A Conferência das Partes (COP) deste ano, que ocorrerá em novembro em Belém (PA), terá uma representante importante direto de Santa Catarina. A professora da UFSC, Marinez Scherer, é uma das enviadas especiais escolhidas pela organização da COP30. A missão dela é tentar fazer com que o tema oceano entre na declaração final assinada pelos quase 200 países participantes.
Continua depois da publicidade
A tarefa, claro, não é simples.
A COP30, evento da ONU, é uma forma de fazer as nações se comprometerem com ações de combate às mudanças climáticas. São meses de diálogos e, durante o evento no Brasil, dias intensos de discussões para, ao final, o martelo ser batido e um acordo ser definido com uma lista de metas.
Novidade desta edição, a existência de 30 enviados especiais, 20 deles de setores-chave, deve ajudar a presidência a entender as necessidades de cada peça no quebra-cabeça ambiental e climático. Um dos temas, o oceano, está sob responsabilidade de Marinez. Bióloga, doutora em Ciências Marinhas, coordenadora do Laboratório de Gestão Costeira Integrada e professora da UFSC, ela tem uma sólida trajetória na questão da Gestão Costeira e Marinha.
Por isso, agora, recebeu o convite para desempenhar esse novo papel, que ainda parece um pouco confuso até para os envolvidos, mas que servirá de “sementinha” para o texto assinado pelos chefes de estado
Continua depois da publicidade
Outra diferença da COP30 em relação às anteriores será a participação dos enviados na “agenda de ação”, um espaço dentro da conferência em que os pesquisadores de cada tema levarão bons exemplos de grupos, organizações, comunidades ou empresas no enfrentamento às mudanças do clima.
E aí, de novo, Santa Catarina deve ter espaço no evento internacional.
Marinez ainda não revela quais cases catarinenses serão apresentados na COP30, mas divide como está sendo o trabalho voluntário para o evento e faz reflexões sobre o tema que representa — o oceano é tido como o pulmão do mundo, sendo o maior regulador climático da terra. São essas águas que atuam como um grande sistema de resfriamento natural diante do aquecimento global, absorvendo carbono e equilibrando a temperatura.
Confira a entrevista:
Quero começar perguntando quem fez o convite para essa sua participação na COP30 e como foi para a professora recebê-lo?
É uma grande honra, um reconhecimento da minha trajetória e do meu conhecimento. Eu sou uma pessoa que trabalha com planejamento espacial marinho, isso traz uma visão abrangente de tudo o que acontece no oceano. Os enviados especiais são pessoas bastante expoentes nas suas áreas.
Sobre a escolha, eles conversaram entre eles (organizadores da COP) e decidiram quem seria. Pra mim o convite foi feito diretamente pela CEO da COP, que é a Ana Toni.
Continua depois da publicidade
Então é uma grande honra e um grande desafio.
O que é muito legal é que eu estou recebendo propostas e suporte de muitas organizações nacionais e internacionais. Todas falam: “Marinez, vamos te ajudar. O que a gente tem que fazer?”. Estou tendo muito apoio moral e espero que tenha financeiro para poder participar de alguns eventos.
Qual é exatamente o papel dos convidados especiais na COP30?
Os enviados especiais são uma inovação da presidência da COP do Brasil, isso nunca existiu. A ideia é trazer a sociedade, a academia e as empresas para junto das discussões. Então os enviados especiais são os pontos focais das áreas, que têm a capilaridade de conversar e trazer as demandas desses grupos para a presidência da COP naquele determinado tema. E também o contrário, trazer da presidência da COP as coisas que estão sendo discutidas e divulgar para o maior número de pessoas. Essa construção estamos fazendo juntos: Quais seriam as melhores maneiras de fazer isso? Por quais canais?
E esse “leva e traz” vai durar até o último dia da COP em Belém?
Então, as discussões da COP já estão ocorrendo. Só que daí isso entrar em um texto de negociação são “outros 500”, é mais uma questão diplomática. O que existe é a agenda de ação, que é um espaço na COP em que vão ser apresentadas ações, iniciativas e soluções que já estão acontecendo.
O papel dos enviados é ajudar a presidência a identificar essas ações que estão sendo feitas. No meu caso, na zona costeira e área marinha. É mostrar como podem ser feitas as coisas e como estão sendo feitas não só no Brasil como internacionalmente também.
Temos bons exemplos em Santa Catarina que podem ser levados para a COP?
Com certeza a gente vai ter exemplos daqui, eu só não gostaria de citar nenhum agora porque estamos fazendo o levantamento, mas temos exemplos de recuperação de áreas em Santa Catarina, de áreas marinhas protegidas… Cases que podem vir a ser levados para a COP.
Continua depois da publicidade
Então é assim: vocês não têm noção exatamente do impacto que vai ter esse trabalho, mas a ideia é que ele sirva como “sementinhas” para esses textos da negociação, que são decididos pelos chefes de estado…
Exatamente. A negociação é uma questão geopolítica quase, mas que nosso trabalho sirva de sementinha até a COP e até a reunião dos chefes de estado. A gente está tentando influenciar, fazer barulho. É dizer o quão importante é o oceano. Se você pensar, o oceano é o principal regulador climático do planeta e a gente não fala dele. Temos que conectar o oceano com a floresta. Precisamos pensar que quando se fala em enfrentar as mudanças do clima, tem que ter um oceano saudável, porque senão estamos “roubados”.
Por que você acha que o assunto oceano é deixado um pouco de lado?
Acho que são vários motivos. A gente diz que se sabe mais da lua do que do oceano. Então tem muito o que aprender, mas sabemos que ele é o principal regulador climático do planeta. Pesquisar o oceano não é algo muito simples, nem barato, até porque a gente não mora dentro da água, então é até normal o ser humano dar mais valor para aquilo que está pertinho (floresta). Só que a gente precisa fazer a população entender que esse ar que respiramos, esse clima, o meu bem-estar, a comida… tudo passa pelo oceano.
Essa é nossa briga, nossa sementinha é isso: que no texto final, na declaração dos chefes de estado, saia a importância do oceano. O pulmão do mundo é o oceano.
E quais são as discussões que estão mais urgentes dentro desse assunto?
Olha, uma coisa que está sendo bastante discutida são os ecossistemas de carbono azul. É a importância da conservação e restauração desses ecossistemas, leia-se, os mais destacados: manguezais, marismas e gramíneas marinhas. Precisamos ter esses ecossistemas bem conservados. E no ponto de vista de adaptação são todos aqueles ambientes, ecossistemas costeiros e marinhos que fazem frente à mudança do clima, como os recifes de coral, os próprios manguezais, as próprias gramíneas marinhas, as dunas…
Continua depois da publicidade
A gente tem essa solução baseada na natureza, tem a natureza que trabalha a nosso favor e nos fornece esses benefícios ou ainda serviços ecossistêmicos. Nós precisamos cuidar disso ao invés de destruir, né?!
Porque muitas vezes a gente tem destruído essas soluções naturais que estão ali, de graça, e acaba tendo que usar soluções feitas pelo homem que tem um grande custo, enquanto que as soluções baseadas na natureza são bem menos dispendiosas e mais eficazes.
Nesse aspecto, as áreas marinhas protegidas são muito importantes, inclusive do ponto de vista econômico. Se tivermos uma pesca e uma aquicultura bem manejada, sustentável, contribui para a economia e para o enfrentamento das mudanças do clima.
Aqui em Santa Catarina a gente tem a fama dos enormes prédios luxuosos quase na areia das praias, bem perto do oceano. Quando a gente pensa em elevação do nível médio do mar, o que precisa avançar para equilibrar essa gangorra?
A sociedade precisa entender que o mundo está mudando. O portãozinho de casa na beira da praia não pode mais acontecer. As cidades costeiras são fronteira aos eventos extremos, à subida do nível do mar, aos processos erosivos, ao processo de inundação…
Continua depois da publicidade
Então as cidades costeiras (prefeitos, prefeitas, vereadores, comunidade) têm que entender isso, que nós estamos trabalhando com áreas cada vez mais vulneráveis. Santa Catarina vai ser um estado com muita vulnerabilidade por causa da crise climática em relação aos processos erosivos, a gente já tem levantamento sobre isso.
O aquecimento global já está dado. O aquecimento do oceano está dado. E para ele desaquecer ou “voltar mais ao normal”, isso leva décadas. Nós temos que partir para a adaptação já. Agora. Demorou.
E como que faz para dar conta de tudo sendo uma mulher, pesquisadora, professora e agora enviada especial?
Estou entrando em pânico (risos). Esses próximos meses, principalmente setembro, outubro e novembro, vão ser os mais puxados, né? Eu tenho conversado com a universidade, existe a possibilidade de eu me licenciar por seis meses, porque eu não posso prejudicar os alunos, né?! Como professor, acho que a nossa principal missão é formar pessoas.
Continua depois da publicidade
Mas assim, eu imagino que saber que se pode fazer uma diferença como essa na COP seja uma grande motivação, né?!
Exatamente, eu quero que os países fiquem com vergonha de não falar do oceano. Não deveria ser um trabalho difícil de fazer, porque de novo: ou temos um oceano saudável, trazendo ele como nosso aliado, ou não existe enfrentamento à mudança do clima.
Antonietas
Antonietas é um projeto da NSC que tem como objetivo dar visibilidade a força da mulher catarinense, independente da área de atuação, por meio de conteúdos multiplataforma, em todos os veículos do grupo. Saiba mais acessando o link.

Leia mais
E nós com isso? Como as mudanças climáticas impactam a vida do catarinense