O tarifaço anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com taxa de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto, gerou preocupações sobre o tamanho do impacto da medida a empresas de Santa Catarina e do país. 

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Entidades como a Fiesc e a Fecomércio se manifestaram sobre os possíveis reflexos do tarifaço para a indústria de SC e defenderam negociações pela via diplomática para tentar reverter a medida.

Em entrevista ao NSC Total, o economista Daniel da Cunda Corrêa da Silva, mestre em Relações Internacionais e professor da Univali, projetou quais são os cenários possíveis para as próximas semanas e quais os setores mais afetados em caso de adoção da tarifa de 50%. 

Confira a entrevista:  

Em linhas gerais, que reflexos a gente pode ter para a economia aqui do Estado ou mesmo do país se essa tarifa vier de fato a ser implementada a partir de agosto?

Em termos de impacto, de fato, as preocupações que a Fiesc e o próprio governo do Estado manifestaram são muito pertinentes pelo seguinte ponto: Santa Catarina, diferentemente da maior parte das unidades da federação, é um estado que tem nos Estados Unidos o seu principal parceiro comercial de exportações. Então, isso dá uma condição um pouco diferente para Santa Catarina porque depende muito do mercado dos Estados Unidos. 

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Nós temos principalmente nas exportações para os Estados Unidos, aqui no Estado, o setor de móveis e algumas partes de construção, mas principalmente móveis, motores elétricos e algumas partes de motor, na região mais metal-mecânica e vinculada à produção de motores, uma produção integrada com os Estados Unidos. Esses produtos tendem a ser severamente afetados e são parte bastante importante da indústria catarinense.

Inclusive, agora no mês de julho, o próprio governador Jorginho Mello está em articulação com a Alesc para um amplo pacote de benefícios fiscais, que inclui o setor de metalurgia, mas sobretudo o setor de móveis. Então, de fato, são impactos importantes.  

As exportações de SC para os EUA representam mais de 14% do nosso mercado externo. Isso é acima da média nacional. Os Estados Unidos participam de 11,6% das exportações brasileiras, nacionalmente falando. Então, de fato, o nosso estado tende a sofrer um reflexo bastante importante.  

Caso haja uma tarifa recíproca, também pode haver reflexos?

Do ponto de vista das nossas importações dos Estados Unidos, tende a ser um pouco menor o impacto, caso a gente vá até a consequência que foi anunciada pelo presidente Lula de reciprocidade. Mas, geralmente, são produtos que fazem parte de insumos para a indústria, alguns produtos de alta tecnologia e alguns bens de consumo.

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E aí eu cito alguns aqui: por exemplo, alguns polímeros e borrachas sintéticas, que são mais especializados, não são da produção em larguíssima escala, mas fazem parte de uma cadeia em que Santa Catarina se destaca, que é a produção de produtos plásticos. Parte desses insumos vem dos Estados Unidos. Não é decisivo, mas uma parte vem dos Estados Unidos. Nós temos uma troca nessa parte de metal-mecânica também na indústria de motores e partes de motores.

Então, isso tende a encarecer tanto na ida quanto na volta essa cadeia global de valor dos motores da indústria metal-mecânica, especificamente na região entre Joinville, Jaraguá do Sul e arredores. Isso num caso de tributação por base da lei de reciprocidade, se a gente também adotar 50% para o que vier dos Estados Unidos. O impacto tende a ser menor, porque de fato nós não somos grandes importadores dos Estados Unidos nessa dimensão em que nós exportamos, mas [o impacto] aparece também.  

Algumas das manifestações sugerem que o momento poderia exigir que as empresas destinem produções a novos mercados. Isso pode ser uma alternativa, ou não é uma medida tão simples?

É um desafio muito grande diversificar os mercados. A gente viu, por exemplo, o governador, que, por volta do mês de maio, fez uma missão a Portugal. Um pouco antes disso teve também a vinda do ministro da Economia portuguesa para cá, teve uma visita quase que de Estado, bem forte com Portugal. E até agora dessa visita nós não tivemos grandes desdobramentos em termos econômicos.  

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O próprio governador voltou de uma missão recente à China e ao Japão, já tentando diversificar mercados. Isso é sempre um processo, toma tempo, é muito difícil de se fazer. E tem um outro condicionante que não podemos deixar de considerar, que é um ambiente internacional muito mais hostil do ponto de vista comercial.  

Muitos países estão receosos, fechando mais ainda os seus mercados, adotando não só barreiras não tarifárias, como era de se fazer de costume, mas explicitamente adotando barreiras tarifárias e seguindo o que os Estados Unidos têm feito na destruição desse sistema multilateral de comércio, erguido sob a OMC [Organização Mundial do Comércio], suas regras e tudo mais. Então, é difícil fazer essa diversificação.  

E aí vale mais um registro, que eu acho que é importante para a gente recuperar um pouquinho de lucidez no debate político. Porque, por exemplo, foi citado na carta bastante inusitada que Donald Trump enviou para justificar as medidas, que elas seriam também uma retaliação àquilo que se tem feito de perseguição ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas vale reforçar que em 2019, sob a presidência de Trump, ainda no primeiro mandato, e já com Jair Bolsonaro na presidência do Brasil, foram feitas aquelas tarifas sobre o aço no Brasil.  

Então isso tem, claro que de maneira oportunista, uma parte das organizações mais vinculadas ao ex-presidente, ele conseguiu emplacar isso realmente no “establishment” dos Estados Unidos, digamos assim. Mas efetivamente é a disputa comercial que está comandando o jogo. E é de fato uma ameaça que os Estados Unidos percebem de uma diversificação comercial, não só do Brasil, mas de vários dos seus parceiros tradicionais. Isso vai provocando as tentativas de busca por outros mercados.

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Eu digo que é importante recuperar a lucidez nesse primeiro momento e dizer que, por exemplo, Donald Trump não se compadeceu de Jair Bolsonaro quando impôs tarifas ao aço brasileiro em 2019, com forte impacto também sobre Santa Catarina. O próprio governador de Santa Catarina, por exemplo, não fez visitas e missões empresariais aos Estados Unidos como fez recentemente a própria China — e não tem nada de errado nisso. É a tentativa de ampliar mercados por uma razão de Estado de Santa Catarina.

Então, o componente ideológico nesse sentido é muito mais lateral, ainda que ele tenha vindo a contrabando no comunicado, porque ele consegue muitas vezes alimentar essa polarização ideológica do Brasil atual. Mas acho importante deixar isso como registro.

E que caminhos podemos ter agora? A retaliação com tarifa recíproca é uma possibilidade?

De fato, o que é tradicional da diplomacia brasileira, e aí eu estou falando como entidade de Estado e não de governo, é a busca pelo diálogo, pela negociação comedida, por sentar-se à mesa e tentar discutir, encontrar soluções. Tradicionalmente a diplomacia brasileira é assim.

A diplomacia sob o governo Lula, agora considerando especificamente o governo, também sempre foi uma diplomacia mais afeita a diálogos, a atuar de maneira aberta. Ainda que, notadamente, as hostilidades que são muito mais projetadas dos Estados Unidos contra o Brasil, como essas tarifas demonstraram, e não o inverso, faça com que o Brasil diminua o grau de priorização das relações comerciais com os Estados Unidos em favor de outras nações que estariam mais dispostas a esse diálogo.

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Mas muito provavelmente o Brasil vai abrir, já acionou o seu corpo diplomático para fazer conversas com os Estados Unidos e para não ter que recorrer à reciprocidade. Porque ela seria de fato algo ruim para o comércio entre ambos os países, mas mais prejudiciais ao Brasil, já que, por mais que seja uma parcela cada vez mais diminuta, ainda é representativa a participação dos Estados Unidos no nosso comércio exterior. Além de ser 11,6% das nossas exportações em caráter nacional, isso chega a representar aproximadamente 2% do PIB brasileiro em valor.

Então, tem uma expressividade e o governo brasileiro, a diplomacia em geral, certamente vai buscar os canais mais moderados possíveis de diálogo com os Estados Unidos. Resta ver se vai haver disposição dos Estados Unidos em abrir de fato as negociações. Aí eu colocaria que me parece que, em algum sentido, vendo o que os Estados Unidos têm feito com outros países no tarifaço, me parece que é o que tende a acontecer.  

Os Estados Unidos jogam uma hostilidade no atacado para vários países, esse também é um ponto, os países em subsequência foram sendo taxados na esteira dessa carta ao Brasil. A hostilidade ao Brasil foi maior, mas outros países onde não há Jair Bolsonaro, onde não há Alexandre de Moraes, também foram retaliados pelos Estados Unidos, e de fato Trump tem feito ataques no atacado, com perdão da redundância, para fazer negociações no varejo depois.

A grande questão aqui é que os Estados Unidos também enfrentam um problema doméstico, em termos estratégicos. Politicamente, é interessante para Donald Trump, depois de todos os dois desgastes muito fortes que ele sofreu recentemente, que foi essa ofensiva contra a população imigrante, com reações e protestos pelo país inteiro, e a própria atuação muito criticada diante das inundações e das enchentes no Texas. Elas pressionam também o governo dos Estados Unidos a sempre recorrer a uma tática já conhecida do inimigo externo, então isso também joga um peso importante, porque os Estados Unidos estão pressionados desde dentro, Donald Trump está pressionado e muito mal avaliado desde dentro nos Estados Unidos, e lança mão de expedientes como esse para, muitas vezes, tirar o foco das atenções, da discussão em relação a outros países e a sua própria política externa. 

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A tarifa de reciprocidade seria uma espécie de último recurso na negociação, se o governo brasileiro não conseguir avançar na relação diplomática?

Não sei se dá para dizer o último recurso, mas no primeiro momento, o Brasil gostaria de evitar ter que recorrer à reciprocidade. O próprio presidente Lula anunciou na sua resposta que o caminho natural do Brasil seria adotar a lei da reciprocidade e taxar os Estados Unidos também em 50%. Então, me parece que é assim: o Brasil vai recorrer a esses canais diplomáticos imediatos, existem diplomatas negociadores do Brasil nos Estados Unidos e vice-versa, certamente estão reunidos ou estão em agendas para se reunirem e tentar identificar o que está acontecendo e tentar demover o presidente Trump dessas medidas. 

Não diria que seria o último recurso [a tarifa de reciprocidade], talvez seja o primeiro em termos de medidas mais concretas, caso a conversa, caso a diplomacia tradicional, nesse primeiro momento, não dê jeito de demover as posições de Trump. Porque o Brasil de fato tem também uma tradição histórica de atuar nessa linha de reciprocidade. Podemos recuperar, por exemplo, o caso em que os Estados Unidos passaram a endurecer a política de visto em relação a imigrantes brasileiros e a reação natural do Brasil foi atuar na mesma direção, endurecer a política de visto aos Estados Unidos.  

Então, esse sentido da reciprocidade não é só econômico, ela atua em termos políticos, em termos diplomáticos no geral. Mas o Brasil de fato tentaria evitar ter que recorrer a isso, porque sabe também, o próprio governo brasileiro tem as suas dificuldades internas e sabe que não é um caminho vantajoso no primeiro momento. O que se pode perceber é que, de maneira um tanto quanto contraditória à primeira vista, mas depois olhando com mais cuidado faz todo sentido, muitas diferentes matizes ideológicas se manifestaram contra o tarifaço.   

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Acho que seria muito forçado dizer que promoveu uma união nacional, mas caminhou para uma confluência de opiniões que eram muito difíceis de ocorrer em outras circunstâncias. Então, o governo também quer aproveitar isso em termos de popularidade e sabe que, por exemplo, se recorresse já de maneira intempestiva a simplesmente elevar nos 50% também, poderia provocar uma perda desse apoio, digamos assim, natural ou imediato de primeiro momento, junto a uma própria parcela expressiva do empresariado brasileiro, por exemplo, que também está descontente com a medida. 

Então, de cenários mais possíveis que é possível visualizar nas próximas semanas, seriam o avanço de negociações pela via diplomática, e aí com variados desfechos, um possível recuo como ocorreu com outros países, e caso não haja avanço, uma resposta pela reciprocidade, que poderia trazer impactos de preços também às importações?

Perfeito, e aí eu acho que vale uma ponderação, que é a seguinte: a julgar pelo que os Estados Unidos têm feito com outros países, de fato o caminho natural tende a ser exatamente esse. Agora, em grande medida, vários desses países têm um peso muito importante dentro da política externa dos Estados Unidos, inclusive dentro da economia mundial.   

Então, por exemplo, o caso que gerou bastante hostilidade junto ao Japão, junto à Índia, junto à China e à própria União Europeia, eles tiveram esse rito de tratamento, digamos assim, e acredito que é um caminho de cenário possível para o que acontece com o Brasil.

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Por outro lado, é importante mencionar que países que, aos olhos dos Estados Unidos, estariam mais ou menos na mesma prateleira do Brasil, como o México e a Colômbia, foram países sobre os quais os Estados Unidos projetaram tarifas muito fortes, esses países reagiram imediatamente… A presidente Claudia Sheinbaum, do México, fez uma reação muito ostensiva, assim como o próprio presidente Gustavo Petro, na Colômbia, foram reações muito fortes. E nessas reações, os Estados Unidos recuaram já muito antes, num primeiro momento já, sem grandes conversas, grandes agendas de reuniões.  

Isso aconteceu no início do mês de março, ou no final do mês de fevereiro, quando as negociações estavam sendo feitas, mas o grande tarifaço do mês de abril ainda não tinha ocorrido. Mas as rusgas com Colômbia e com o México já foram, de largada, um pouco maiores. O México, por estar na esteira do Acordo de Livre Comércio junto ao Canadá, foi um dos primeiros alvos, reagiu fortemente, não mudou as suas posições e conseguiu recuperar o patamar de tarifas que vigorava antes dos anúncios de Trump. E a Colômbia tinha algumas rusgas políticas, principalmente porque rompeu relações diplomáticas com Israel, em função do genocídio promovido na Palestina. E aí a reação do presidente Gustavo Petro também foi em alto tom, depois houve recuo dos dois lados e as relações se normalizaram novamente. 

Eu diria que um dos grandes desafios para projetar o cenário, no caso brasileiro aqui, seria ver se Trump daria a mesma condução para esses outros países em que foram feitos os adiamentos, os possíveis relaxamentos e toda uma agenda de conversas diplomáticas, ou se, dependendo da reação brasileira, o desfecho pode ser talvez mais rápido e favorável ao Brasil, como foi favorável ao México e à Colômbia nos outros casos. 

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