A verdade não está em um rodízio de versões; ela é uma só, e nós não descansaremos até que ela prevaleça.
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