A escritora, pesquisadora, professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), Heloisa Teixeira, morreu nesta sexta-feira (28) no Rio. A informação foi confirma pela ABL e pela editora dos livros publicados por ela. As informações são do O Globo.

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Heloisa Buarque de Hollanda, como era chamada até então, disse em entrevista ao O Globo, em 2023, que estava tomando uma decisão sui generis. Aos 83 anos, ela aposentava o sobrenome famoso — que “herdara” do primeiro companheiro, o advogado e galerista Lula Buarque de Hollanda, já falecido — e passava a usar exclusivamente o sobrenome materno. Onze dias após a entrevista, a escritora tomou posse na ABL já com a nova identidade: Heloisa Teixeira.

A mudança feita por uma das maiores pensadoras do feminismo brasileiro, para a maioria das pessoas, seria impensável àquela altura da vida. Para Heloisa, sempre antenada com a arte e o pensamento contemporâneo, não foi. A intelectual chegou até a tatuar o novo nome nas costas:

— Tudo do feminismo atual passa pelo corpo. E o meu novo nome está tatuado no meu corpo junto com a família, porque estou toda marcada pelos netos — afirmou ela.

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Heloisa tinha 11 tatuagens — a primeira feita aos 79 anos, e várias delas sendo desenhos dos netos.

Quem foi Heloisa Teixeira

Natural de Ribeirão Preto, em São Paulo, Heloisa nasceu no dia 26 de julho de 1939. Graduou-se em Letras Clássicas pela PUC-Rio em 1961 e, de 1964 a 1965, especializou-se em teoria da literatura. Nessa época, ela foi admitida como professora auxiliar de ensino da UFRJ; em 1969, se tornou titular da instituição.

Nos anos seguintes, fez mestrado e doutorado em Literatura Brasileira na UFRJ e pós-doutorado em Sociologia da Cultura na Universidade de Columbia, em Nova York. Heloisa sempre manteve o foco na relação entre cultura e desenvolvimento, dedicando-se mais às áreas de poesia, relações de gênero e étnicas, culturas marginalizadas e cultura digital.

Já entre 1983 e 1984, Heloisa assumiu a direção do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS/RJ). Dois anos depois, em 1986, ela criou a Coordenação Interdisciplinar de Estudos Culturais (Ciec), laboratório de pesquisa de pós-graduação da Escola de Comunicação da UFRJ, que marca a passagem do foco de pesquisa da literatura marginal para as questões literárias de raça e gênero.

As obras de Heloisa Teixeira

No decorrer dos anos, Heloisa construiu uma grande produção acadêmica. Entre outros livros, ela publicou obras como “26 Poetas hoje” (1976); “Macunaíma, da literatura ao cinema” (1978); “Impressões de viagem; cultura e participação nos anos 60” (1979); “O feminismo como crítica da cultura”; “Guia poético do Rio de Janeiro”; “Asdrúbal Trouxe o Trombone: memórias de uma trupe solitária de comediantes que abalou os anos 70” (2004) e “Enter – Antologia digital e escolhas, uma autobiografia intelectual”.

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Em “Marginais anos 70”, por exemplo, ela reflete sobre a cultura alternativa daquela época. Nos últimos anos, lançou “Rebeldes e marginais: Cultura nos anos de chumbo (1960-1970)” e “Confissões de uma mulher divorciada”.

A história pessoal da escritora se confunde com a da cultura brasileira das últimas seis décadas. A festa de Réveillon que abre o livro “1968 – o ano que não terminou”, do jornalista e acadêmico Zuenir Ventura, por exemplo, foi na casa de Heloisa e de Lula, toda feita com sucata de demolição, no Jardim Botânico, zona sul do Rio.

Naquele “rito de passagem”, Lula estimou que haviam por lá, despedindo-se de 1967, “cerca de mil pessoas”. Alguns dos presentes eram Glauber Rocha, Geraldo Vandré, Millôr Fernandes, Ênio Silveira, Carlos Vergara, Fernando Gasparian, Elio Gaspari, Regina Vater, Maria Lúcia Dahl, o casal Luíz Carlos e Luci Barreto, Afonso Beato e Florinda Bolkan.

A festa deixou marcas na sociedade carioca: no livro, o jornalista conta que 17 casamentos se desfizeram naquela noite ou em consequência dela.

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“Toda quarta-feira é um Natal”

Quando completou 80 anos, em 2019, Heloisa disse ao O Globo que continuava festeira, mas só mudou a intensidade:

— Não tenho mais aquela coisa de dar festas, mas tem sempre gente almoçando ou jantando na minha casa. Toda quarta-feira é um Natal — disse ela.

Na ocasião, longe de sequer cogitar a aposentadoria, Heloisa trabalhava mais do que nunca. Ela lançava o livro “Onde é que estou?” e publicou “Pensamento feminista hoje” meses depois (ambos pela Bazar do Tempo). Em 2020, a escritora estreou no Canal Brasil uma série em que investigava as lutas femininas. Ela se interessava em abrir o diálogo com uma nova geração de feministas.

— Eu entendi que o feminismo dessa geração tem as mesmas causas, mas não as mesmas estratégias da minha geração. O nosso era coletivo, mas agora elas dizem “o meu primeiro assédio”. Com as pesquisas de campo e a proximidade com elas, eu percebi que essas meninas não tinham repertório. Então disse a mim mesma: “São as minhas netas, vou fazer uma biblioteca para elas”. Por isso eu digo que os livros e a série são um ativismo. É um compromisso com a formação dessa geração porque acredito que, agora, não há volta — afirmou, na época.

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Em abril de 2023, Heloisa ocupou a trigésima cadeira da ABL, sucedendo Nélida Piñon. Na história da instituição, era a décima mulher a tornar-se acadêmica.

*Sob supervisão de Andréa da Luz

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