Um outro lado da história de Florianópolis é contado pelas ruas do Centro Leste. Relatos de dor, sofrimento, mas também de orgulho e representatividade da comunidade negra. Com iniciativa do projeto cultural e turístico Guia Manezinho, o roteiro Negros em Desterro passa por pontos representativos da Capital e expõe para estudantes, turistas, crianças de abrigos e outros públicos, um pouco da presença negra na Ilha de Santa Catarina.
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Tudo começa na sede do Clube 12, local que segmentava negros e brancos. Rodrigo Stüpp, um dos organizadores do roteiro, comenta um exemplo dessa separação: relatos apontam que o poeta catarinense Cruz e Sousa chegou a ser proibido de entrar no local pelo racismo. Situações que Stüpp ainda percebe hoje em dia.
— Quando o painel de Cruz e Sousa estava sendo pintado pelo artista Rodrigo Rizo, ele disse ter ouvido coisas como “por que estão pintando esse preto aí?” —, comenta o criador do Guia Manezinho.
Diante de demonstrações de preconceito, iniciativas como essa, de resgaste da cultura e da história, atuam como armas contra o racismo. Isso porque mostram as desigualdades de diferentes formas: desde a participação negra em grandes obras da cidade até a exclusão de espaços. Para a doutora em História, Beatriz Mamigonian, conhecer é o primeiro passo para se colocar no lugar do outro.
— Para combater o racismo é necessário empatia, reconhecimento dos privilégios que os brancos tiveram (e ainda têm) e disposição para construir uma sociedade menos desigual —, comenta a especialista na história da diáspora africana.
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Ao passar pela Catedral Metropolitana de Florianópolis, por exemplo, Stüpp narra a observação de um navegador do século 18 que percebeu negros, escravos homens e mulheres, carregando pedras grandes e pesadas, à noite, para a construção do prédio.
Outro local que faz parte do roteiro, é a avenida Hercílio Luz. Antes do aterro da região, o Rio da Bulha era responsável por segmentar a população da Capital: de um lado das águas, os brancos e ricos da cidade; do outro lado e cada vez mais empurrados para os morros, os negros e pobres.
Parceria com a sabedoria das ruas
Stüpp reforça diversas vezes que não foi o único criador do roteiro. Ele contou com a parceria de Paulo Nogueira, conhecido como um “professor das ruas”. Se você já andou pelo Centro da Capital, principalmente à noite, pode já ter recebido uma de suas aulas.
Negro e com orgulho de suas raízes, Paulo leva o poeta Cruz e Sousa tatuado em seu corpo por onde passa. Seus relatos de andanças pelas ruas de Florianópolis, das situações de preconceito e de superação, são a base para que todas as histórias sejam contadas.
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E a presença de Paulo marca ainda o lugar de fala de uma comunidade que é esquecida na maioria dos livros ou registros históricos. Para expor estas memórias, o roteiro Negros em Desterro ainda utiliza cheiros, imagens e até sons para dar exemplos de como os escravos eram trazidos para Florianópolis.
Arte urbana como parte da narrativa
Rostos de negros estão estampados em caixas antigas de linhas telefônicas. As obras de arte estão espalhadas entre o Morro da Cruz e o Centro Comercial, na região do Mercado Público. Feitas pelo artista Bruno Barbi, elas integram o roteiro como forma de exposição de pertencimento, memória e afeto. Para que todos possam se ver pelas ruas de Florianópolis.
Em um dos áudios que compõem as experiências do roteiro, Barbi comenta os motivos de trabalhar com esses personagens e de fazer questão de espalhar as obras pelas ruas da cidade.
— De família materna vinda do maciço do Morro da Cruz e família paterna vinda do Alto do Vale do Itajaí, cresci em um dilema entre o conservadorismo europeu e as mazelas da vida na favela. Desde 2011, me dedico a dar visibilidade a causa negra com obras que tocam as pessoas mais simples pelas expressões, tons e olhares verdadeiros —, disse Barbi.
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Programação ainda continua
No Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, o roteiro Negros em Desterro será apresentado para crianças de abrigos da Capital. Para Stüpp, esta ação pode até ser um símbolo do papel cidadão do trabalho, por resgatar a história de muitas dessas crianças no dia que serve para não esquecermos dos males do racismo, da escravidão e do quanto precisamos avançar.
Se você ficou curioso pelo roteiro ou quer conhecer mais desta história, pode participar da edição de sábado, dia 23 de novembro. O ponto de encontro é o Clube 12, na avenida Hercílio Luz. A participação é gratuita, mas colaborações são bem-vindas através do sistema “pague quanto quiser”.
Outro roteiro que mostra a história negra é promovido pelo programa Santa Afro Catarina. Com narrativas chamadas de “Pós-abolição em Florianópolis”, a programação será no sábado, às 10h. Para participar é necessário se inscrever pelo e-mail santaafrocatarina@gmail.com
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