Passados os dias mais tensos do golpe civil militar de 31 de março de 1964, o então comandante da unidade militar em Porto União, general Dario Coelho, determinou uma caçada por pelo menos dez cidades do Planalto Norte de Santa Catarina, operação que culminou com a detenção de quase 200 pessoas, principalmente líderes sindicais e integrantes do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

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A ação, que hoje é entendida por historiadores como algo movido por um entusiasmo quase delirante, tinha como alvos nomes como o do então deputado federal pelo Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola, e o líder revolucionário Fidel Castro, que assumira o poder em Cuba cinco anos antes. Inexplicavelmente, até o nome de Getúlio Vargas, ex-presidente da República, morto uma década antes, aparece nos documentos.

– Essa operação foi diferente do que houve no resto do Estado ou do País. Nem havia perseguição aos comunistas – diz Derlei Catarina De Luca, integrante da Comissão Estadual da Verdade, responsável por examinar as violações de direitos humanos durante a ditadura militar em Santa Catarina e dar suporte à Comissão Nacional da Verdade.

A Comissão Estadual da Verdade tem pelo menos 64 nomes de pessoas que foram presas, torturadas ou mortas por causa da ditadura no Norte do Estado, especialmente nas cidades e Joinville, Araquari, São Francisco do Sul e São Bento do Sul. A lista e os fatos que marcaram o golpe militar no Norte do Estado foram tema de uma série de reportagens de A Notícia.

A descoberta dos documentos que comprovam a operação e a lista com os 208 nomes foi feita no Arquivo Histórico de São Paulo e já está nos arquivos da Comissão Estadual. Não se sabe como os documentos de uma unidade militar do Planalto Norte de Santa Catarina foram parar lá, nem se há mais informações que possam ajudar a esclarecer o período na região.

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A prioridade do grupo é definir como chegar a estas pessoas, seus filhos ou netos, o mais rápido possível. É que a Comissão Nacional da Verdade deve entregar até o fim do ano o relatório com toda a análise, as perícias, as entrevistas e os documentos.

Busca por pessoas e parentes

Segundo Derlei, os interrogatórios feitos com os prisioneiros eram conduzidos por um tenente que liderou as buscas pelas cidades da região, especialmente Campos Novos, Porto União, Videira, Irienópolis e Major Costa. Encontrar as pessoas ou seus parentes é importante para relembrar esses depoimentos, as circunstâncias das prisões e determinar se houve e quais foram as violações aos direitos humanos.

Os integrantes da comissão devem definir uma data para a realização de uma audiência em Joinville. A partir desse encontro, será possível buscar informações em emissoras de rádio, jornais e sites de notícias aos quais essas pessoas possam ter acesso.

– Precisamos de toda ajuda possível para chegar aos que estão na lista e seus familiares. Primeiro vamos fazer essa audiência em Joinville e, depois, vamos reunir os contatos para chegar às pessoas.

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A lista está guardada em Florianópolis e deve ser divulgada a partir da semana que vem, quando a comissão decide a estratégia.

O comando do Exército para a região Sul, com sede em Curitiba, centro militar ao qual respondia a unidade militar de Porto União na época, não comenta quaisquer assuntos relativos ao período da ditadura ou ao trabalho das comissões da verdade.

No Norte do Estado

Nos arquivos da Comissão da Verdade do Estado já há uma lista com pelo menos 64 nomes de pessoas que foram presas durante a ditadura, algumas delas imediatamente após o golpe de 1964 ou em investigaçoes concluídas em 1965. Algumas prisões foram feitas durante a Operação Barriga Verde, nos anos 1970, uma verdadeira caça aos comunistas, considerados clandestinos no País, que vivia o bipartidarismo (Arena e MDB).

Os nomes incluem integrantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), sindicalistas, jornalistas, religiosos, estudantes e políticos da época. Em cada cidade, algumas peculiaridades acompanhavam os fichamentos e as prisões.

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Em São Bento do Sul, onde o Sindicato da Indústria Moveleira ganhava força, os líderes das entidades acabaram sendo fichados e presos. Em São Francisco do Sul e Araquari foram grupos ligados ao trabalho de logística do Porto de São Francisco do Sul. Os presos eram levados principalmente para Florianópolis e Curitiba.

Durante os trabalhos da Comissão, principalmente no ano passado, os depoimentos dos presos – que relataram como foi a detenção e o cotidiano dentro das prisões no Estado e no Paraná – passaram a ser documentos oficiais, que serão levados à Comissão Nacional da Verdade.

Curiosidades da lista

Três nomes que estavam na lista de 208 pessoas a serem presas no Planalto Norte chamaram a atenção da Comissão Estadual da Verdade:

Leonel Brizola

22/1/1922 – 21/6/2004

É considerado o herdeiro político de Getúlio Vargas e João Goulart, como líder nacionalista. Nasceu em Carazinho, no Rio Grande do Sul, mas iniciou a sua carreira política em Porto Alegre. Dois anos depois de filiar-se ao PTB (1945), foi eleito deputado estadual pelo Rio Grande do Sul. Em 1950, casou-se com Neuza Goulart, irmã do ex-presidente João Goulart (1961/64), tendo como um dos padrinhos outro líder histórico do Brasil: Getúlio Vargas. Era deputado federal pelo RS quando ocorreu o golpe militar. Fez discursos veementes defendendo a implantação da reforma agrária e a distribuição de renda no Brasil, mas com a deposição do presidente João Goulart, foi obrigado a se exilar no Uruguai. Somente voltou ao Brasil em 1979, com a Lei da Anistia.

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Getúlio Vargas

19/4/1882 – 24/8/1954

O político gaúcho começou sua carreira em 1909, como deputado estadual pelo PRP (Partido Republicano Rio-Grandense). De 1922 a 1926, cumpriu o mandato de deputado federal. Foi ministro da Fazenda do governo Washington Luís, mas comandou o golpe de 1930, que derrubou o mesmo presidente. Ocupou a presidência nos 15 anos seguintes e adotou uma política nacionalista. Em 1934, promulgou uma nova Constituição. Em 1937, fechou o Congresso, prescreveu todos os partidos, outorgou uma Constituição, instalou o Estado Novo e governou com poderes ditatoriais. Foi derrubado pelos militares em 1945, mas voltou à presidência na eleição de 1950, eleito pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), que ajudou a fundar. Suicidou-se em meio à crise política, com um tiro no peito, na madrugada de 24 de agosto de 1954.

Fidel Castro

13/8/1926

É o principal líder da revolução cubana. Assumiu o poder pela força em 1959 e só renunciou à presidência em 2008. Em 1945 ingressou na Universidade da capital cubana para estudar direito. Em 1948 viajou à Colômbia como delegado da Federação dos Estudantes Universitários, para uma conferência. Voltou às pressas para Cuba, suspeito de ter participado do assassinato do líder liberal Eliecer Gaitán. Desde 1952, com a subida ao poder de Fulgêncio Batista, através de um golpe de Estado, Fidel começou a fazer oposição clandestina ao ditador. No ano seguinte, como membro do grupo de ação radical, planejou um ataque ao quartel de La Moncada. Acabou preso com seu irmão Raul Castro. Escapou de ser executado e foi condenado a 15 anos de prisão. Em 1955, foi anistiado e partiu para o exílio no México. Retornou a Cuba em 1956, clandestinamente, chefiando uma fileira de 82 homens decididos a empreender uma guerrilha revolucionária, entre eles Ernesto Che Guevara. Fidel e seus comandados entraram em Havana em 1958, acabando por vencer o General Batista. Em 2006, debilitado por uma cirurgia no intestino, Fidel Castro transmitiu o poder ao irmão Raúl. Em 2008, renunciou oficialmente à presidência.