O Ministério Público (MP) divulgou uma nota de repúdio e pediu medidas à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina contra quatro advogados de Itajaí. De acordo com a manifestação, o grupo ofendeu e foi desrespeitoso com a promotoria durante sessões do Tribunal do Júri. Em um dos casos, o defensor teria acusado a instituição de racismo. Em outro, duas advogadas publicaram fotos usando narizes de palhaço para criticar um processo movido pelo MP.

Continua depois da publicidade

As histórias são parecidas e se referem a duas pessoas acusadas de homicídio, que responderam aos processos por quase uma década, mas terminaram inocentadas em julgamentos feitos em setembro deste ano. Um dos clientes, um homem negro e pobre, foi absolvido pelo conselho de sentença pela falta de provas contra ele. Antes do resultado satisfatório para a defesa, porém, o advogado Thyago Jonny Souza teria afirmado em plenário que a denúncia oferecida pelo Ministério Público tinha “viés racial”, enquanto outro defensor, Argeu Estevan Debiazi, seguindo a mesma linha de raciocínio, declarou que “o Ministério Público todo é racista”, descreveu o MP.

Já as advogadas Daniela Giglio Corrêa e Luiza Wendling Barbieri publicaram nas redes sociais uma foto com nariz de palhaço. No story do Instagram o texto dizia: “Por aqui seguimos! Com bastante diversão”, sugerindo sobre o trabalho que iria começar no tribunal de júri. Em outra publicação, sustentou o MP, a legenda teria sido: “Uma dica: esse processo é uma palhaçada”, acompanhada de música circense.

“A conduta representou evidente desrespeito ao Conselho de Sentença, ao Juiz Presidente e à solenidade do rito do Júri, além de violar o dever de urbanidade e decoro profissional previsto nos artigos 31, 32 e 33 do Estatuto da Advocacia e no Código de Ética e Disciplina da OAB”, criticou o MP.

A representação de todos os promotores da comarca de Itajaí chegou à OAB na terça-feira (2). O MP pede que a Ordem instaure um processo ético-disciplinar para que sejam apuradas as eventuais infrações ao Estatuto da Advocacia e ao Código de Ética e Disciplina.

Continua depois da publicidade

Para o órgão, as “atitudes ultrapassam os limites da liberdade de expressão e da inviolabilidade profissional assegurada aos advogados, configurando ofensa à honra objetiva do Ministério Público e atentando contra o decoro do Poder Judiciário. A imunidade profissional não pode ser utilizada como salvo-conduto para manifestações destituídas de finalidade técnica e de respeito institucional”.

O que dizem os advogados e a OAB

A advogada Luiza disse que o MP distorceu os fatos e que a foto com o nariz de palhaço foi feita antes do julgamento, como uma forma de protesto contra o Estado, já que o processo se arrastou por oito anos, mesmo com evidências da inocência do cliente dela.

— Não foi nada direcionado ao Ministério Público ou ao juiz. É uma lástima que estejamos passando por isso — comentou ao NSC Total.

Daniela, a outra advogada que aparece na foto, acredita que a nota de repúdio feriu a honra dela e dos colegas, já que o MP fez questão de expor o nome de todos, ferindo princípios legais. Causou estranheza no grupo o repúdio ocorrer quase três meses depois das sessões, que ocorreram em meados de setembro.

Continua depois da publicidade

Ela foi até a OAB em Florianópolis nesta quarta-feira (3) acompanhada de Thyago e Argeu para uma conversa com a presidência. Antes do encontro, Juliano Mandelli, presidente da Ordem, falou que a representação contra supostos excessos é legítima, mas que o processo disciplinar tramitará sob sigilo por determinação legal caso seja aberto.

— Um movimento iniciado por nós garantiu a gravação integral dos atos processuais. Essas gravações vão permitir identificar eventuais excessos — explicou.

Ainda nesta quarta a OAB pretende pedir à Justiça de Itajaí a cópia integral da gravação para avaliar a postura não só dos advogados, mas também do magistrado e promotoria. Os quatro já foram intimados para prestar esclarecimento e, depois da avaliação dos depoimentos e imagens, a OAB decidirá se é necessário instaurar o processo disciplinar ou não. Para Luiza, é a oportunidade de mostrar os “verdadeiros fatos”.

Thyago afirmou que o MP tenta intimidar e cercear a liberdade de expressão da defesa. Na fala durante o júri, o defensor diz ter feito uma crítica ao racismo estrutural que existe em toda a sociedade, incluindo o Ministério Público, já que mesmo com a falta de provas o processo demorou em resultar na absolvição do único negro do grupo de suspeitos.

Continua depois da publicidade

“Antes de olhar para o fato criminoso, olha-se para a cor do acusado. A defesa não existe para agradar, mas para garantir que a justiça seja feita, mesmo que isso implique em apontar o dedo para a seletividade e o racismo institucional”.

Considerando o episódio uma perseguição ao trabalho que desenvolvem, os quatro esperam ter o apoio da OAB no enfrentamento ao caso.