A prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro voltou a incendiar a política brasileira nesta semana. Decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a medida contra Bolsonaro inflamou ainda mais a polarização entre apoiadores e adversários políticos do ex-presidente. No Congresso, uma tentativa de motim de bolsonaristas acirrou os ânimos, interditou as sessões por 30 horas e direcionou olhares para as decisões do STF.
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A prisão domiciliar foi decreta ainda na segunda-feira (4), após Bolsonaro aparecer em um vídeo divulgado nas redes sociais de um dos filhos, o senador Flávio Bolsonaro. Nas imagens, o ex-presidente saúda apoiadores que participavam de atos em defesa dele no Rio de Janeiro. Proibido de acessar as redes sociais diretamente ou por intermédio de terceiros, Bolsonaro já tinha sido advertido que um novo descumprimento das medidas cautelares após passar a usar tornozeleira eletrônica, em 18 de julho, poderia motivar prisão domiciliar.
Veja fotos da ocupação na Câmara
As reações não demoraram a surgir. O principal palco para as respostas dos bolsonaristas foi o Congresso Nacional. Entre terça (5) e quarta-feira (6), parlamentares da oposição ocuparam as mesas diretoras da Câmara e do Senado. O grupo fez protesto com uso de esparadrapos na boca, para criticar uma suposta censura, envolveu-se em um bate-boca com parlamentares do governo e chegou a se revezar para dormir no plenário. Durante a investida, os bolsonaristas anunciaram obstrução e impediram a abertura das sessões na semana que marcou o retorno dos trabalhos após o recesso.
A reivindicação dos apoiadores de Bolsonaro era a entrada em pauta de projetos de interesse do grupo, que incluem a anistia a todos os investigados pelos atos de 8 de janeiro, o fim do foro privilegiado, que na avaliação de bolsonaristas poderia fazer processos sobre tentativa de golpe contra o ex-presidente saírem do STF e irem para primeira instância, e até o impeachment do ministro Alexandre de Moraes. A conjunto de propostas foi chamado de “pacote da paz” pelos bolsonaristas.
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O 1º vice-presidente da Câmara, Altineu Côrtes (PL-RJ), chegou a afirmar em entrevista que caso o presidente da Câmara Hugo Motta (Republicanos-PR) saia do país, o que exigiria que ele assumisse a presidência da Casa, o projeto da anistia seria colocado em votação imediatamente.
Na quarta-feira, os senadores Magno Malta (PL-ES) e Eduardo Girão (Novo-CE) e o deputado Hélio Lopes (PL-RJ) se acorrentaram à mesa do plenário. O gesto foi encarado pela cúpula do Congresso como uma escalada na tensão entre governo e oposição para o avanço das pautas bolsonaristas.
Acordo envolveu fim do foro e antecipa o que está por vir
A crise alcançou o ponto máximo na noite de quarta-feira, quando o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) foi impedido por alguns minutos de sentar na cadeira da presidência por deputados bolsonaristas. Somente um acordo entre os líderes dos partidos permitiu o fim do motim dos bolsonaristas que interditaram o acesso à mesa diretora. A presidência chegou a cogitar uma possível suspensão de até seis meses aos mandatos de quem continuasse a bloquear os trabalhos do Legislativo. A negociação contou com o apoio do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e envolveu a promessa de levar a votação o projeto de fim do foro privilegiado. O líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou que o acordo também incluiria a votação de um projeto para anistia aos acusados do 8 de janeiro, mas entre os líderes dos partidos há divergência de que este ponto também tenha sido contemplado.
Após conseguir finalmente abrir a sessão, fez um discurso de cerca de 10 minutos em que admitiu que não “vivemos tempos normais” e defendeu que “projetos pessoais” não podem estar à frente do povo.
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Impeachment de Moraes ganha adesão de senadora de SC
O impeachment de Moraes foi uma das principais causas que os bolsonaristas assumiram após a prisão domiciliar do ex-presidente. Um pedido de impedimento do ministro voltou a circular e recebeu o apoio de mais parlamentares, como o da catarinense Ivete da Silveira (MDB). A decisão foi anunciada por ela nas redes sociais após um telefonema do governador Jorginho Mello (PL), que tentou sensibilizá-la da causa. Ivete era a primeira suplente de Jorginho e assumiu o cargo após ele deixar a cadeira para assumir o governo de SC. Com a adesão de Ivete, SC passou a ter os três senadores endossando a proposta, já que Jorge Seif (PL) e Esperidião Amin (PP) já eram defensores da medida. Apesar disso, o impeachment do ministro perdeu força entre as prioridades dos bolsonaristas na construção de acordo com a Câmara, em detrimento das pautas de anistia e fim do foro privilegiado.
A pressão de apoiadores de Bolsonaro no Congresso atrasou a análise de propostas de interesse do governo Lula em busca de popularidade até o processo eleitoral de 2026. É o caso da isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até dois salários mínimos, confirmando uma medida provisória tomada no início do ano. A proposta foi aprovada após o fim da ocupação bolsonarista, na quinta-feira.
A tensão também direcionou os holofotes à recente decisão de Moraes de prisão domiciliar de Bolsonaro e sobre um possível impacto de unificação da direita bolsonarista após a medida. Nesta quinta, a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil publicou uma nova nota em tom intimidador contra a Justiça Brasileira, afirmando que Moraes estaria agindo com “censura e perseguição” contra Bolsonaro. “Os aliados de Moraes no Judiciário e em outras esferas estão avisados para não apoiar nem facilitar a conduta de Moraes. Estamos monitorando a situação de perto”, informou o órgão dos EUA, na nota.
Manifestações de deputados catarinenses
Parlamentares de SC também se manifestaram durante a nova semana de turbulência política e polarização acirrada em função da prisão domiciliar de Bolsonaro. A deputada Carol de Toni, líder da maioria no Senado, divulgou uma nota em que declarou repúdio ao despacho de Moraes e afirmou que a alegação para a prisão seria infundada. “É clara a tentativa de retaliação e vingança, incompatíveis com o Estado Democrático de Direito”. A também catarinense Júlia Zanatta (PL) esteve no centro de uma polêmica após levar a filha de apenas 4 meses para a mesa diretora da Câmara onde ocorria a ocupação dos bolsonaristas. Um deputado do PT chegou a anunciar ter acionado o Conselho Tutelar contra a parlamentar, que nas redes sociais defendeu o direito de levar a filha em fase de amamentação ao local de trabalho.
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Do outro lado da polarização, governistas também se posicionaram sobre a prisão de Bolsonaro. A deputada federal Ana Paula Lima (PT) criticou a investida de bolsonaristas. “O Brasil precisa de seriedade, não de espetáculo de horrores”, escreveu nas redes.
Veja fotos de Bolsonaro
O senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente que publicou o vídeo que desencadeou a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, também reagiu à decisão de Moraes. Ele disse não ter visto nenhum problema na divulgação do vídeo e afirmou não ser possível garantir que o Brasil não sofra novas sanções dos Estados Unidos mesmo em caso de aprovação do projeto da anistia.
Em entrevista à Globonews, refutou a tese de que a divulgação do vídeo poderia ter sido premeditada para forçar o endurecimento das punições de Moraes e provocar dividendos políticos e discurso de perseguição.
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— Quem está com essa leitura está completamente equivocado. Não teve nada premeditado. Bolsonaro está cumprindo todas as exigências, colaborando com o processo desde sempre, mas mais uma vez a gente pega o processo de uma parte e não considera como isso tudo começou. Alexandre de Moraes instaura um processo contra Eduardo Bolsonaro e Jair Bolsonaro exatamente acusando Eduardo de estar lá procurando sanções contra ele próprio. Como é que ele preside esse processo? — criticou o senador.
Embora tenha defendido o “pacote da paz”, Flávio admitiu não ser possível garantir que o Brasil não estaria sujeito a novas sanções dos Estados Unidos em caso de aprovação das pautas bolsonaristas, como a anistia e o impeachment de Moraes.
— Ninguém pode garantir que isso vai tirar as restrições dos Estados Unidos. Ninguém tem controle sobre o que Trump está fazendo. O Eduardo Bolsonaro e nenhuma outra pessoa manipula o presidente Donald Trump — afirmou.
Dois dias após decretar a prisão domiciliar, Moraes autorizou que os filhos e outros familiares visitem Bolsonaro sem necessitar de autorização ou aviso à Justiça. Inicialmente, somente os advogados estavam autorizados a visitar o ex-presidente. Na quinta-feira, estendeu a permissão também ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e a outros aliados políticos.
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Ministros do STF apoiam Moraes
Apesar das críticas à decisão no Congresso, Moraes recebeu manifestações de apoio de aliados do STF. O ministro Gilmar Mendes, na quarta-feira, negou qualquer desconforto em razão da prisão domiciliar decretada pelo ministro.
— Nenhum desconforto [entre os ministros]. O Alexandre de Moraes tem toda a nossa confiança e o nosso apoio — defendeu.
Ministros da Corte também afirmaram à reportagem do jornal O Globo ser “improvável” uma possível reconsideração da prisão domiciliar de Bolsonaro no atual momento.
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