A ingestão da substância lidocaína pode ter causado a morte de três pacientes após um exame de endoscopia realizado em maio em uma clínica particular de Joaçaba, no Meio-Oeste de Santa Catarina.

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De acordo com relatório divulgado pela Vigilância Sanitária de Santa Catarina nesta quarta-feira, a bula do medicamento indica que a substância não deve ser ingerida, o que pode ter causado a intoxicação na Clínica Conci.

Faltou spray

Segundo a diretora do órgão, Raquel Bittencourt, na falta da versão em spray do anestésico, o médico Denis Conci Braga teria diluído o medicamento em água e ordenado aos pacientes que ingerissem.

De acordo com Raquel, ao engolir a mistura as pessoas apresentaram sintomas característicos de intoxicação porque o anestésico em forma de gel se torna tóxico quando ingerido.

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O medicamento atacou o sistema nervoso central dos pacientes, que sofreram paradas cardíacas, taquicardia, entraram em coma, sentiram fraqueza e tremores pelo corpo.

Raquel conta ainda que o médico deu dois copos aos pacientes – um para engolir e outro para bochecho. Ela afirma que o medicamento em gel é para uso tópico, ou seja, aplicado na parte externa do corpo.

A diretora da Vigilância Sanitária está convencida de que a intoxicação causou as mortes. Ela explica que foram analisados os sintomas dos pacientes internados desde dois dias antes das mortes. Somente aqueles que engoliram a lidocaína em gel diluída em água desenvolveram o quadro de intoxicação.

Os sintomas analisados nos pacientes são compatíveis com os descritos na literatura médica, segundo o relatório. O documento também aponta que a clínica não possui estrutura para situações de risco, nem equipamentos, recursos humanos e tecnologia compatível.

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A Vigilância Sanitária usou na investigação entrevistas com os pacientes e parentes que acompanharam a recuperação das vítimas, além da perícia no local. O relatório foi encaminhado ao Conselho Regional de Medicina e à polícia em Joaçaba.

Desinfecção ideal

A clínica contava somente com um equipamento para fazer endoscopia. Raquel explica que para desifecção de alto nível é necessário pelo menos uma hora. No entanto, somente no dia das mortes oito pessoas foram submetidas ao exame, o que evidencia falta de tempo hábil para o procedimento.

Além disso, a clínica também não tinha alvará de funcionamento. O local poderia ser usado somente como consultório médico. A diretora da Vigilância Sanitária diz que até havia maleta de primeiros socorros e um desfibrilador para paradas cardíacas, mas o equipamentos não foram suficientes para impedir a morte de duas pessoas no local.

A última irregularidade é a falta de uma sala de recuperação para as pessoas submetidas a endoscopia. Sem o espaço adequado, elas permaneciam na sala após passarem pelo exame. Raquel acredita que muitas vezes eram liberadas ainda sob o efeitos das drogas.

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Laudo do IGP

Os materiais utilizados pelo gastroenterologia durante os exames em oito pacientes e as amostras de órgãos das três vítimas estão no Instituto Geral de Perícias (IGP) para análise.

O delegado de Joaçaba Maurício Pretto diz que o relatório da Vigilância Sanitária confirma a linha de investigação, mas avisa que é preciso aguardar os laudos do Instituo Geral de Perícias para ter certeza da culpa do médico.

Ele afirma que, terminada a apuração, analisará o material colhido e decidirá o crime pelo qual o proprietário da clínica, Denis Conci Braga, 31 anos, responderá. As possibilidades mais fortes são homicídio culposo (sem intenção de matar), ou com dolo eventual, quando o autor toma atitudes que podem causar a morte de alguém.

Pretto espera pelos resultados das análises da lidocaína e de órgãos das vítimas, que são feitas em Florianópolis. O delegado acredita que os laudos indicarão que não havia problema com o medicamento, o que reforça a hipótese de mal uso do anestésico. Apesar da promessa de prioridade, até agora o IGP não informou um prazo para conclusão dos exames.

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De acordo com o delegado, quando todos os laudos forem entregues o médico será chamado para prestar novo depoimento. Será a última etapa antes de enviar o caso à Justiça.

Germano Bess, advogado de defesa de Denis, considerou as afirmações da Vigilância Sanitária prematuras. Ele disse que afirmações feitas antes da da análise dos medicamentos é precipitada.

Como foi

No dia 14 de maio, oito pacientes foram submetidos à endoscopia na Conci Clínica Médica. Duas mulheres morreram cerca de 15 minutos depois de fazerem o exame. Iara Penteado, 15 anos, passou 15 dias internada em coma induzido e morreu.