Os passos seguintes à operação contra a facção criminosa que atua no Rio de Janeiro e que resultou em mais de 120 mortes na terça-feira (28) deveriam envolver controle de acesso aos complexos, uma maior presença do Estado na localidade com serviços de saúde e educação e um planejamento sobre como o espaço será ocupado no longo prazo. Essa é a avaliação de especialistas em segurança públicas ouvidos pela reportagem do NSC Total.

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O professor Coronel Moretzsohn, especialista em Inteligência, propõe uma ocupação de pontos estratégicos sem prazo para término e com apoio das Forças Armadas, com uma varredura nos imóveis. A ação, segundo ele, poderia ser semelhante à feita na prisão do criminoso Elias Maluco, assassino do jornalista Tim Lopes, em 2002.

— A varredura incluiria detectores de metal e cães farejadores, em busca de armas, dinamites, munições e drogas ilícitas. Todas as pessoas que subissem e descessem o morro seriam revistadas, inclusive idosos e crianças. Os acessos ao complexo seriam isolados por barreiras policiais, somente permitindo passagem de pessoas após checagem no sistema de segurança ou por reconhecimento facial — exemplifica o especialista.

Ele defende ainda que o Estado precisa retomar o domínio sobre a área.

— O Estado precisa recuperar o controle do território e garantir a paz, para que a vida da população de bem, que é a maioria, possa prosseguir de forma segura. Essa é a missão principal — define.

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A presença maior do Estado com serviços e apoio que vão além da força policial é outra defesa feita por especialistas.

O advogado criminalista Rodrigo Oliveira de Camargo, doutor em Ciências Criminais e coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais em Santa Catarina (IBCCrim), frisa que o modelo da operação feita nesta terça-feira não é novo e acaba se repetindo ano após ano, em geral sem sucesso no combate ao crime organizado. Ele cita como exemplo as operações que tentaram implantar Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), mas que também terminaram com a volta de facções ao comando das comunidades.

— A ocupação [do território alvo da operação] não tem que ser miliciana, digamos assim, no sentido de ser policial. É uma ocupação que tem que se transformar em serviços que efetivamente preencham aquelas deficiências que essas zonas, em geral marginalizadas, já têm historicamente. São regiões marginalizadas pelo poder público, vulneráveis, na entrega de saúde, educação, assistência social. São justamente essas faltas que permitem que esse tipo de organização, essas facções criminosas, acabem tomando o espaço que deveria ser do Estado — avalia o especialista.

Camargo também defende que os próximos passos da operação deveriam envolver o recolhimento e a identificação de todos os corpos e um inventário sobre os armamentos usados nos confrontos, com investigação sobre o que ocorreu.

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O advogado e especialista em segurança pública Juliano Keller, doutor em Ciência Jurídica e professor de Direito da Univali, também argumenta que essas operações ocorrem de tempos em tempos, mas que deixam dúvidas sobre as ações previstas em longo prazo.

— O que eu sinto falta é que, na segurança pública, só se chama a atenção quando há esses confrontos, e não há, digamos, conhecimento do planejamento a longo prazo, de como vamos pensar segurança pública daqui a 10, 20 anos. A segurança pública não pode ficar restrita a questões como essa. Não se planeja a longo prazo com medidas de curto prazo, como essas operações, porque isso não deu certo — conta o profissional.

Operação divide opiniões

A operação do governo estadual do Rio de Janeiro no Complexo do Alemão e da Penha divide opiniões de especialistas. Considerada a mais letal da história do Estado, com mais de 120 mortos, todos pontuam que o episódio deve se tornar uma triste lembrança, em razão das mortes de policiais e de eventuais inocentes.

No entanto, as visões são diferentes sobre o resultado da operação.

— A polícia sobe o morro e o bandido não se entrega? Não é possível fazer omeletes sem quebrar os ovos. Foi uma aposta do governo do Rio de Janeiro, que tem razão em reclamar do governo federal. O Rio não fabrica armas. Os fuzis que lá entram passam pelas fronteiras ou desembarcam em portos e aeroportos. Todos esses gargalos são de responsabilidade do governo federal — defende o coronel Eugênio Moretzsohn.

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O advogado criminalista Rodrigo Oliveira de Camargo afirma que não há como enxergar solução ao problema das facções criminosas por meio de condutas como a operação desta semana.

— Essas operações historicamente acabam não só não resolvendo o problema, como agravando o problema. A gente tem como fonte do Comando Vermelho a ditadura militar, como fonte do PCC o massacre do Carandiru. Ou seja, esses excessos e abusos promovidos pelo poder público historicamente acabam dando condições de criação e aumento da capilaridade das organizações criminosas. Porque em geral as facções criminosas têm como origem a falta ou abuso de direitos por parte do poder público. Então, não seria surpresa, digamos assim, termos como efeito uma ampliação, um ganho de força dessas facções — afirma.

O especialista afirma que exigências previstas na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) das Favelas, como uso de câmeras corporais pelos policiais, teriam sido descartadas, e afirma que mesmo que todos os mortos fossem ligados ao crime organizado, eles teriam sido executados, uma vez que o devido processo legal não foi seguido. Camargo cita a tentativa fracassada das UPPs em comunidades do Rio como exemplo de operação semelhante já feita, mas que não resolveu a questão.

— É um looping. Essa história não começou ontem, hoje. Isso é resultado de uma história de anos atrás, de omissões e violações de direitos.

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O advogado Juliano Keller reconhece que o uso de força como na operação desta semana por vezes é necessária, mas defende que a medida precisa estar vinculada a um planejamento de longo prazo para a região.

— Houve uma queda de braço, com manifestação de força do Estado, ok, é algo que precisa ser levado em consideração, não se descarta isso, mas o que vamos pensar para o futuro? Não queremos que volte o que já acontecia. Em termos de política a curto prazo, [a operação] é uma medida que se faz necessária, agora, o que o Estado pode nos dizer a médio e longo prazo? Não pode continuar dando somente medidas de repressão de curto prazo — cobra o especialista.

Legislações em discussão

Alvo de divergências entre o governo Lula e governadores, a PEC da Segurança Pública foi um dos instrumentos legais discutidos após a operação de terça-feira. Em resposta ao governador Cláudio Castro (PL), que se queixou da falta de apoio do governo federal no dia da operação, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann (PT-PR) citou a legislação como uma tentativa da gestão federal de unir forças dos Estados e da União para combater questões como o crime organizado. Apesar da polêmica, a proposta ainda está em tramitação no Congresso e enfrenta resistência de parte do parlamento.

Em entrevista coletiva nesta quarta, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, citou a operação Carbono Oculto, contra braços financeiros de uma facção criminosa paulista, como estratégia alternativa do governo federal adotada contra o crime organizado em detrimento de operações armadas em comunidades.

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