*Por Sarah Kliff
No mês passado, Patti Hanks enfrentou uma decisão dolorosa: voltar ao trabalho ou perder o seguro-saúde.
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Hanks, de 62 anos, recentemente fez tratamento contra câncer de ovário. Com a imunidade baixa, ela estava preocupada com a volta ao seu local de trabalho, uma loja onde elabora planos de financiamento e recebe pagamentos em dinheiro de clientes que compram móveis e grandes eletrodomésticos.
Mas estava ainda mais preocupada em perder a cobertura de saúde caso não voltasse. Encontrar um emprego com esse tipo de benefício e que permitisse que trabalhasse de casa parecia um sonho no meio de uma crise econômica. “Acabei de superar a quimioterapia. Agora não é o momento de perder meu seguro”, disse ela.
Portanto, apesar de suas reservas, ela voltou. Hanks usa máscara e faz questão de que os clientes se sentem a uma mesa em forma de L, a uma boa distância.
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“É uma coisa assustadora voltar sabendo que você tem baixa imunidade. Mas, no fim das contas, não acho que a Covid-19 vá embora tão cedo. Não acho que você consiga se esconder dela. É preciso confiar em Deus e voltar”, afirmou ela em meados de maio, dois dias depois de voltar a trabalhar.
A experiência de Hanks ilustra como o sistema de seguro-saúde baseado no vínculo empregatício nos EUA pode se tornar outro problema na luta do país para conter o coronavírus. Ele poderia forçar os trabalhadores de grupos de risco a voltar ao trabalho mais rapidamente. Essas pessoas precisam de cobertura para tratar condições pré-existentes, que as tornam mais vulneráveis à Covid-19.
Estima-se que cerca de um quarto dos trabalhadores dos EUA – 37,7 milhões de pessoas no total – tenha alto risco de doença grave por causa do coronavírus, de acordo com um estudo da Kaiser Family Foundation publicado esta semana.
Alguns apresentam risco maior por causa da idade e outros têm problemas de saúde como diabetes ou asma, que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças identificou como fatores de risco.
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“É uma das várias maneiras pelas quais o sistema de saúde dos EUA nos tornou muito mais vulneráveis aos efeitos da pandemia do que em outros países. Nestes, você não ouve falar de pessoas perdendo seguro-saúde quando perdem o emprego”, disse Larry Levitt, vice-presidente executivo de política de saúde da Kaiser Family Foundation e coautor do novo estudo.
Quando se trata de cuidados de saúde, os Estados Unidos não são como os outros países que Levitt mencionou. No Canadá e no Reino Unido, os trabalhadores têm cobertura de saúde do governo. Em muitos países europeus, como a Alemanha e os Países Baixos, os trabalhadores compram cobertura subsidiada individual em mercados fortemente regulamentados.
Nos Estados Unidos, 61 por cento dos adultos em idade ativa obtêm seguro-saúde por meio do trabalho. Esse sistema patrocinado pelo empregador data de decisões políticas da época da Segunda Guerra Mundial, que incentivaram as empresas a fornecer benefícios médicos aos trabalhadores.
A decisão mais influente do governo federal, em meados da década de 1940, foi não tributar benefícios de seguro-saúde. O dólar de um empregador gasto em benefícios de saúde subitamente começou a parecer mais interessante do que um dólar gasto com salários. Isso estabeleceu as bases para o que vemos hoje: a maioria das empresas, grandes e pequenas, oferece benefícios de saúde aos trabalhadores.
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A Lei de Cuidados Acessíveis, conhecida também por “Obamacare”, forneceu novas maneiras de os americanos obterem seguro-saúde fora do trabalho. Ela expandiu o Medicaid para cobrir milhões de adultos de baixa renda. Além disso, criou novos mercados de seguros privados, nos quais os americanos de renda média podem comprar cobertura subsidiada (e os planos de saúde não podiam discriminar aqueles com condições pré-existentes).
Mas essa nova rede de segurança tem alguns buracos. Quatorze estados, incluindo os grandes como a Flórida e o Texas, recusaram-se a participar da expansão do Medicaid prevista na lei de saúde. Os trabalhadores que perdem a cobertura patrocinada pelo empregador nesses locais podem ter menos acesso a opções acessíveis.
Outros podem achar as alternativas de cobertura nos mercados de saúde da lei proibitivamente caras, particularmente aqueles que ganham um pouco a mais e que por isso não contam com subsídios. Além disso, os planos mais acessíveis tendem a fornecer cobertura menos robusta do que o que os empregadores normalmente oferecem, e exigem que os pacientes paguem uma parte maior de seus custos de tratamento com coparticipação e deduções.
Essas deficiências podem pressionar os trabalhadores vulneráveis a fazer o que Hanks fez: voltar ao trabalho antes de se sentir totalmente confortável com os riscos.
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Hanks vive na Virgínia, estado que expandiu o Medicaid, mas afirmou que espera ganhar muito com outras fontes de renda para poder se inscrever no programa. Ela e seu marido, que é alguns anos mais velho e coberto pelo Medicare, possuem algumas propriedades de aluguel, além de um rebanho de gado Black Angus (às vezes, eles vendem algumas reses para produtores de carne ou outros agricultores).
Quando os dois compraram sua própria cobertura de saúde cerca de uma década atrás, antes do “Obamacare”, só conseguiram encontrar opções caras por estarem comprando por conta própria. O acesso à cobertura patrocinada pelo empregador foi uma das razões pelas quais Hanks aceitou o emprego na loja de móveis.
Um mês depois de voltar ao trabalho, ela se sente segura no geral. Ela e outros empregadores higienizam mesas e cadeiras com frequência. Hanks tem o cuidado de limpar as canetas que seus clientes usam para assinar contratos.
Recentemente, recebeu boas notícias de seu médico: seu sistema imunológico parece estar se recuperando do tratamento de quimioterapia.
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Ainda assim, a loja tem estado bastante movimentada desde que a Virgínia começou a suspender as restrições da quarentena no mês passado (a demanda por freezers parece ser especialmente alta, possivelmente um sinal de que as famílias estão estocando alimentos). Houve um episódio que a assustou, quando uma funcionária de uma casa de repouso local veio fazer compras.
“Ela não parecia se sentir bem, como se tivesse a testa suada, e usava máscara. Eu estava sentada lá, olhando para ela, pensando que isso não era bom. Mas não dá para se esconder em um buraco. Acho que fizemos tudo o que pudemos para nos proteger. Sei que tento. Por isso vou continuar. É assim que as coisas são”, afirmou Hanks.
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