O dia 24 de outubro era para ser uma sexta-feira normal de trabalho. Devido a ameaças que vinham acontecendo de forma indireta, Kessya Souza foi levada por seus pais até o mercado em que atuava no bairro São Rafael, em Rio Negrinho. Mas nem o cuidado da família evitou o trágico ataque feito pelo ex-namorado. A jovem de 18 anos foi socorrida com ferimentos graves e teve uma das mãos amputadas. Com exclusividade, ela contou ao NSC Total como foi a agressão e deu detalhes dos dias que precederam o crime.
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Relacionamento de anos
Kessya conta que teve um relacionamento de quatro anos e meio com o ex-namorado. Para ela, o início do namoro foi bom, e o rapaz nunca demonstrou nenhum tipo de comportamento agressivo ou tóxico.
— A gente foi se conhecendo, ele era um rapaz bom, um rapaz trabalhador, só que com o passar do tempo o relacionamento ele não foi ficando bom — relata.
Ao longo desse tempo, percebeu que seus interesses já não eram mais os mesmos. A jovem relata que o rapaz acabou se perdendo na vida, devido a amizades adquiridas pelo caminho. Ela disse que por muitos meses pensou sobre o fim do namoro e se preparou psicologicamente para realmente encerrar essa etapa.
— É bem chocante, assim, terminar um relacionamento de anos, não é fácil. Acho que não é fácil para ninguém, mesmo que o relacionamento seja bom. E quando você vê que não tá dando certo, você tenta ir se afastando da pessoa e foi isso que eu fiz. Eu por meses fui colocando na minha cabeça que eu não queria casar com ele, não queria ter filho com ele e que ele não era para mim. Então, eu fui me afastando cada vez mais até eu estar pronta para ir embora do relacionamento. Tanto que eu senti que chegou o momento — detalha.
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Fim do namoro
O término do relacionamento ocorreu no dia 22 de outubro de 2025, uma quarta-feira, dois dias antes do ataque. Durante uma conversa, ela contou ao rapaz que não sentia mais nada por ele e não queria seguir a vida ao seu lado.
— Tenho bastante coisa, objetivos, tenho planos e eu acho que a gente não se ama mais. Eu acho que a gente aprendeu a conviver um com o outro. E eu não gostaria de estar com uma pessoa que eu só aprendi a conviver — relembra o que disse ao ex-companheiro.
Kessya conta que ele não se demonstrou agressivo após a conversa, mas tentou reatar o relacionamento, inclusive prometendo que tentaria mudar o rumo de sua vida.
— Mas de tantas vezes ele tentar mudar ou ser diferente, eu já tava desanimada. E daí eu falei: “Eu acho que não, acho que tô pronta para seguir em frente”. Aí eu terminei, bloqueei ele em tudo, de todas as redes — afirma.
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Ameaças
Após o término, como o rapaz não conseguiu entrar em contato com ela, passou a abordar vizinhos e amigos de Kessya. Tanto pessoalmente, como também nas redes sociais.
— E também começou a falar para alguns vizinhos aqui do bairro que estava me ameaçando, postando indireta nos stories [no Instagram], e começou a me ameaçar através de outras pessoas. Ele não chegou a falar para mim. Eu ouvi por outras pessoas — diz.
A jovem, natural da cidade do Planalto Norte catarinense, conta que queria denunciá-lo pelas ameaças, mas não teve tempo para procurar ajuda, já que apenas dois dias separaram o dia do término e o dia do ataque.
— Mas eu não sabia que ele era capaz de fazer o que ele fez comigo até ele fazer em si — afirma.
Lembranças do ataque
Kessya recorda que foi trabalhar tranquilamente, como em qualquer outro dia. Entretanto, ela conta que estava com a mente um pouco atribulada devido às ameaças, pensando se o ex seria capaz de fazer algo contra ela.
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— Eu nunca acreditei que ele poderia ser capaz, né? Eu achei que ele só, tipo, ia me espancar ou me bater. Isso nunca passou pela minha cabeça — diz.
A jovem fala que foi para o seu intervalo, em um momento mensal de confraternização com os colegas de trabalho. A jovem relembra que sua amiga, que junto com outro colega também foi atacado, estava um pouco cabisbaixa no dia. Ela retornou ao trabalho e, poucos minutos depois, foi chamar Kessya dizendo que um rapaz tinha uma entrega para ela.
Kessya não reconheceu o nome e pediu para dizer que ela não estava no local. Segundos depois, a jovem ouviu gritos e sua amiga a chamar novamente.
— Nessa hora, eu me levanto e só saio correndo pela porta. E daí consigo ver que eles [os colegas de trabalho] seguram ele [o ex-namorado]. Seguram ele na parede para eu passar. Eles ajudaram muito, porque eles enfrentaram ele, enfrentaram mesmo. Ficaram cara a cara com ele e com o facão. E eu naquela hora passei pela primeira remessa da escada, e daí na segunda ele acabou me golpeando e eu caí. Foi aí que eu tropecei, virei uma “carambola” e fui arrastando pela calçada. Naquele momento ele me pegou — relata.
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“Só pensava que era o meu fim”
Kessya diz que quando o ex-namorado conseguiu a alcançar ela pensou que morreria ali mesmo, na calçada do mercado onde trabalhava em Rio Negrinho.
— Aí quando ele começou a me golpear, eu achei que ele só estava me batendo. Porque a adrenalina e também eu acredito que foi muito a mão de Deus que me protegeu naquele momento. E eu acho que eu entrei em choque. Não tenho outra explicação, entrei em choque, daí na hora não sentia, sabe? Mas eu sentia que eu estava sendo atacada brutalmente — conta.
Quando o homem finalmente a soltou e fugiu do local, ela lembra de olhar para todo o sangue que saia de seu corpo e se desesperar. Kessya só conseguiu se concentrar e fazer uma oração, torcendo para que sua fé a sustentasse até a chegada do socorro.
Vídeo mostra chegada do autor do crime ao mercado
Quando uma equipe da Polícia Militar chegou ao local, ela ainda conseguiu identificar seu agressor e contar sobre a casa em que morava.
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— Aí a emergência chegou e eles me me pegaram, enfaixaram a minha cabeça, porque tem bastante corte também. Tá cheio de pontos. E a minha mão, né? A minha mão estava por uma lasca. Estava por uma lasquinha, só estava pendurada. Aí os bombeiros enfaixaram também — diz.
Os dois colegas de trabalho, que ajudaram a proteger Kessya, também foram agredidos. A mulher de 32 anos, gerente do estabelecimento, foi atingida no rosto. Já um jovem de 19 anos teve ferimentos na nuca e nos braços, conforme o Corpo de Bombeiros Militar da cidade.
— Aquele dia parou o hospital, quando chegou nós três. Todos nós lá estávamos ensanguentados e aí eles começaram a costurar. As anestesias eu senti tudo na cabeça. A única vez que eu não senti nada foi quando me sedaram para amputar a minha mão. Saindo dessa cirurgia eu fui direto para a UTI. Lá eu fui bem atendida, mas chorei bastante lá também — conta.
Kessya relembra que durante todos os dias internada se questionou sobre o por quê aquilo aconteceu e rezava para encontrar sentido na vida novamente. Ela define sua recuperação na UTI como um choque de realidade.
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— O que passa na cabeça, é “poxa, perdi a mão. E agora? Como é que vou fazer isso? Como é que eu vou fazer aquilo? E agora?”. Depois que passa, depois que você se acalma, você entende que tudo tem uma solução. Eu acho que o que eu mais posso fazer é agradecer de eu estar viva, de estar aqui, de conseguir ver todas as pessoas que me amam, todas as pessoas que oraram por mim. Claro que [perder] uma mão é um choque, é uma coisa que no dia a dia a gente não percebe o quanto que ela é útil para gente. Mas hoje em dia eu entendo que eu estou viva graças a minha minha mão também, porque através dela não tive tantos golpes na cabeça — diz.
Recuperação após ter mão amputada
Kessya Souza recebeu alta três dias após o ataque. Agora, ela segue sua recuperação em casa, cercada pelo cuidado e amor da família. A jovem conta que quer usar sua experiência como forma de alertar e ajudar outras mulheres.
— Eu penso em fazer uma faculdade de direito, foi uma coisa que sempre me senti interessada, sempre gostei muito. Eu acredito que quero seguir em uma carreira para ajudar o próximo, para mostrar às mulheres como que é um relacionamento tóxico e como sair dele. Quero que elas me escutem, e elas também precisam ser ouvidas, porque muitas mulheres se sentem violentadas e sozinhas também. Por muitos comentários bobos, às vezes, de pessoas próximas elas se sentem oprimidas. Então, eu queria demonstrar uma força. Então, eu pretendo fazer a diferença — declarou.
Denúncia do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC).
O homem de 23 anos, que armado com um facão invadiu o mercado e agrediu Kessya e seus colegas, foi encontrado em casa pela Polícia Militar e preso em flagrante no mesmo dia. A Justiça converteu sua detenção em prisão preventiva.
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Nesta terça-feira (4), o Ministério Público informou que protocolou denúncia, via 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Rio Negrinho, para requerer que o acusado seja julgado pelo Tribunal do Júri e que, em caso de condenação, seja fixado o valor mínimo de reparação de R$ 100 mil para cada vítima. A denúncia já foi recebida pela 2ª Vara Criminal.
Para a promotora de Justiça Saraah Seben Fiamoncini, autora da ação, a vítima só não morreu “graças à intervenção de populares e ao rápido socorro. Na tentativa de alcançar a ex-namorada, colegas de trabalho que tentaram impedir a agressão também foram atingidos.”
— Estamos diante de um crime bárbaro, praticado com meio cruel, por motivo fútil e com evidente intenção homicida. A sociedade não pode tolerar tamanha violência, especialmente contra mulheres, em contexto de feminicídio — disse ainda a promotora.
O acusado responde aos crimes de tentativa de feminicídio e duas de homicídio, qualificadas por motivo fútil, meio cruel e recurso que dificultou a defesa das vítimas.
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