Há dois meses recebi um questionário da escola das minhas filhas perguntando se eu queria que as aulas voltassem e se eu as mandaria para a escola. Me pegou num momento ruim, exausta, querendo usar o meu computador sozinha e não sabendo como lidar com choros, frustrações e com falta de privacidade. Marquei sim nas duas respostas e apertei ‘enviar”. Minutos depois, pensei: mas a gente não sabe nada sobre o que pode acontecer! Mandei uma mensagem para coordenadora: ignora a minha resposta no questionário, por favor, esse ano eu não mando elas nem que saia a vacina.
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Comentei com outra mãe, dias mais tarde, e ela me disse que tinha feito exatamente a mesma coisa. Ando com a sensação de que nossas decisões de 2020, necessariamente tomadas com base em variáveis muito incertas, estão sempre cercadas de sim, não, talvez, pode ser, vou ali chorar no cantinho e depois te respondo. Tá difícil ser coerente.
Esse sentimento chama-se dissonância cognitiva e foi cunhado em 1957 pelo professor Leon Festinger, na New School for Social Research, em Nova Iorque. A dissonância aparece quando temos um conflito e para resolvê-lo precisamos lidar com argumentos que não fazem sentido entre si. O resultado é que terminamos agindo de uma forma que não combina com os nossos valores. Se o cotidiano, ou a vida como sempre conhecemos, está tão alterado, quem somos nós pra termos certeza de algo?
Na semana passada, depois de reformas e treinamentos, a escola reabriu as portas para meia dúzia de crianças. As atividades ainda estão restritas – são só dois dias, duas horinhas – e cada criança precisa levar uma máscara extra pra trocar após a primeira hora de atividades. Por medo, quase que não mandamos elas. O que mais pesou foi a reação das duas quando anunciei e perguntei: a escola vai abrir algumas horas, vocês não querer ir, né? Foi uma gritaria, teve até dancinha da vitória. Cedemos.
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Na reunião online antes da volta fiquei tão nervosa que tive que desligar a câmera. Estava com vontade de chorar. O pior é que eu não sei se era de felicidade ou de pânico. No fim, deu tudo certo. A primeira semana correu sem problemas, com muito álcool gel e cuidados redobrados. Conviver com gente da mesma idade, correr e brincar é uma das coisas mais gostosas da vida. As meninas ficaram muito mais leves.
> Um professor inspirador abre mentes, toca corações, muda histórias
Se por um lado está difícil decidir as coisas, por outro, estamos mais atentos aos resultados dos nossos atos, sentindo à flor da pele todas as consequências. Mudar o rumo, voltar atrás e repensar está se tornado inevitável. Quem sabe se essa dissonância cognitiva que a pandemia nos trouxe não é um sintoma de um futuro melhor, onde as pessoas estejam mais dispostas a rever seus conceitos e verdades absolutas?
*Ana Cardoso é jornalista, socióloga e autora do livro “A mamãe é rock”