Xanxerê, no Oeste de Santa Catarina, vive um cenário que se repete em centenas de municípios do Sul do país: uma das piores crises já enfrentadas pela atividade leiteira. Com o litro pago ao produtor em torno de R$ 2,30, valor inferior ao custo médio estimado acima de R$ 2,60, o setor enfrenta endividamento crescente, perda de renda e impacto direto na rotina das famílias rurais.
Continua depois da publicidade
Levantamentos recentes da Epagri/Cepa e do IBGE apontam que, embora a produtividade por propriedade esteja aumentando, o número de produtores ativos continua diminuindo. A tendência estrutural é clara: menos famílias permanecendo na atividade, maior concentração produtiva e um mercado cada vez mais pressionado. Conforme dados divulgados, em 2024 o Oeste catarinense possuía 20.385 produtores; já em 2025 são 18.837. Uma variação negativa de 8%.
Rotina que não fecha na ponta do lápis
Um dos maiores produtores de Xanxerê, Rodrigo Bagatini descreve o momento como o mais crítico já enfrentado pela atividade.
— Estamos recebendo o litro a R$ 2,30 e o custo passa de R$ 2,60. Não cobre. Isso travou investimentos, atrasou contas e inviabilizou qualquer planejamento — resume.
Ele também destaca que, além da oferta interna elevada, a entrada de leite importado é um dos fatores mais decisivos para derrubar o preço.
Continua depois da publicidade
— O problema maior é a importação em larga escala. São produtos que chegam com custo muito menor, repassados pelas indústrias. Não tem como competir — cita.

A matemática da propriedade virou alerta
A produtora Celis Gasparetto relata que 2025 teve clima favorável, o que ampliou a oferta de leite, mas contribuiu para a queda no valor pago aos produtores.
— Desde o começo do ano o preço despencou cerca de 50 centavos. Os insumos seguem caros; alguns dobraram de valor nos últimos anos. É um descompasso total entre custo e pagamento — frisa.
Celis afirma que, mesmo sendo autossuficiente, o Brasil perde competitividade devido à elevada carga tributária sobre energia, insumos e combustíveis. Na avaliação dela, três medidas são urgentes: taxar importações em períodos de excesso de oferta, reduzir impostos sobre insumos e energia e incentivar o consumo interno de lácteos.
Continua depois da publicidade
“Trabalhamos o dia todo e, à noite, não dormimos”
O produtor Eleandro Arsego conta que ainda pagava dívidas de crises anteriores quando o novo colapso ocorreu.
— As dívidas antigas ainda estavam sendo quitadas quando veio essa nova queda. Os juros estão altos e o produtor não consegue honrar compromissos. Trabalhamos o dia todo e, à noite, ficamos pensando nas contas — conta.
Ele defende que o governo adote medidas antidumping, mecanismo usado para impedir que produtos importados entrem no país a preços artificialmente baixos, configurando concorrência desleal.
— Não tem como competir com países que produzem muito mais barato. Precisamos de proteção —afirma.
Eleandro ainda demonstra preocupação com o futuro da atividade e da sucessão familiar:
— Como convencer os filhos a ficar na atividade vendo o que estamos passando? — questiona.

Governo de SC
Em nota, o Governo de Santa Catarina reconhece o momento delicado enfrentado pelo setor leiteiro, mas afirma que tem atuado de forma contínua e estruturada para proteger os produtores e fortalecer toda a cadeia produtiva. De acordo com o Estado, um conjunto de medidas fiscais, financeiras, tecnológicas e institucionais vem sendo implementado com o objetivo de criar um verdadeiro “cinturão de proteção” ao produtor catarinense.
Continua depois da publicidade
Entre essas ações está a decisão do governador Jorginho Mello de prorrogar, até 31 de julho de 2026, o decreto que suspende incentivos fiscais para a importação de leite e derivados.
O impacto da medida seria fazer com que importações agora paguem ICMS integral (7% a 17%), contra a carga tributária anterior de apenas 1,4%.
Como resultado prático, no primeiro semestre deste ano, o volume de importações caiu quase 75% (de R$ 512,5 milhões para R$ 135,2 milhões), enquanto a produção catarinense cresceu 26%, saltando de R$ 5,4 bilhões para R$ 6,8 bilhões no mesmo período.
O governo também destaca os avanços do Programa Leite Bom SC, criado em 2024, que prevê um investimento de R$ 150 milhões ao longo de três anos por meio de linhas de crédito específicas. Até o momento, aproximadamente R$ 57,2 milhões já foram aplicados, beneficiando mais de 1.600 famílias produtoras e ampliando o limite de crédito individual para R$ 50 mil. A previsão é que outros R$ 56,25 milhões sejam destinados ainda em 2025.
Continua depois da publicidade
Outro ponto enfatizado pelo Estado é o investimento robusto em pesquisa, tecnologia e inovação. Ao todo, R$ 42,6 milhões estão financiando 18 grandes projetos científicos em parceria com instituições como Fapesc e Udesc. Essas pesquisas fortalecem o Núcleo de Ciência, Tecnologia e Inovação do Leite, que conta com modernos laboratórios e infraestrutura dedicada ao setor. Em complemento, a Epagri lançou em 2025 uma ferramenta de monitoramento de estresse térmico no rebanho, auxiliando produtores na prevenção de perdas produtivas durante ondas de calor.
Para garantir que as políticas públicas atendam às demandas reais do campo, a Secretaria da Agricultura reativou a Câmara Setorial do Leite, que voltou a se reunir em novembro. O grupo trabalha na formulação de estratégias de médio e longo prazo, com foco na modernização das propriedades, na sustentabilidade econômica e na proteção da cadeia produtiva.
Segundo o governo de Santa Catarina, os resultados já observados mostram que esse conjunto de medidas tem contribuído para equilibrar o mercado, fortalecer a produção local e oferecer mais segurança às famílias que dependem da atividade leiteira.
