“Amor ao primeiro voo”. É assim que o “praticamente manezinho” Érico Schmitt, violoncelista da Camerata Florianópolis, define a primeira decolagem em um voo duplo de asa delta, realizado em meados de 2019. Quando colocou os pés no chão novamente, ele quis saber todos os detalhes sobre o esporte, pois sabia que seu destino era fazer aquilo. Agora, depois de anos de treino e dedicação, o piloto e músico se prepara para competir no Campeonato Mundial de Asa Delta em julho, na Espanha.

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Érico nasceu em Concórdia, no Oeste do Estado, mas se mudou para Florianópolis ainda bebê, com apenas um ano. O atleta ainda nem sabia o que era asa delta direito, mas já sonhava em voar desde criança. Olhava para o céu quando ia para a Praia Mole, via alguns atletas voando e percebeu que ali nascia uma vontade que ficou adormecida por muito tempo.

Enquanto a oportunidade não aparecia, o gosto pela música foi acendendo dentro de Érico. Tudo começou com um violão despretensioso aos 10 anos. Cinco anos depois, veio a guitarra, o baixo elétrico e, finalmente, o violoncelo aos 17 anos, quando conseguiu uma vaga no projeto da Orquestra Experimental do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), que oferece aulas gratuitas e empresta o instrumento para o aluno. Ele conta que, sem esse projeto, ele provavelmente não seria músico.

Pouco tempo depois, Érico decidiu estudar Engenharia Civil na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ao mesmo tempo, continuou participando da Orquestra Experimental e decidiu, ainda, ingressar na Orquestra de Câmara da UFSC. Quando chegou no 5° semestre de engenharia, percebeu que a música era sua verdadeira vocação.

Entrou para a Orquestra Sinfônica de Santa Catarina e mergulhou fundo nos estudos durante um ano e meio para entrar no Bacharelado de Violoncelo da UDESC em 2013. Ainda durante o curso, em 2016, conseguiu passar numa audição para a Camerata Florianópolis.

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Foi nesse mesmo ano que o sonho de voar reacendeu quando o Youtube recomendou um vídeo de um voo de Asa Delta nos Alpes Suíços.

— Passei a ver muitos vídeos e ler sobre o esporte. Mas eu imaginava que era algo muito mais caro, e eu era estudante de música, então ainda não fui atrás [na época]. Hoje sei que é mais acessível do que a maioria imagina, ainda que não seja barato — recorda.

Enquanto a coragem para iniciar na asa delta não chegava, Érico não ficava parado: fez natação, praticou remo e começou a focar no ciclismo. No entanto, em 2019, uma tendinite nos joelhos por excesso de treinos o tirou de cima das bikes e fez o músico recalcular a rota.

— Foi finalmente nesse momento, proibido de pedalar por alguns meses, que me lembrei da asa delta e fui atrás de um voo duplo para sentir como era. Imediatamente, após a primeira decolagem, eu sabia que tinha que fazer aquilo — diz.

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Dedicação máxima

A partir do primeiro voo, Érico conta que fez um curso prático e, desde então, buscava voar o maior tempo possível em cada voo, já que “quantidade e horas de voo são muito importantes para o progresso”.

— Busquei voar sempre que podia e o clima permitia. Voei mais de 100 horas logo no primeiro ano. Também procurei aplicar o que aprendi na teoria de forma consciente, buscando voar um pouquinho mais alto ou mais longe a cada voo — diz.

Em 2023, ele participou da primeira competição da vida dele, no Campeonato Brasileiro. Ele explica que as competições são voos chamados de cross country, quando o piloto precisa seguir um percurso predefinido, como uma corrida. Para ele, ter um bom preparo físico é essencial, junto com as decisões estratégicas baseadas no conhecimento prévio sobre o esporte. Para isso, observa-se tudo ao redor durante o voo, desde os pássaros até outros competidores.

— Dedicação e estudo são fundamentais, tanto na música quanto no voo. Não acredito em talento nato. Antes mesmo de começar a voar, gastei horas lendo discussões em fóruns, grupos de voo, livros, vendo vídeos, aprendendo sobre meteorologia aplicada e praticando em simuladores de voo com planadores de diversos tipos — conta.

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A difícil tarefa de conciliar a música com os treinos

Érico diz que voa sempre que a agenda da orquestra e, claro, o clima, permitem. Ele conta que, às vezes, “dá pra voar algum dia durante a semana, e tocamos no final de semana por exemplo”. Também é possível ensaiar pela manhã, voar à tarde e tocar em um concerto à noite.

Porém, nem sempre é possível conciliar as duas coisas. Nos últimos meses do ano, por exemplo, Érico tem muitos compromissos na Camerata, com ensaios e gravações todos os dias, sem folgas.

— Em novembro do ano passado, por exemplo, tivemos mais de 20 concertos com muitas viagens, alguns ensaios, e uns três dias inteiros no estúdio gravando. Fiquei mais de um mês sem conseguir tirar os pés do chão — lembra.

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Vaga no mundial de asa delta

Foram os resultados promissores no Campeonato Brasileiro que garantiram a vaga de Érico para o Mundial na categoria de asa delta rígida, que acontece de 13 e 26 de julho na Espanha. À época, ainda não havia um campeonato específico desta categoria no país, então Érico conseguiu a vaga por meio da análise do currículo de voos registrados do piloto, incluindo resultados em competições anteriores nas outras categorias.

A asa delta rígida tem uma estrutura cantiléver de fibra de carbono e não flexiona com o deslocamento de peso do piloto. O controle é feito por superfície de comando, semelhantes aos das asas de aviões. Érico explica que as asas rígidas têm mais performance, “com razão de planeio que chega a 21:1”.

— É como dirigir com direção hidráulica e suspensão a ar, [as asas] são muito confortáveis. A estrutura absorve a maior parte das turbulências, a asa corrige as pequenas turbulências sozinha e a performance de planeio é fantástica. Por não transmitir essa sensibilidade imediata do ar em volta, a pilotagem é mais cerebral e menos física. São também extremamente seguras e fáceis de pousar — explica.

Para Érico, chegar até o mundial é a realização do sonho que reacendeu com o vídeo que viu em 2016, de voar “grandes distâncias com uma asa delta sobre paisagens alucinantes, e num alto nível técnico”.

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